"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

quarta-feira, 23 de março de 2011

Achtung Baby

1991. O piloto brasileiro de Fórmula 1, Ayrton Senna, conquistava o tricampeonato. No Iraque, as forças armadas dos Estados Unidos invadiam o país, dando início à Guerra do Golfo. No último dia do ano, a URSS deixava de existir, e antes, em janeiro do mesmo, o Brasil sediava a 2ª edição do Rock in Rio. Rock. Palavrinha aparentemente desimportante, não? Depende: levando com alguma ironia e uma boa dose de despretensão, até passa. O disco que o quarteto irlandês U2 lançou no começo da citada década, “Achtung baby”, que o diga. Tudo bem que não dá para fechar o conceito do CD apenas com essas motivações – seria injusto, até. Mas faz sentido. Depois de álbuns, digamos, “sérios” – “The unforgettable fire”, de 1984, e “The Joshua tree”, de 1987 –, o grupo deu um passo mais descontraído na carreira, com “Rattle and hum” – 1988 –, um disco recheado de covers espertas e ótimas composições autorais. E aí, a bomba... No bom sentido. “Cuidado baby”, estampava o quarteto no título do seu mais novo trabalho. A sonoridade “Madchester” – indie rock + dance music –, de bandas como The Stone Roses e Happy Mondays, ainda estava em alta; por outro lado, o grunge americano lançava sua pedra fundamental em setembro daquele ano, com o CD “Nevermind”. O álbum de Bono Vox – voz –, The Edge – guitarras –, Adam Clayton – baixo – e Larry Mullen Jr. – bateria – nasceu no meio disso tudo. E muito mais.
Tomei um susto quando ouvi a primeira faixa, “Zoo station”. Sabe a ironia citada no começo deste texto? Pois é: ela continua viva em 2011, já que na turnê do combo irlandês que passará pelo Brasil neste ano, a banda de abertura é o trio inglês Muse, um grupo que poderia facilmente ser o “pai” da música em questão. O vocal de Bono aparece mergulhado em distorções e efeitos, acompanhando os beats que complementam a bateria simples de Larry. “Time is a train makes the future the past / Leaves you standing in the station”, canta Bono, em determinado trecho da faixa. No meio do caminho tem o The Edge... Tem o The Edge no meio do caminho. Sim, você vai ouvir falar muito do guitarrista do grupo neste texto. Também pudera: é ele quem manda no CD. A voz poderosa e sexy de Bono – sem contar as ótimas letras – e a cozinha que ajudou a moldar o “U2 wall of sound” estão lá, marcantes, mas são as cordas do “homem-delay” – alusão a um dos efeitos mais usados por The Edge – que fazem do disco uma peça importante na discografia do conjunto. Quer um exemplo, aliás, um ótimo? “Even better than the real thing”, minha música predileta no álbum – rivalizando diretamente com “Who’s gonna ride your wild horses?”. O guitarrista contribui com o espírito da canção esticando as notas de forma bem parecida com o que Keith Richards, guitarrista do Rolling Stones, fez na obra-prima “Gimme shelter”, soltando farpas psicodélicas para todos os lados. Mesmo assim, não é aquele psicodelismo circa 67, 68: é atual, moderno, conectado com o tempo. Difícil fazer um troço desses. Mais de uma vez, é quase impossível. A próxima faixa do CD, “One”, é um dos motivos pelos quais o U2 sempre será lembrado. Um clássico. Uma música que começa pequena, mas vai crescendo, através de guitarras e teclados, e então explode num clímax tocante, com a voz de Bono mais emocionada do que afinada – e isto é um elogio. “You say one love, one life / It's one need in the night / One love, we get to share it / Leaves you, darling, if you don't care for it”, diz a letra, aberta a interpretações diversas. Só vejo um ponto negativo na canção: ela não se encaixa no conceito do disco. Parece um corpo estranho no meio da maioria das outras faixas – embora seja esbelto, lindo. É como se o U2 avançasse para o futuro... Mas deixasse o dedo mindinho nos anos 80. Depois, duas faixas memoráveis. “Until the end of the world” e “Who’s gonna ride your wild horses?”. A primeira apresenta um registro vocal que remete ao Bowie da fase alemã, mais especificamente, de “Heroes”. Normal. O trabalho do “camaleão do rock”, dessa época, influenciou quase todo mundo do pós-punk inglês. E as coincidências não param por aí. O álbum começou a ser gravado em Berlin, e a produção contou com ninguém menos do que Brian Eno – acompanhado de Daniel Lanois. Peraí: coincidências ou algo proposital? Não importa. O que realmente conta é a grandiosidade da canção... E as várias guitarras de The Edge, apontando para todos os alvos e acertando na mosca. Sempre.
Não quero escrever nada sobre “Who’s gonna ride your wild horses?”. É a canção mais especial do CD, ao menos, na minha modesta opinião. E coisas especiais devem ser, mais do que tudo, sentidas. Fim de papo. Descubra por você mesmo, caro leitor. É demais para mim.
“So cruel” vem em seguida e, apesar de pisar no freio, não compromete o andamento do disco. Quem manda na faixa, mais do que os teclados, são as palavras do vocalista. “Oh, love, you say in love there are no rules / Oh, love, sweet-heart, you're so cruel”. Matador.
Outra dobradinha inesquecível. Sussuros e riffs sujos marcam “The fly”, enquanto “Mysterious ways” ricocheteia diretamente na cintura dos ouvintes. São duas faixas para as pistas de danças de qualquer lugar do planeta, para pular até cansar. On your knees, boys and girls.
Tryin' to throw your arms around the world” e “Acrobat” são músicas menores no disco – embora a segunda apresente outra ótima performance do guitarrista. Entre elas, “Ultra violet (light my way)”, uma canção memorável do quarteto... Num CD lotado de músicas memoráveis. “Sometimes I feel like I don't know / Sometimes I feel like checking out. I wanna get it wrong / Can't always be strong / And love, it won't be long”, desabafa o vocalista, escorado pelas guitarras inspiradas de The Edge – olha ele aí, de novo.
Apesar da sujeira, das batidas dançantes e das palavras urgentes de Bono, o álbum é finalizado de forma calma, ao menos, instrumentalmente falando. “Love is blindness” decreta que o amor é cegueira. Que é um relógio em funcionamento, aço frio.
Bono diz que, mesmo assim, não quer enxergar isso. Eu também não.


Confusão, mistura e ironia: seja bem-vindo aos anos 90

Por Hugo Oliveira


 

                

5 comentários:

  1. Grande texto sobre um belíssimo disco, meu preferido da banda! Deu até vontade de ouvir!!

    Abraço!

    ResponderExcluir
  2. Putz, é um discaço mesmo, cara. Me surpreendi e muito.

    Abraços e amanhã a gente se encontra!

    ResponderExcluir
  3. Belo texto, Hugo Oliveira!

    Vc precisa assistir a Zoo TV Tour - turnê do Achung Baby.

    ResponderExcluir
  4. Obrigado, Amanda Hadama! Imagino que a turnê que você citou deve ter sido demais.

    ResponderExcluir
  5. Eu sempre preferi os Zooropa e Pop, mas depois do seu do texto vou dar uma chance pro AB.
    Grande post!

    ResponderExcluir