Em ‘Almanaque’, o eu - lírico buarqueano pergunta filosoficamente ‘pra onde vai o amor depois que o amor acaba’. Pra onde vai não sei, ninguém sabe, mas sei onde encontrar os melhores recortes, as melhores lembranças dos amores que se foram: nas cartas trocadas pelos amantes enquanto o amor os habitava.
Hoje, a tecnologia praticamente sepultou o costume de trocar cartas, o que é uma pena. Basta um clique e a outra pessoa tem, no mesmo momento, seus escritos, sentimentos na tela do seu computador, celular, ou o que seja. Óbvio que é uma beleza quando pensamos em praticidade, mas perde-se o cuidado ao escrever, a preocupação com a apresentação e, principalmente, a espera e a maravilha que é receber uma carta. São indescritíveis os momentos que antecedem a leitura, a expectativa e ansiedade do ritual. Lembro de algumas vezes, assim como a protagonista do ‘Felicidade clandestina’, postergar o prazer, adiando o momento de ler, carregar o envelope o dia inteiro, fingindo esquecer que estava comigo e só à noite me entregar à curiosidade e partir para a cartinha.
Até hoje gosto de mandar cartas, até porque me expresso melhor pela escrita do que pela fala. Mas houve pelo menos dois relacionamentos em que a troca de correspondências foi fundamental. Um deles com uma grande amiga por quem fui apaixonado, o grande amor da minha infância/adolescência e que nunca passou de amizade não sei bem o porquê, mas não era mesmo pra ser, a vida nos afastou de várias maneiras. De qualquer forma, é bom reler as cartas e reviver momentos como a gente assustadão de estar fazendo 17 anos (!!), dividindo nossas angústias quanto ao futuro e declarações de amor veladas, só se permitindo um pouco mais ao falar de saudade.
O outro foi mais tarde, meu namoro mais duradouro até hoje. As cartas eram fundamentais, pois existia a distância física, era uma média de dez dias separados para um encontro de três dias. E através das correspondências, mais do que dos telefonemas, expressávamos nossa saudade, ansiedade para o próximo encontro e relembrávamos com detalhes cada momento dos dias que passávamos juntos. É só eu reler qualquer carta desse período para ver que era realmente especial. Ali já havia grandes declarações de amor e um romantismo de fazer inveja a qualquer aspirante a Werther.
Gosto às vezes de reler as cartas recebidas ou os rascunhos das que enviei para relembrar nostalgicamente minha juventude e o quanto as coisas eram mais simples (?).
Há também cartas escritas que acompanharam discos que gravei e mandei por correio, cartas de fim de relacionamento e uma linda que recebi do meu pai na época do começo da faculdade e que até hoje não respondi, por não me sentir preparado. Mas isso já é outro assunto.
Tive muita relutância a ter e-mail no começo, por achar que não poderia me emocionar com uma mensagem recebida na tela de um computador. A falta de todo o ritual já citado, para mim, tiraria toda a graça. Claro que o tempo e a inevitabilidade da modernização me fizeram mudar de ideia e são incontáveis as vezes que me emocionei com e-mails recebidos ou textos lidos pelo computador.
E até uma conversa por MSN, recurso a que ainda apresento bastante resistência, conseguiu me emocionar dia desses. Dois no mesmo estado de espírito, entre lamentações e boas lembranças, a constatação de que o amor pode permanecer após o fim das relações. E quando eu falei algo como me lamentar por termos nos encontrado no momento errado, recebi como resposta: “mas eu não seria quem sou se não tivesse te conhecido naquela época.”
Foi como se a tela do computador se convertesse em uma folha de papel desgastada de tanto relida e eu fosse novamente o Ricardo emocionado com mais uma carta fundamental para minha vida.
"I read your letters to feel better... |
Por Ricardo Pereira
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