"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

terça-feira, 28 de junho de 2011

Alegria

Peço desculpas pelas poucas postagens deste que vos escreve. Ultimamente, não consigo fazer nada... A não ser sorrir.

Não, eu não vou voltar ao estado normal. Mas vou voltar a escrever, combinados?

Stay pretty








Por Hugo Oliveira

terça-feira, 21 de junho de 2011

Nó na orelha - Criolo

Minha formação musical foi desde cedo pelas vias do rock n’ roll e da MPB, nunca fui próximo do rap/hip-hop. Quando novo acompanhei mais como curiosidade os primórdios do funk carioca, tanto que conheço grande parte dos ‘crássicos’ dos anos 90 que as festas vivem resgatando atualmente. A primeira lembrança que tenho de rap foi com os Racionais. Aos 12, 13 anos eu ainda ouvia rádio e no meio da programação pop-rock me deparei com “Fim de semana no parque” e “Um homem na estrada”, foi impactante. Esta última, inclusive, é dos melhores raps que já ouvi. Sobre uma batida seca, uma guitarra soul, sample do Tim Maia, um narrador raivoso cospe uma crônica crua, realista e poderosa sobre a violência urbana. Eu, “playboyzinho”, fechado em casa, cujo ideal de vida era ser o John Lennon, tive “acesso” a um mundo diferente, uma das primeiras portas abertas para o ‘mundo real’. Lembro de gravar numa fitinha e ouvir direto essas duas com meu irmão.

Logo depois me interessei pelos dois primeiros discos do Gabriel, o Pensador. Álbuns que não ouço mais hoje, mas considero muito bons, ouvi bastante na época e não gosto muito do caminho que ele seguiu após o terceiro disco. Anos mais tarde voltei ao Racionais quando “todo mundo” ouviu o Sobrevivendo no Inferno, mas nunca mais nenhum representante do rap nacional despertou meu interesse.

Até conhecer o Nó na orelha, álbum do Criolo, lançado este ano. Li em algum lugar e baixei sem grandes expectativas. E estou há uns dois meses ouvindo este que é um dos discos do ano até agora e pode expandir as fronteiras do rap nacional, por seu potencial para conquistar adeptos do estilo e encantar quem não costuma ser seu público alvo, como é o meu caso.

Fui fisgado de cara pela abrangência musical. O que de começo parece um defeito do disco, a falta de coerência/linearidade, mostra-se, com as sucessivas audições, o grande trunfo do mesmo. Criolo se aventura em estilos diversos como o samba, dub, balada e é cantor e não apenas rapper em grande parte das canções. De cara, fiquei encantado com a primeira, a algo afro “Bogotá”. A segunda – e uma das minhas preferidas –, a grooveada “Subirusdoistiozin”, é um retrato da periferia a partir do encadeamento de imagens a partir das quais formamos nosso próprio enquadramento.

O grande destaque do disco nas primeiras audições é, sem dúvida, “Não existe amor em SP”, balada melancólica, de grande lirismo e intensidade. Gosto muito também da deliciosamente brega “Freguês da meia noite”, do bonito samba “Linha de frente”, que fecha o disco apresentando a “Turma da Mônica do asfalto”, e dos joguinhos com rima em –ex de “Grajauex”.

Criolo consegue misturar linguagens musicais e referências líricas de contextos culturais a princípio distanciados. Durante o disco, cita, entre outros, Manuel Bandeira, Chico, Caetano e Cartola sem soar pedante ou forçado, aproximando-os de Fela Kuti ou Sabotage. E suas letras e interpretação possuem um enfoque diferente do Racionais, por exemplo, ao abordar sim a vida da periferia, porém de uma forma menos violenta e estereotipada.

Recomendo o disco (disponibilizado pra download aqui) a ouvintes adeptos da boa música, independente de estilos ou preconceitos. Quem se inclui nessa categoria pode vir a gostar desse Nó na orelha, que busca sua coerência em uma encantadora falta de coesão musical.


Por Ricardo Pereira

Staircase - Radiohead


Lado B, classe A - foda!

Por Ricardo Pereira

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Agora falando sério


... preferia não falar. A folha em branco pulsa, instigando e repelindo-me em suas possibilidades infinitas. Como a mulher bêbada e insistente no fim da noite, que seduz e te atrai, te aborrece e afasta, a página em branco é um bilhete de loteria com os cinco números que vão sair no sorteio seguinte.

Minha vida hoje é como a página em branco. Ou melhor, é como uma página cheia de rasuras, emporcalhada de corretivo e que eu preciso continuar escrevendo por cima, antes mesmo de secar. Nunca tive grandes sonhos, nunca quis carro, casa própria, dinheiro nunca foi prioridade por aqui. Se um dia tive um sonho foi viver um grande amor. E não qualquer amor, meu sonho era ter apenas uma mulher para a vida inteira, dedicar a vida a esse amor, compartilhando e fazendo disso a razão do meu viver. Mas ora não se ria, caro leitor, não é de perfeição ou conto de fadas que falo. Sempre pensei em alguém com quem viver os momentos bonitos e que tornasse mais aceitáveis os mais difíceis. Aquele tipo de relacionamento que a gente vê um ou dois durante a vida inteira.

Recentemente li a biografia do Roberto Carlos e fiquei bastante mexido com o capítulo sobre o amor de Roberto e Maria Rita: era aquilo. O encanto, o quanto um dedicava a vida ao outro, senti um pouco daquele amor enquanto lia e um pouco do sofrimento do traumático fim dos dois, por conta da doença e morte dela.

Fiquei pensando no quanto passei parte da vida procurando um relacionamento desses e também no quanto essa procura pode ter arruinado os bons relacionamentos que vivi... A seriedade, a idealização, as expectativas que coloquei em cada uma delas, pode ter apressado o fim.

Hoje não penso tanto nisso, porque é cada vez mais difícil acreditar no modelo de Amor que criei e alimentei em mim. É aquele esquema: “quero respeito e sempre ter alguém que me entenda e sempre fique a meu lado. Mas não, não quero estar apaixonado”. No entanto, é possível, citando o mesmo disco, que não seja desejo, nem saudade, sinceramente, nem seja verdade...

É. A Tempestade tem batido forte por aqui recentemente. Disco que ficou obscurecido pela morte do Renato Russo, está longe de ser dos melhores da banda, mas possui canções muito fortes, que podem espelhar nossos sentimentos em momentos complicados da vida. E desde que comprei a caixinha da Legião e passei a reouvir os discos, certamente foi o que mais tocou aqui.

Às vezes sinto-me como em um lugar amplo, sem qualquer resquício de vento e, em meio a esse descampado, os bons momentos que vivi surgem em flashes como um final de episódio de ‘Anos Incríveis’. Mesmo sendo boas as lembranças, esses fragmentos hoje me fazem mais mal do que bem, mostram o quanto envelheci de maneira diferente do que imaginava, o potencial destruidor do tempo, o quanto cada escolha certa e errada vem, de uma forma ou de outra, cobrar sua dívida.

Prometo voltar ao ritmo normal de postagens, falar de bons discos, filmes, livros, ao invés de despejar esse tipo de coisa em vocês. Eu avisei...

Preferia não falar
                   falando sério.

I'm not here / This isn't happening
 Por Ricardo Pereira

domingo, 12 de junho de 2011

Fim de tarde com Chet Baker

Camisa listrada, cinza e azul. Bermuda preta, assim como o tênis. Óculos escuros. Esse sou eu, caminhando pelas ruas de Angra dos Reis nesta tarde de domingo fria, porém, agradável. O sol ainda brilha - são 15h30. Fecho o portão, saio de casa e aperto o play do meu Ipod.

Olá, Chet Baker.

Lá vamos nós. Caminho pelas ruas como se estivesse dentro de minha casa. De repente, passo perto de um prédio comercial. Normal, a não ser por um detalhe: foi ali que tudo aconteceu.


I saw you last night and got that old feeling
When you came in sight I got that old feeling
The moment that you danced by I felt a thrill
And when you caught my eye
My heart stood still
Once again I seemed to feel that old yearning
And I knew the spark of love was still burning
There'll be no new romance for me
It's foolish to start
For that old, old feeling is still in my heart
Once again I seemed to feel that old yearning
And I knew the spark of love was still burning
There'll be no new romance for me
It's foolish to start
For that old, old feeling is still in my heart
Still in my heart
Still in my heart

I saw you last night and got that old feeling
When you came in sight I got that old feeling
The moment that you danced by I felt a thrill
And when you caught my eye
My heart stood still
Once again I seemed to feel that old yearning
And I knew the spark of love was still burning
There'll be no new romance for me
It's foolish to start
For that old, old feeling is still in my heart
Once again I seemed to feel that old yearning
And I knew the spark of love was still burning
There'll be no new romance for me
It's foolish to start
For that old, old feeling is still in my heart
Still in my heart
Still in my heart

Já estou chegando na Praça do Porto. Acordei tarde, e não vou almoçar. Comerei um hamburguer daqueles... Gigante! Coca-cola para acompanhar. Ligo para meu chapa, Ricardo. Telefone desligado. Ok, mano. A gente se fala pela semana. Enquanto espero pelo lanche, vejo vários casais. Eles estão sorrindo, de mãos dadas - a maioria das mulheres carrega uma solitária rosa na mão que está livre. Povo romântico, esse. Eu entendo perfeitamente. Resolvo sentar num banco, mas não um qualquer. É um lugar especial para mim. E eu, mais uma vez, estou sozinho. Ah, nem tanto: Chet está comigo. "It's always you", ele canta. Dou um sorriso sem graça e balanço a cabeça, como se concordasse com ele.

Whenever it's early twilight
I watch 'til a star breaks through
Funny, it's not a star I see
It's always you
Whenever I roam through roses
And lately I often do
Funny, it's not a rose I touch
It's always you
If a breeze, caresses me
It's really you strolling by
If I hear, a melody
It's merely the way you sigh
Wherever you are you're near me
You dare me to be untrue
Funny, each time I fall in love
It's always you

Devoro o hamburguer em 1 minuto - o refrigerante, em um pouco mais de tempo. Não satisfeito, peço um chocolate, para adoçar um pouquinho a vida. Eu sei que é um puta clichê, mas até que deu um resultado. Sigo andando pelo cais de Santa Luzia, olhando as pessoas que passam, que comem nos restaurantes, que conversam banalidades. Que se beijam.

Não, não há qualquer sinal do "meu ideal" por ali.

Long ago my heart and mind
Got together and designed
The wonderful girl for me
Oh what a fantasy

Thought the ideal of my heart
Can't be ordered a la carte
I wonder if she will be
Always a fantasy

Will I ever find the girl in my mind?
The one who is my ideal
Maybe she's a dream and yet she might be
Just around the corner waiting for me

Will I recognize the light in her eyes
That no other eyes reveal
Or will I pass her by and never even know
That she was my ideal

Will I recognize the light in her eyes
That no other eyes reveal
Or will I pass her by and never even know
That she is my ideal
Resolvo sentar, fumar um cigarro, apreciar a vista. E é uma bela paisagem, pode ter certeza. Os barquinhos vão se mexendo, lentamente. Copos de cerveja são novamente abastecidos, e as risadas parecem que não vão cessar. Um casal assiste ao filho caminhando. Passos bem desengonçados, os do garotinho. Mas ele não desiste, e continua a andar. O pai e a mãe se olham. Não estão apenas orgulhosos pelo progresso do filho, acredito, mas felizes: mais um pequeno e frágil ser humano no mundo, se preparando para viver... E a "culpa" é deles.
De repente, foi tudo um acidente. Uma noite de sexo desprotegido e pimba!, lá vem a dona cegonha.
Hoje não. Prefiro romantizar. O moleque surgiu em meio a beijos apaixonados, olhares enlouquecidos de desejo e orgasmos silenciosos, profundos, plenos.
Chet acabou de confirmar que eles estavam ouvindo uma canção do repertório dele, quando aconteceu. Eu acredito.
Time after time
I tell myself that I'm
so lucky to be loving you
so lucky to be
the one you run to see
in the evening when the day is through
I only know what I know
the passing years will show
you've kept my love so young, so new
And time after time
You'll hear me say that I'm
so lucky to be loving you.

I only know what I know
the passing years will show
you've kept my love so young, so new
And time after time
You'll hear me say that I'm
so lucky to be loving you.


Reencontro um velho amigo. Ele está morando no Rio agora, trabalhando por lá. Conversamos sobre vida profissional, outros amigos que, infelizmente, acabamos perdendo o contato e, é claro, sobre Angra dos Reis.
"Esta cidade é uma merda", ele diz.
"É verdade. É complicado viver aqui, né?", respondo.
Apertamos as mãos, trocamos telefones e eu finalizo a conversa desejando uma boa sorte a ele. Estou sozinho novamente. Aí, acabei me lembrando das vezes em que me despedia de uma pessoa, naquele mesmo lugar. Nada de aperto de mãos e/ou troca de telefones. Beijos doces e abraços apertados. Contidos, mas sinceros.
E eu perdi a conta de quantas vezes fiquei ali, parado, olhando você ir... E um dia você foi de vez.
Your my funny Valentine, sweet comic Valentine,
You make me smile with my heart,
Your looks are laughable, Unphotographable
Yet you´re my favourite work of art

Is your figure less than Greek?
Is your mouth a little weak?
When you open it to speak, are you smiling?
But don´t change a hair for me,
Not if you care for me.
Stay little valentine, stay!
Each day is Valentine´s Day

Each day is Valentine´s Day
Peço desculpas a você, Chet, mas dessa vez eu discordo: nem todo dia é Dia dos Namorados.
Aliás, que dia é hoje?
À esquerda, Hugo Oliveira, ainda de bigode; à direita, ele, Chet Baker, destruindo corações


Por Hugo Oliveira


sexta-feira, 10 de junho de 2011

Sempre que um sino toca... Um anjo ganha asas

“Lembre-se que ninguém é um fracasso se tem amigos”. Uma dedicatória num livro, com essas palavras, na última cena de um longa-metragem. Foi o golpe derradeiro para que as lágrimas fossem derramadas. O filme? "A felicidade não se compra", do diretor Frank Capra.
A história é simples. George Bailey - interpretado com maestria por James Stewart - é o típico gente fina da cidade de Bedford Falls... Aliás, gente fina nada: ele é a bondade em pessoa. Desde pequeno sempre ajudando o próximo e, muitas vezes, anulando seus sonhos para que outros possam concretizar os seus, ele vê a vida passar sempre esperando pelo momento certo de ser feliz. Vai dar merda, certo? Vai.
Em um determinado momento, George, já casado e com filhos, entra numa furada envolvendo uma grande quantia de dinheiro, que foi perdida por um tio - na verdade, não foi bem assim. Ele precisa dessa grana, pois, do contrário, terá que pagar pelo erro do parente com uma estadia na prisão. George quase enlouquece com a possibilidade de ter que ficar atrás das grades e, num momento de desespero, pensa em se matar jogando-se de uma ponte.
E aí, aparece um anjo... Um bem engraçado, diga-se de passagem. Ele ajuda George a entender que, apesar de tudo o que está passando, sua vida foi - e é - absolutamente importante ao povo da cidade. De que forma? Mostrando a ele como seria a vida da pacata cidadezinha se o próprio não existisse... E esse cenário não é nada agradável. George se arrepende dos pensamentos negativos, e resolve voltar para casa mesmo sabendo que vai ser preso por causa da confusão monetária. Paro por aqui.
Lançado em 1946, "A felicidade não se compra" é um filme atemporal, com uma mensagem que não vai envelhecer nunca. Pode não ser um longa ágil para os padrões destes tempos, mas acredito que a molecada - ao menos, a esperta - não vai ter problemas em descobrir esta obra-prima. Mais ainda: absorver o importante ensinamento que é transmitido na película.
Num mundo de espertalhões, filhos-da-puta, invejosos e inescrupulosos de todos os tipos, ser do bem é ser verdadeiramente rebelde, é promover a real revolução que esse mundo maluco precisa.
Você pode dizer que eu sou um sonhador, claro. Mas é aquilo: eu não sou o único.



Ser do bem não tem nada a ver com ser "coxinha"

Por Hugo Oliveira

Importante: comprei o DVD na última terça-feira, quando viajei a trabalho para o Rio. Vou rever nesse final de semana, e o choro é certo. Aliás, se você resolver assistir e não se emocionar com a última parte do filme, passe a comer fritura todos os dias, fumar cinco maços de cigarro por hora e não se esqueça de adotar o sedentarismo para o resto de sua vida. Você não deve ter coração.



quarta-feira, 8 de junho de 2011

Sem Fantasia

Ando sumido daqui. Postagens esporádicas, chegando a recorrer ao Drummond e ao Rubem Fonseca semana passada. E não é por falta de assunto. O que não falta é tema que gostaria de – e devo – falar nos próximos dias: o excelente disco novo do Arctic Monkeys; a triste despedida de Ronaldo dos gramados com a camisa da seleção; o quanto esta seleção da CBF que aí está não me causa empatia alguma – e dá-lhe Uruguai na Copa América!; a beleza que é Fringe, que só agora estou assistindo; a notícia que o canal Viva vai passar Roque Santeiro, a melhor novela que a Globo produziu; falar sobre o prazer e o privilégio de poder acompanhar um atleta tão genial quanto Roger Federer; o quanto ando incomodado com as pessoas cada vez mais preocupadas com imagem e aparência; um texto sobre o Amor como objetivo de vida, a partir de um exemplo que muito me sensibilizou. Enfim, tema não falta, o que falta é os textos saírem.

Mas o que de mais relevante anda acontecendo por aqui estes dias é a leitura da biografia de Dostoievski (a do Joseph Frank), estou terminando o primeiro volume de cinco. Além de estar aprendendo bastante e engrandecendo ainda mais minhas leituras dos romances dostoievskianos, ando me identificando com algumas características pessoais do escritor, e infelizmente características não tão lisonjeiras... Mas fiquei particularmente incomodado com a possibilidade de identificação não com o próprio, mas com a definição de uma espécie de “sonhador”, homens de um caráter pouco prático, presentes na sociedade russa dos anos de 1840, que Dostoievski descreve em um folhetim seu publicado na imprensa.

Este tipo de homem foge do mundo real a partir de “ilusões, quimeras inventadas, devaneios (metchtátelnost) e todos aqueles outros remédios com os quais as pessoas tentam preencher de algum modo o entediante vazio de sua vida cotidiana”. Este sonhador teria tendência à solidão e a um temperamento instável, incapaz de um esforço constante, criando subterfúgios para viver em um mundo de ilusão, mais interessante do que a realidade. E nas palavras do autor: “Pouco a pouco, nosso pequeno travesso começa a fugir das multidões, a esquivar-se aos interesses das pessoas e, gradualmente, quase sem perceber, seu talento para a vida real começa a embotar-se. Finalmente, em seu delírio, perde completamente o senso moral que confere a um homem a capacidade de apreciar toda a beleza da realidade...”.

Obviamente não me enquadro literalmente nesta definição, meu próprio trabalho felizmente me força a estar em contato com o “mundo real”, mas o provocativo desfecho do texto de Dostoievski – “não seremos todos mais ou menos sonhadores?” – me deixou a pensar no quanto não passo parte do tempo a alimentar-me de sonhos e no que posso fazer para enfrentar a vida de forma mais prática e efetiva.

Por Ricardo Pereira

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Corrente

            Após meses de sofrimento e solidão chega o correio:

esta corrente veio da Venezuela escrita por Salomão Fuais para correr o mundo
faça vinte e quatro cópias e mande a amigos em lugares distantes:
antes de nove dias terá surpresa, graças a santo Antônio. Tem vinte e quatro cópias, mas não têm amigos distantes.
José Edouard, Exército venezuelano, esqueceu de distribuir cópias perdeu o emprego.
Lupin Gobery incendiou cópia, casa pegou fogo, metade da família morreu.

Mandar então a amigos em lugares próximos.
Também não tem amigos em lugares próximos.

Fecha a casa,
Deitado na cama, espera surpresa.

- Rubem Fonseca


Por Ricardo Pereira

Poema da necessidade

É preciso casar João,
é preciso suportar Antônio,
é preciso odiar Melquíades,
é preciso substituir nós todos.

É preciso salvar o país,
É preciso crer em Deus,
é preciso pagar as dívidas,
é preciso comprar um rádio,
é preciso esquecer fulana.

É preciso estudar volapuque
é preciso estar sempre bêbado,
é preciso ler Baudelaire,
é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores.

É preciso viver com os homens,
é preciso não assassiná-los,
é preciso ter mãos pálidas
e anunciar o FIM DO MUNDO.

- Carlos Drummond de Andrade


Por Ricardo Pereira

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Um dia na vida (morte)

A primeira vez que eu fiquei realmente cara a cara com a morte não teve ligação com alguma perda familiar. Quer dizer: isso se você acreditar que os parentes têm que ser de sangue para serem considerados, digamos, oficiais. Comigo não funciona assim.
Acho que foi em 2007 ou 2008. Trabalhava num jornal semanal de Angra dos Reis, o Maré. Não me lembro o dia e muito menos o mês, mas sei que, pela manhã, recebi uma ligação de um grande amigo, Gláucio, me contando que a mãe de outro parceiro, Rodrigo "Squitch", havia falecido.
Foi foda. Nunca tive contato com a famosa "Dona Creuza". Havia falado com ela em uma ou duas ocasiões, no máximo. Mesmo assim, senti o baque como se tivesse perdido uma conhecida. Melhor: uma pessoa querida.
Gláucio e Squitch participaram dos "anos dourados" da minha adolescência/começo da vida adulta. Tinhamos uma bandinha, a Malkavianos, e nos divertimos horrores entre 1997 e 2001. Vivemos intensamente, mas, ao contrário do que dizia uma de nossas canções, não morremos loucamente. Estamos aí até hoje...
Assim que fui informado do acontecido, entrei em contato com Ricardo - sim, o outro responsável por este blog. Ele também estava trabalhando, mas arranjou um tempinho para consolar nosso amigo em comum.
Quando chegamos na casa de Squitch, onde sua falecida mãe se encontrava, aí o negócio ficou sério. Enquanto Rodrigo, junto com seu cunhado e seu irmão mais velho, acertavan detalhes burocráticos quanto ao enterro, eu, Ricardo, Gláucio e Cecel - outro companheiro de longa data - ajudamos a carregar o caixão, já com o corpo da senhora. Foi estranho. Quatro companheiros de shows, biritas e noitadas ali, segurando a mãe de outro amigo. Ficamos em silêncio nesse momento e, depois disso, acho que conversamos apenas sobre banalidades... Coisa de quem não tem o que falar numa hora dessas.
Outros amigos e amigas foram chegando. Abraços, beijos, palavras de consolo. Bebemos uma cervejinha também, na hora do almoço... E até conseguimos tirar alguns sorrisos do rosto de Squitch, um cara conhecido justamente por fazer a alegria de todos com suas piadas/tiradas. Mas até os bem-humorados choram, né? Com Rodrigo não foi diferente.
O velório foi triste, como não poderia deixar de ser. Várias coisas passando pela minha cabeça. "Um dia eu vou passar por isso" e "Como esse cara está aguentando essa barra?" eram os pensamentos mais recorrentes.
Corta para o enterro. Clima pesado. Um padre/pastor - também não me recordo - falava sobre como a mãe de Squitch era querida, e que foi uma pessoa boa durante sua passagem pela terra. Os filhos se abraçaram. Ricardo chorava; Ingrid, outra amiga, também. Comoção total. Acho que apenas eu e o Gláucio não derramamos lágrimas, mas não foi por sermos insensíveis. Na verdade, nem sei o motivo. Mas estávamos arrasados, obviamente. Foi dolorido demais ver um cara que nós amávamos - e amamos - sofrendo daquele jeito. O caixão foi selado. Últimas palavras. Fim.
Mais à noite, alguns amigos ainda se reuniram com Rodrigo, para tentar relaxar um pouco. Estava muito cansado e acabei ficando em casa. Havia sido um dia difícil.
Tempos depois, outros amigos passaram pela mesma situação - Gláucio com um irmão mais novo e Pedro com a avó. O tempo apaga as lembranças? Diminui a dor e a saudade que sentimos?
Fico com um comentário que Squitch fez, numa conversa de bar com o Ricardo.
"Penso nela todos os dias".

Nem sei o porquê deste texto. Mesmo assim, acho que ninguém precisa de motivo para escrever sobre a morte. Ou sobre a vida.
Boa tarde.


Morte? Como assim?

Por Hugo Oliveira