"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

sábado, 31 de março de 2012

Sopranos - muito além da máfia


Durante minha infância e parte da minha adolescência, minha série favorita era Anos Incríveis (Wonder Years), as angústias e alegrias de Kevin Arnold somadas ao tom nostálgico dos episódios proporcionavam grande identificação. Mais recentemente, Lost fez minha cabeça, os mistérios sucessivos e, principalmente, a quantidade de bons personagens construídos me deixavam alucinado a cada fim de temporada. Sou dos que achou o final satisfatório, mas, quase dois anos após o fim, penso que, se a série tivesse terminado ao fim da terceira temporada, seria perfeita. Sim, continuei envolvido nos três anos seguintes, e o melhor episódio da série para mim, “The Constant”, faz parte da quarta temporada, porém penso que nada do que veio depois se iguala ao que foi contado na primeira metade do seriado. Ainda assim, pensava ser Lost o que de melhor havia sido criado especialmente para a televisão... Até assistir a Sopranos.

Passei os últimos três meses acompanhando o desenrolar da trama envolvendo a família Soprano e saio desta jornada com a certeza de ter sido a melhor série a que já assisti e, provavelmente, a melhor já realizada. Primeiro motivo, o fato de, em seus 86 episódios, a série manter os 100% de aproveitamento, não há um episódio ruim, que esteja ali “pra cumprir tabela”. É interessante como todos os personagens e sub tramas inseridas têm importância ou consequências dentro da narrativa.

A segunda razão é o excelente personagem que é Anthony Soprano. Interpretado magistralmente por James Gandolfini, Tony Soprano é um personagem complexo e extremamente humano, real. Esse realismo e humanidade, aliás, é o que diferencia Sopranos de clássicos sobre a máfia como, por exemplo, O Poderoso Chefão, homenageado do começo ao fim do seriado. Aqui não há o glamour dos Corleone, nem a violência estilizada ou a idealização da criminalidade. Soprano é um homem que, chefiando uma importante família da máfia americana, tem que lidar com questões como sua depressão, o isolamento proporcionado pelo poder, a pressão decorrente do cargo e conflitos normais de uma família qualquer de classe média alta.

E aí está a grande questão: mais do que sobre a máfia, Sopranos é uma série sobre família. Pouco a pouco o espectador se vê inserido no núcleo dos Soprano, no relacionamento conflituoso de Tony com a mãe, na inveja de seu tio ressentido, na preocupação com os filhos, com as loucuras da irmã e na relação com a esposa, Carmela, ‘dividida’ sempre com casos esporádicos. E, nessa, é impossível não se afeiçoar ao protagonista, mesmo que às vezes não concordemos com ele.

O elenco da série também é fantástico. Steve Van Zandt, Tony Sirico, Vincent Curatola, Lorraine Bracco, Steve Buscemi e Steve Schirripa, entre outros, dão vida a personagens inesquecíveis, de modo que ficamos acostumados aos maneirismos e jeitos de falar de grande parte deles. A trilha sonora é outro ponto forte de Sopranos, desde as canções preferidas de Tony, fã de rock n’ roll, às músicas que encerram tradicionalmente os episódios.

Quanto ao controverso final, gostei bem. É coerente com o desenvolvimento de todo o seriado que termine do jeito que terminou e é, de certa forma, um alívio que os espectadores possam decidir algumas importantes questões.

Sopranos deve ser assistida por todos que se interessam pela cultura popular recente, e, quem vai pensando encontrar apenas histórias sobre a máfia, vai se deparar, na verdade, com uma narrativa sobre como lidar com as loucuras de se viver nesses estranhos primeiros anos de século. Imperdível.

"You've seen your birth, your life & death; you might recall all of the rest...
 Por Ricardo Pereira

sexta-feira, 30 de março de 2012

Canções para moradia


Às vezes me assalta a sensação de não pertencimento ao mundo. Algo que, à primeira vista, parece um sentimento adolescente – e não deixa de ser... –, no entanto, ataca na idade adulta de outras formas. No meu caso, sinto-me assim por não me sentir ajustado à competitividade reinante, ao modelo apresentado como ideal de vida para as pessoas.

E, de repente, vem a vontade de fugir, vontade de morar em filme, morar em disco. Cheguei a pensar que a morada ideal para mim num dia como hoje pudesse ser um álbum da Joanna Newsom, porém, ouvindo o maravilhoso Songs for begginers, primeiro álbum solo do Graham Nash, senti que ali estaria meu esconderijo ideal.

Durante “There’s only one”, tive, por um breve momento, a impressão que uma canção dessas contém mais beleza do que o resto do mundo todo. Pensamento imbecil, ingênuo, escapista, chame como quiser. Fui apresentado a este disco no começo do ano - ou fim do ano passado - por meu amigo Cecel e, desde a primeira audição, fiquei encantado. É como se Nash fosse Harrison, Lennon e McCartney juntos em um disco só.

E, à medida que vou ficando mais íntimo do álbum, encanto-me mais, vejo mais beleza. Beleza de um tipo que pode salvar uma vida, construir um mundo imaginário onde valha a pena habitar. Desde a força para seguir em frente cantada em “Better Days”, brincando de morar em disco, vejo a minha frente, como fosse um filme, castelos de areia desmoronando e o sujeito que costumava ser um rei converter-se num homem simples, que, cantando uma simples canção, sabe que precisa da pessoa especial que lhe dá força, que o torna real.

E permito-me residir por ali pelo tempo que for necessário. Sejam os trinta minutos de uma audição ou a eternidade de beleza e encantamento responsável por me fazer acreditar que uma canção pode até não mudar o mundo, mas é capaz de transformar o meu, tornando-me mais apto a enfrentar a realidade e mostrando que minha simplicidade, de uma forma ou de outra, encontra eco entre sonhos e sons atemporais. 


Por Ricardo Pereira

terça-feira, 27 de março de 2012

Qual o seu preço, De'La Roque?


Em discussão recente num grupo sobre música dessas redes sociais, jornalistas e ouvintes discutiam a “falta de culhão” no rock nacional, alegando como justificativas a falta de ‘atitude’, o fato de parte das bandas brasileiras estarem fazendo um som insosso, com “nojinho de guitarras” e sem postura rock n’ roll. Lembrei dessa discussão ao ouvir Qual o seu preço?, álbum de estreia da banda carioca De’La Roque. É a evidência contrária, a prova de que por aqui se produz Rock n’ roll com maiúscula e testosterona.

A banda, formada por Kito Vilela (guitarra e vocais), Alexandre Barbosa (guitarra e vocais), Marx Braga (baixo) e Jonas Cáffaro (bateria), constrói uma moldura sonora pesada, disparando inspirados riffs e vocais rasgados para apresentar uma série de contos rock n’ roll que retratam duas vertentes líricas.

A primeira, focada em personagens inadequados em uma espécie de submundo, me fez pensar em um Manuel Bandeira punk rock. Da mesma forma que, ao invés da paisagem, da linha do horizonte, da baía, o que interessa ao poeta modernista é o beco, aqui são retratados pecados de uma “vida suja”, ódio no olhar, a cólera sem nome, rodas de poker na madrugada, o sangue que já não quer correr e a lama de tanto beco sujo.

A outra faceta do álbum é centrada em letras sobre relacionamentos, escritas de forma direta e soando bem, sem frescuras ou pieguice. Então, se “Por uma noite” retrata problemas com uma mulher que ‘pensa demais’, uma aposta ‘pra perder’, em “Outra vez” – um dos destaques do álbum com seu ótimo refrão e belas guitarras – a aposta é acreditar naquela que é o seu norte, a dosagem para um “descanso na loucura”, mesmo reconhecendo o risco do erro.

Há vários momentos em que as vertentes interagem, como em “Texas Presley”, com imagens sedutoras que me fizeram lembrar a sensacional dança de Vanessa Ferlito para Kurt Russell, em Death Proof, filme grindhouse de Tarantino; e a excelente última faixa, “Lobo”, que remete a “El Desdichado” – olha o Bandeira aí de novo! – em suas auto-definições construídas por oposições.

Importante destacar também o quanto o disco é bem gravado. Contrariando um tempo recente em que parecia não se saber gravar rock n’ roll no Brasil, Qual o seu preço? apresenta som encorpado, ressaltando a porrada de cada faixa deste que é um álbum indispensável pra quem se interessa no que de melhor se produz em rock n’ roll por aqui!

Baixe no site da banda.

De'La Roque
 Por Ricardo Pereira


quinta-feira, 22 de março de 2012

As várias pontas de uma estrela


Não há nada que me orgulhe mais na vida do que torcer pelo Botafogo, ser botafoguense. Talvez esta afirmação soe estranha para o leitor costumaz deste espaço normalmente dedicado à cultura pop ou a projetos de contos. Mas a verdade é que o futebol ocupa um espaço primordial – e, muitas vezes, pouco saudável – em minha vida.

Costumo dizer que a intensidade de meu amor pelo Botafogo é a parte que me cabe de irracionalidade. Assim, como há os que são apaixonados por bichos, conversam com plantas, cheiram cocaína ou são aficionados por “esportes” cujo objetivo é a agressão a um oponente, minha afeição pelo Botafogo não pode ser medida em termos racionais.

Sou do tipo que agradece todo dia pela Estrela Solitária ter me escolhido, provavelmente no limbo espaço-temporal que antecede a concepção, como um de seus adeptos, não tão numerosos, justamente por selecionados, diferenciados.

No entanto, ontem, fiquei triste assistindo à patética classificação do Botafogo para a segunda fase da Copa do Brasil, nos pênaltis, após empate no tempo normal, contra o Treze de Campina Grande. Enquanto meu pai acompanhava a partida nervoso de sua casa; meu amigo Pedro, em São Januário, assistia ao jogo do Vasco “puto”, segundo suas palavras; eu só consegui sentir tristeza, misturada a um tanto de aflição.

Além de acompanhar, mais do que religiosamente, o dia a dia do clube, sempre assisto, ouço e leio, com orgulho e prazer, as histórias do passado glorioso do Botafogo de Futebol e Regatas: os jogos épicos, as equipes históricas, a vida e obra de tantos ídolos – de fora e dentro de campo. E, por tudo isso, sinto tanta tristeza em presenciar ao processo de apequenamento por que o clube passa. Reversível ainda, mas não se as esperanças estiverem a cargo dos homens que comandam o futebol alvinegro hoje.

De forma até infantil, gostaria que os jogadores, comissão técnica e, principalmente, os dirigentes sentissem – saber não basta, alguns seriam capazes de rir e debochar entre uma refeição e outra – sim, que pudessem sentir a tristeza com que fui me deitar ontem e a vergonha que senti hoje cedo ao sair para o trabalho.

Ontem, ao defender a última cobrança de penalidade, cobrada de forma extravagante pelo jogador do Treze, Jefferson, melhor goleiro brasileiro da atualidade e um dos poucos em General Severiano a honrar a camisa que veste, dirigiu-se ao adversário aos gritos de “Aqui não!”. Conhecedor de seu caráter humilde, proporcional a seu talento, imagino que o arqueiro precisava extravasar seu desgosto com o que acabara de ver em campo, com o que estão fazendo com um dos maiores clubes da história do futebol, e acabou sobrando para o pobre do jogador da equipe paraibana.

Independente do que o futuro venha a reservar, enquanto estiver vivo, estarei com o Botafogo, que é para mim algo em minhas veias, mais sangue que o sangue. (Aliás, lembro de que, nos meus devaneios durante as longas viagens de Bangu ao Fundão, no começo da faculdade, fantasiava o desejo de poder sangrar preto e branco...

O que sei é que aquele não é o Botafogo. E, para o bem do futebol brasileiro – e da saúde emocional (e, por que não dizer, física?) de tantos alvinegros – que a corja que denigre e vilipendia este patrimônio do esporte mundial possa se afastar para que tenhamos o verdadeiro Botafogo de volta. Faço, então, minhas as palavras de meu goleiro: “Aqui não!”.


Por Ricardo Pereira

Quem é o cantor?

Cantor, instrumentista, compositor e produtor, Todd Rundgren lançou um disco bem bonito no começo dos anos 70, "Something/Anything". Do álbum, este blog pinçou uma das faixas mais bonitas, "I saw the light". Para colocar no repeat. "I saw the light" - Todd Rundgren Por Hugo Oliveira

terça-feira, 20 de março de 2012

Esqueço de esquecer

"Às vezes lhe dava vontade de ir para algum lugar, sumir inteiramente dali, e gostaria até de um lugar sombrio, deserto, contanto que ficasse só com os seus pensamentos e que ninguém soubesse onde ele se encontrava. Ou queria ao menos estar em sua casa, no terraço, mas de tal forma que não houvesse ninguém (...); queria deixar-se cair no sofá, mergulhar o rosto no travesseiro e assim ficar deitado um dia, uma noite, mais um dia. Por instantes sonhava também com montanhas, e justamente com um ponto conhecido nas montanhas, do qual sempre gostava de lembrar-se e aonde gostava de ir quando ainda morava lá, e olhar de lá para a aldeia lá embaixo, para a linha branca da cachoeira que se lobrigava lá embaixo, para as nuvens baixas, para o velho castelo abandonado. Oh, como ele gostaria de ir parar lá agora e ficar pensando em uma coisa - oh! só nisso a vida inteira - e isso bastaria para mil anos! E deixasse, deixasse que ali o esquecessem inteiramente. Oh, seria até necessário, até melhor se não o conhecessem absolutamente e que toda aquela visão fosse apenas coisa de um sonho. Demais, não daria no mesmo se fosse sonho ou realidade!"

(Trecho de O Idiota, de Fiódor Dostoiévski)

Por Ricardo Pereira

segunda-feira, 19 de março de 2012

Casa do sol nascente


A vida, às vezes, parece querer nos testar. No meio de um tarde confortável de sol, tempestades imprevistas. Sem proteção, há sempre os amigos. Como uma varanda de uma casa vazia, uma sala acolhedora, ou mesmo uma marquise onde se proteger enquanto a chuva não passa. Mas é inevitável que alguns pingos – mais fracos, fortes, até misturados a granizo, a depender da intensidade do dilúvio – nos atinjam até recebermos o conforto protetor.

Uma semana marcada por fortes tempestades emocionais. Um telefonema sofrido, sentir a dor de uma pessoa querida e a própria impotência perante uma situação, a sensação de que nenhuma ajuda prática é possível, não é fácil. Principalmente para quem, como eu, teima em desafiar a vida, acreditando num ilusório controle sobre as ações e sentimentos.

Dias depois, ainda sobre o impacto das primeiras chuvas, uma expectativa desfeita. Na verdade, por mais que, desde o começo, cautela fosse a palavra de ordem, tudo indicava um desfecho positivo. A mudança tão esperada, novos antigos ares, possibilidade real de crescimento, proximidade maior aos amigos e irmãos, tudo parecia encaminhado e... nada, mais uma vez. A princípio, deixei as minúsculas gotas escorrerem livremente como se não incomodassem, mas a verdade é que a constante exposição à chuva fina também fez seus estragos...

E, por fim, como se a chuviscar, um dia de trabalho atípico, em que, talvez decorrência da imunidade baixa advinda de tanta chuva recente, um curto percurso foi dificultado pela insistência em caminhar por poças ainda sobrecarregadas.

No meio da tempestade lembrei-me de Fernando Pessoa: “Mais triste do que o que acontece, é o que nunca aconteceu." Mas, na verdade, foi outro Fernando, o Sabino, que apareceu para me deixar a certeza de tratar-se de chuva de verão, tão breve sua ocorrência quão forte seu impacto:

De tudo ficaram três coisas...
A certeza de que estamos começando...
A certeza de que é preciso continuar...
A certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar...
Façamos da interrupção um caminho novo...
Da queda, um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro!”

E, ainda que não pudesse enxergar, já podia sentir a vinda do sol. E essa certeza, do princípio do alvorecer, já ilumina meus dias.



Por Ricardo Pereira

terça-feira, 13 de março de 2012

Íntimo e pessoal - Morrissey ao vivo na Fundição Progresso


Por que determinado artista é importante para você? Consegue apontar os motivos que o levaram a gostar daquele cantor, escritor ou ator? Como examinar a relevância de uma obra artística com o passar dos anos? As excentricidades de um autor “vazam” para suas criações? O tempo influencia nosso julgamento crítico?
Perguntas cabeludas; respostas idem. Não poderia ser diferente: complexidade é a palavra de ordem quando se trata da trajetória do cantor inglês Morrissey, de 52 anos, que na década de 80, liderou um dos grupos de rock mais importantes do período, o The Smiths.
Morrissey esteve no Brasil pela primeira vez em 2000, divulgando o disco “Maladjusted”, de 1997. Apresentou-se nas cidades de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. Eu estava no show do Rio. Ao meu lado, uma namorada – que hoje é ex – e um amigo – atualmente, o mais importante deles, sem menosprezar ninguém.
Não foi o melhor show que assisti, mas foi mágico. Estar no mesmo ambiente do cara que escreveu canções tão belas como “Back To The Old House”, “Suedehead”, “Hand In Glove”, “Boxers” e “Now My Heart Is Full” era algo de outro mundo para um garoto simples de Angra dos Reis, com apenas 21 anos de idade. Hoje não é mais. Infelizmente.
Mas não é apenas a facilidade com que posso assistir a shows e adquirir discos raros, hoje em dia, que faz com que eu decrete que a apresentação do cantor, na noite de 9 de março, no palco da Fundição Progresso, foi apenas boa. O tempo, esse sim, é um dos maiores vilões da história. Menos, ok: anti-herói.
Tudo estava no seu devido lugar. Banda competente – com destaque para ótimo baterista Matt Walker –, voz poderosa, som surpreendentemente alto e claro e um repertório que tinha tudo para agradar tanto os fãs da carreira solo de Morrissey quanto os dos Smiths – clássicos como “There Is A Light That Never Goes Out” e “How Soon Is Now?”, de sua antiga banda, e “Everyday Is Like Sunday”, do primeiro álbum solo, marcaram presença no set list.
Nada disso adiantou. Faltou magia e risco. Melhor: talvez não tenha sido mágico porque Morrissey não se arriscou. Pode até parecer descabido, principalmente para mim, fanático pela obra do cantor, mas aquele punhado de músicas dos Smiths – seis no total – não faz verão sozinho. Sim, você não leu errado. O que adianta ter criado – ao lado do guitarrista Johnny Marr – canções emblemáticas como “Still Ill”, “Please, Please, Please Let Me Get What I Want” e “I Know It’s Over” se elas aparecem num repertório mal amarrado? Pior de tudo: saber que aquele cara rodando o cabo do microfone – já com certa dificuldade – certamente não deve sentir mais nada ao cantar essas músicas. Apesar de ainda desajustados, crescemos. Eu e Morrissey. Se isso é bom por um lado, pelo outro, dá uma saudade danada.
Aquele topetudo magrelo dos tempos dos Smiths se foi. Mesmo assim, o hoje coroa encorpado, com jeito de poucos amigos, continua não combinando com teatralidade e acomodação. Não que toda a melancolia presente na obra de Morrissey não tenha um fundo de verdade. Outra: beleza, eu sei que outros músicos poderiam viver tranquilos depois de ter apresentado ao mundo obras tão importantes como as que ele forneceu, mas não Morrissey. Sim, existem discos recentes – e bons –, mas é preciso mais do que isso. É necessário emocionar. Ao menos, lutar em prol dessa missão. Moz não fez isso durante sua passagem pelo Rio. Apenas cantou afinado, defendendo suas lindas músicas na frente de um público formado por pelo menos três gerações de fãs. Foi bom... Mas foi pouco.
Cantei suas letras durante a apresentação. Fiquei nervoso esperando por sua entrada no palco. Fiz bateria e guitarra imaginárias em algumas canções. Passado o impacto inicial, comecei a lembrar de uma letra escrita por ele, intitulada “Get Off The Stage”.

Oh, you silly old man
You silly old man
You're making a fool of yourself
So get off the stage

You silly old man
In your misguided trousers
With your mascara and your Fender guitar
And you think you can arouse us?

But the song that you just sang
It sounds exactly like the last one
And the next one
I bet you it will sound
Like this one

Downstage, and offstage
Don't you feel all run in?
And do you wonder when they will take it away?
This is your final fling

But then applause ran high
But for the patience of the ones behind you
As a verse drags on like a month drags on
It's very short, but it seems very long

And the song that you just sang
It sounds exactly like the last one
And the next one
I bet you it will sound
Like this one

So, get off the stage
Oh, get off the stage
And when we get down off of the stage
Please stay off the stage - ALL DAY !

Get off the stage
Oh, get off the stage
And when we've had our money back
Then I'd like your back in plaster

Oh, I know that you say
How age has no meaning
Oh, but here is your audience now
And they're screaming :

"Get off the stage"
Oh, get off the stage
Because I've given you enough of my time
And the money that wasn't even mine
Have you seen yourself recently ?

Oh, get off the stage
Oh, get off the stage
For whom, oh ...
For whom, oh ...
For whom, oh ...
For whom, oh ...

Get off the stage
Get off the stage
Get off the stage

For whom the bell tolls

Nem acredito que eu escrevi isto. Espero estar equivocado.

Uuuuuuuuuuuuuuuuuuuu... Menos, amigo. Menos...

 Por Hugo Oliveira

segunda-feira, 12 de março de 2012

The passing of time... - Morrissey no Rio


Na última sexta-feira, em sua coluna n'O Globo, Hermano Vianna escreveu sobre o canto gregoriano no Mosteiro de São Bento: "É tranquilizador saber que há coisas que não mudam no mundo, ou mudam muito vagarosamente. Os monges funcionam na minha estranha cabeça como um porto seguro: o que há em volta muda (inquietos, construímos e destruímos perimetrais...), mas eles permanecem ali, entoando os mesmos cânticos, na mesma hora". No instante em que li, pensei em uma mensagem recebida de meu amigo Hugo, no dia anterior, a respeito da expectativa para mais um show do Morrissey: "Foram-se namoradas, modas musicais... Moz ficou. Nossa amizade também".

Na hora, foi como se voltasse doze anos no tempo, para aquele abril de 2000 em que assistimos Morrissey ao vivo pela primeira vez. Na minha memória - e na cabeça do deslumbrado Ricardo de 19 anos da ocasião - foi como ter presenciado a aparição de um semideus. Estar frente a frente com o sujeito que escreveu algumas das canções que tanto marcaram minha adolescência, minha formação musical, ficou marcado como uma experiência inacreditável.  Lembro bem dos bons momentos como "Alma Matters", "Trouble loves me", do Maladjusted, seu último álbum solo de então; performances vigorosas de “Billy Bud”, “Tomorrow” e “The more you ignore me, the closer I get”; e, claro, das canções dos Smiths, uma surpreendente "Meat is murder", o encerramento perfeito com "Shoplifters of the world unite" e a inesquecível versão de "Half a Person", ponto alto do show.

Hugo e eu saímos da apresentação extasiados, como de dentro de um sonho, afirmando, em meio a superlativos, termos participado de um "momento histórico", "pra contar aos filhos um dia".

De lá pra cá, muito mudou. Amores partiram, outros chegaram; veio a faculdade, novas amizades, outras antigas solidificaram-se; início da vida profissional, mais responsabilidades, muitas mudanças e, entre altos e baixos, como bem disse o Hugo, "Moz ficou" e, nesse intervalo de tempo, lançou alguns de seus melhores trabalhos, o que só aumentou a expectativa para uma nova apresentação.

E, na sexta passada, estávamos novamente, eu e Hugo, dessa vez em locais diferentes, mas com a mesma ansiedade de presenciar outro "momento histórico". E saímos com a sensação de termos assistido "apenas" a um bom show, apesar de superior ao primeiro. O "problema", se houve algum, não estava no palco, e sim 'do lado de cá'.

Houve grandes momentos proporcionados por canções dos discos recentes, como "Black Cloud", "First of the gang to die", "You have killed me", "When last I spoke to Carol", "One day goodbye will be farewell"; excelentes versões de "Alma Matters", "You're the one for me, fatty", e uma arrepiante "Still Ill" - sem contar o festival de 'piadas internas' proporcionado pelo nosso grupo, sobrou pra quase todo mundo... E momentos monótonos como em "Speedway", "Ouija Board, Ouija Board" e a anticlimática "Meat is Murder", o ponto crítico em que o show ameaçou desandar.

Pessoalmente, o que era para ser o grande momento da apresentação, uma lindíssima "I know it's over", trouxe uma série de importunas reflexões. Queria ter assistido exatamente àquela versão com dez anos a menos, teria batido mais forte. Na hora, o que era pra ser deslumbramento, tornou-se incômodo com a passagem do tempo. Pensei no quanto aquelas palavras, outrora parte do meu idealizado sofrimento adolescente, agora soavam algo distantes, fora da realidade. Esperava ter a mesma espécie de epifania provocada por "Half a Person" em 2000. E só consegui me sentir frio por dentro...

Mas, felizmente, tal distanciamento foi quebrado pela melhor sequência de canções do show. "There is a light that never goes out" fez me sentir com quinze anos novamente descobrindo os Smiths e, logo depois, "I'm throwing my arms around Paris", "Please, please, please let me get what I want" e "How Soon is Now?" mostraram que Hugo estava certo: Morrissey ficou. E, de uma forma ou de outra, permanecerá.

"Yes, you're older now (...) But they were the only ones Who ever stood by you"
 Por Ricardo Pereira

quinta-feira, 8 de março de 2012

Este blog vai voltar ao normal... Depois do show do Morrissey!

Peço desculpas aos leitores do TATP. As postagens estão escassas, eu sei, mas existe um motivo especial: o show que o ex-vocalista do The Smiths, Morrissey, vai realizar amanhã - 9 de março -, na Fundição Progresso, no Rio.
Nem eu e nem meu companheiro de blog, Ricardo, estamos conseguindo postar, tamanha a ansiedade em relação à apresentação. Semana que vem tudo vai voltar ao normal... Prometo!

Enquanto isso, um pouquinho do que vai rolar amanhã:


Por Hugo Oliveira

segunda-feira, 5 de março de 2012

nada devemos ao fado (ou medo de amar)

“quando eu perdi você
ganhei a aposta
não força não força
não força não força”

Desilusão. Desalento. Destruição. A trinca de dês que, cronologicamente, sintetiza suas reações após o fim. Nada muito diferente da maioria dos términos de relacionamento.

Um golpe mais profundo, no entanto, para alguém que insiste em acreditar no amor com a mesma fé cega dos que creem em astrologia ou dos que duvidam da chegada do homem à lua.

Havia modificado sua vida, ajeitado tudo em função de seu par. Sem perceber, foi absorvendo a escuridão, o peso que a circundava e, por mais que houvesse uma ponta de alívio, se computássemos a soma dos dês, o fim teria como produto o Desperdício.


“sozinho eu vou ficar melhor
só por mim, eu vou ficar melhor”

Uma auto-degradação diluída numa satisfação ilusória em estar só. Transformou seu canto em esconderijo paradisíaco para sua solidão. Ali, fechado, isolado do mundo, acreditava possuir tudo de que necessitava: livros, discos, filmes, um tanto de álcool, o olhar atento e vigilante de Borges, Machado, Fiódor, José e Rosa; e se, vez por outra, a tristeza quisesse entrar... não tem nada não, havia seu violão.

Assim, ajudado por seus fantasmas, a solidão parecia-lhe confortável, agradável, até. Estava tão voltado para si mesmo, que, quando saía ou pensava na possibilidade de estar com alguém, era a si mesmo – ou o que acreditava ter se tornado – que procurava.

Buscava, em lugares de divertimento, uma mulher que parecesse entediada com a vida; que gostasse mais de livros do que de gente; que se encontrasse, fechando-se; que acreditasse nos mesmos valores; quem sabe, até carregasse em seu corpo também, a imagem de sua banda preferida. Como na “carta que não foi mandada”, era o espelho que procurava encontrar.


“quando me vi tendo de viver comigo apenas
e com o mundo
você me veio como um sonho bom
e me assustei
não sou perfeito
eu não esqueço”

A vida, no entanto, possui seus perigos e também seus encantos. E resolveu, abruptamente, retirá-lo de sua zona de conforto. De uma hora para outra, não estava mais só. “Uma flor nasceu na rua!”, iludindo a polícia, rompeu o asfalto.

A possibilidade de aparecimento do amor, até então refugiado abaixo, mais abaixo dos subterrâneos, trouxe consigo os medos: da vida, da dor, de ser feliz, das diferenças, d“estar por fora, medo andar por dentro do seu coração”.

Paradoxalmente assustado com a felicidade, pergunta: “E agora, José?”.

Saramago, porta-voz de tanta beleza, mais confunde do que esclarece, acena com sete luas e sóis, do mais bonito e dolorido amor. Enciumados com a pergunta dirigida, começam a falar ao mesmo tempo: Machado, com seu olhar ferino, ironiza sua situação; Borges admira-se com o encantamento pelo reverso do espelho e alerta para a inevitabilidade dos labirintos do amor; Dostoievski parece duvidar de sua calma, aponta uma tendência ao exagero e prevê turbulências em sua abertura para o mundo.

Somente Guimarães Rosa, tão sábio, versado em enredo e desenredo, nada diz. Apenas observa nosso homem em seu falso conflito – na realidade, inexistente – e relembra Drummond. Sabe que chega um tempo em que a vida é uma ordem, a vida apenas, sem mistificação. E, em seu silêncio, consegue acalmá-lo com a certeza de que a poesia deste momento inunda sua vida inteira.


Por Ricardo Pereira

quinta-feira, 1 de março de 2012

Spain calling

Um pouco de rock espanhol de qualidade não faz mal nenhum. Aliás, cai muito bem. Tire suas conclusões. "Lo Bello y Lo Bestia", The New Raemons "En Medio de Ningun Lado", José Ignácio Lapido "Camino de vuelta", Pleasant Dreams Por Hugo Oliveira