"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Circular

Acabei de ler o livro "A queda - as memórias de um pai em 424 passos", do escritor e jornalista brasileiro Diogo Mainardi.

Um dos recordistas de cartas na revista Veja, onde manteve uma coluna entre 1999 e 2010, Diogo deixa de lado o ex-presidente Lula - sua grande obsessão e principal alvo - para focar nas memórias relativas ao filho, Tito, nascido em setembro do ano 2000, em Veneza.

Por causa de um grosseiro erro médico, o primogênito de Diogo acaba tendo complicações no parto. Elas  resultam numa paralisia cerebral e, mais do que isso: numa nova forma de encarar a vida para aqueles que convivem diretamente com a criança - pai e mãe.

Ao longo de 150 páginas e 424 passos, o escritor utiliza citações históricas e artísticas ligadas ao tema, criando o ambiente ideal para um texto que foge das emoções baratas ou da autopiedade.

"A queda" é um volume de fácil assimilação, mesmo se tratando de um tema espinhoso. Muitos leitores poderão até se surpreender com a facilidade com que Diogo discorre a respeito de particularidades ligadas à situação do filho, mas, na verdade, não há motivos para qualquer tipo de polêmica. Dificuldades e boas novas vêm e vão, assim como os medos e as esperanças. A história de Tito, mais do que qualquer outra definição, é circular.

Não existem grandes mistérios ligados ao livro. "A queda" não versa a respeito de um pai diante de um filho diagnosticado com paralisia cerebral. É sobre o nascimento de um amor incondicional.

Felizmente, todos estão fadados a isso.






Por Hugo Oliveira








quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A agonia de Dexter


Nunca fui fã incondicional de Dexter. Apesar de gostar da série desde seu início, algumas soluções encontradas nos desfechos das temporadas me traziam certo desconforto. Era como se, num passe de mágica, tudo colaborasse para que o (anti) herói se safasse dos crimes cometidos e dos que o perseguiam. Para isso, os roteiristas abusavam de coincidências ou lances de sorte absurdos.

Mas relevava, pois Dexter é um grande personagem. Serial killer com espírito “justiceiro”, possuía um código de ética para matar: a vítima deveria merecer e ele só concretizaria seu ritual após se assegurar de que o alvo se enquadrava em seus parâmetros. Mas nunca foi movido apenas por justiça, tinha prazer em assassinar e só assim encontrava paz de espírito.

O que torna tudo mais interessante é acompanhar as tentativas de Dexter de parecer “normal”. A série é conduzida por uma narração feita pelo protagonista, através da qual temos acesso a seus pensamentos, desejos e reais motivações. E, assim, somos conduzidos a presenciar um cara desajustado procurando parecer o mais ajustado possível ao mundo. E, pra melhorar, Dexter trabalha numa delegacia de homicídios!

Há ainda trauma de infância, relações familiares confusas e interessantes personagens secundários que sustentam a trama. Deb, a irmã passional, detetive/tenente dedicada e desbocada; a misteriosa La Guerta; o carismático Batista, o desconfiado Doakes. Ingredientes mais do que suficientes para proporcionar duas primeiras temporadas excelentes, uma terceira boa e a quarta irretocável, com o melhor vilão (Trinity, interpretado pelo excelente Arthur Mitchell) e um final destruidor.

A partir daí é que as coisas desandam. A quarta temporada havia deixado excelente gancho e o mesmo é desperdiçado em uma temporada pífia, que indicava os rumos lamentáveis em que a série se encontra atualmente. Para começar, pouco a pouco, os personagens começam a ser descaracterizados, como se a cada temporada que começasse muito do que acompanhamos antes não tivesse mais importância: o que vai importar é o que vai ser contado nos próximos doze episódios.

E para isso, abdicaram de dois princípios básicos de qualquer boa narrativa: coerência e verossimilhança. E, assim, nas últimas três temporadas, situações esdrúxulas vão se sucedendo, personagens inúteis entram e saem da trama de qualquer maneira e a narração da série por Dexter tornou-se redundante e, muitas vezes, idiotizante, como a duvidar da inteligência do espectador, em explicações tatibitate desnecessárias.

O razoável sexto ano da série havia deixado em seu final uma esperança de que as coisas poderiam ser revertidas, mas a confusa sétima temporada enterrou (o mais adequado talvez fosse jogou ao mar) qualquer boa expectativa para a continuidade. Deb, que pouco a pouco foi se tornando uma de minhas personagens preferidas do seriado, apagou-se quase completamente e Dexter passou do prazo de validade.

Continuo assistindo pelo carinho desenvolvido no decorrer da série e para saber de que forma vão concluir a história que acompanho por tanto tempo. Mas, a cada um dos últimos episódios assistidos, a sensação era de presenciar o seriado enrolado em plástico, nauseado, esperando a estocada final que o redimisse dos pecados recentes.


Por Ricardo Pereira

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Primeiros passos


“A respiração de Danny tornou-se rápida e superficial, e então ele tentou desacelerá-la. O medo era perigoso. Deixava entrar o verme: mais uma palavra que Danny e seus amigos tinham inventado muitos anos antes, fumando baseado, cheirando carreiras de cocaína e se perguntando como chamar aquele negócio que acontecia com as pessoas quando elas perdiam a confiança e ficavam falsas, esquisitas, ansiosas. Seria a paranoia? Baixa autoestima? Insegurança? Pânico? Aquelas palavras eram todas rasas demais. Porém o verme, que foi a palavra que acabaram escolhendo, era tridimensional: rastejava para dentro das pessoas e começava a comer, até que tudo vinha abaixo, a vida deles por completo, e elas acabavam ficando tensas, ou voltando para a casa dos pais, ou sendo internadas no hospital Bellevue ou, no caso de uma garota que todos eles conheciam, pulando do alto da ponte de Manhattan.”

“(...) e sentia um tranco de alívio, e depois outro tranco que o obrigava a se sentar onde quer que estivesse e olhar fixamente para o espaço vazio. Porque não acontecera com Danny uma coisa que deveria ter acontecido. Ou talvez tivessem acontecido as coisas erradas, ou talvez muitas coisas pequenas tivessem acontecido, em vez de uma única coisa grande ou talvez não tivessem acontecido coisas pequenas suficientes para se combinarem em uma coisa grande.”

Dois trechos do primeiro capítulo de O Torreão, primeiro romance de Jennifer Egan e segundo publicado no Brasil. Encantei-me com sua escrita através do brilhante A visita cruel do tempo e o capítulo inicial de sua estreia já confirma seu talento, apresentando enredo e protagonista instigantes e um narrador interessantíssimo, para dizer o mínimo.

Fiquei pensando sobre o poder de um início de narrativa, o que antecipa uma série que devo iniciar por estes dias aqui no blog sobre grandes primeiros parágrafos da literatura mundial. Fiquem de olho!

Jennifer Egan
Por Ricardo Pereira

domingo, 13 de janeiro de 2013

A lenda de Skwit


- O Skwit está por aqui hoje?
- Quem??
- O Rodrigo. É folga dele?
- Trabalha nenhum Rodrigo aqui não...

Saiu da loja de instrumentos musicais sem entender. Ligou então para o celular do amigo: “Este número não existe, favor consultar a lista telefônica”. O que estaria acontecendo? Foi à casa dele e ninguém conhecia Rodrigo Honorato.

Tudo começara na véspera quando mandaram o link de um vídeo feito por celular em que aparecia com seus amigos na frente de um conhecido bar da região morrendo de rir aparentemente de nada, apontando para o vazio. Estavam, na verdade, rindo de mais uma série de katas protagonizada pelo Skwit depois de mais uma noite de álcool. Mas, onde estava o Skwit que não aparecia no vídeo?

Ligou para um amigo comum que o tranquilizou. Na véspera, havia tomado umas cervejas com ele, que estava inclusive preocupado em como iria abrir a loja no dia seguinte. As coisas não fechavam, estaria enlouquecendo? Encontrou amigos proprietários de um bar e estes asseguravam que todo santo dia o Skwit aparecia por lá bebendo com alguém.

Contou o que estava acontecendo. A princípio, não acreditaram, mas, ao assistir ao vídeo em que riam pateticamente para o vazio, resolveram também procurá-lo. E nada... Fora os amigos mais íntimos, ninguém sabia dele, era como se não existisse para o resto do mundo. Procuraram nas redes sociais e nem na internet havia sinal de sua existência.

É claro! Através da música o encontrariam com facilidade, afinal era um dos raros bateristas da cidade e, por isso, tocava com diversas bandas. Primeiro, procuraram um vídeo de sua primeira banda, Malkavianos, e qual não foi a surpresa ao assistirem a banda tocando seu punk pop com... uma bateria eletrônica. Ainda havia uma entrevista do guitarrista, Gláucio, afirmando que, por não encontrarem um baterista, e inspirados pelos dois primeiros álbuns do Pato Fu, esta fora a solução encontrada.

Pesquisando mais, descobriram assombrados que este procedimento virou uma febre na cidade. Era grande o número de bandas com bateria eletrônica, nos últimos anos até bandas de blues e trash metal utilizaram este artifício. A última a fazer sucesso dessa forma era a Valleriana, que possuía uma bateria eletrônica mais moderna e bem programada do que a da época do Malkavianos.

Terrificados, descobriram ser o Skwit uma alucinação coletiva. A perfeita tradução do amigo imaginário, um cara que estava presente os fazendo rir com seu senso de humor, katas, danças esquisitas, mas que também conversava sério quando precisavam. Não foi difícil descobrir o que ativava sua aparição: a doideira.

Pediram uma cerveja e viram o Skwit se materializar aos poucos. Primeiro, a mão - pra segurar o copo, claro - e, conforme bebiam, o resto do corpo aparecia como mágica. Bastava virar uma pinga para vê-lo serelepe imitando o Mick Jagger ou ligando para o Gláucio.

O que ignoravam então é que Skwit era uma espécie de divindade da doideira e havia inclusive um culto secreto à sua figura espalhado por todo o mundo, como uma maçonaria de bêbados tendo por referência aquela adorável criatura. Na verdade, todos que despejavam bebidas “pro santo” era para ele que as destinavam. E todos os bebuns facilmente encontrados por aí rindo e falando sozinhos na realidade não estavam solitários e, sim, na companhia de Rodrigo “Skwit” Honorato.

Busto de Skwit construído em Recife.
Por Ricardo Pereira

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Deixa o Lobo falar! - 50 anos a mil



Com longo atraso, finalmente li a autobiografia de Lobão, 50 anos a mil. Sempre admirei o grande Lobo por sua inteligência e postura polêmica e direta, características em falta no cenário cultural brasileiro. Além, é claro, de suas grandes canções.

Ouvia com gosto seus sucessos dos anos 80, mas comecei a me interessar de verdade por sua obra a partir do álbum de 1995, Nostalgia da Modernidade. Lembro de ter ouvido Lobão tocar uns sambas lindos num programa de rádio ou televisão, não me recordo, e, ao adquirir o disco, fiquei chapado: pareciam sambas de um Paulinho da Viola! E misturados a bons pop-rocks. Gostei também do eletrônico Noite, uma espécie de transição para os dois melhores trabalhos de Lobão, os magníficos A vida é doce e Canções dentro da noite escura. Ali ficava claro que Lobão não parou no tempo e que era o único da geração 80 do rock brasileiro atualizado musicalmente ou com talento (ou coragem) para lançar música nova e instigante e não ficar se repetindo eternamente como seus colegas de geração.

Conheci Lobão em 2004 por ocasião de um show seu na lona cultural de Realengo que acabou não acontecendo por problemas técnicos. Acabei me estendendo no local para tentar trocar meu ingresso e, quando estava saindo, Lobão saía também. Acabamos trocando ideia por bastante tempo, falamos sobre literatura, nosso encantamento pelo Radiohead e Portishead, entre outros assuntos. Fiquei com impressão ainda melhor do cara, atencioso, educado e sóbrio, em nada parecia com a imagem distorcida que até hoje parte da imprensa o impinge.

E é exatamente esta desmistificação uma das grandes qualidades do livro. Lobão conta sua história, pessoal e musical, com a sinceridade que lhe é característica, não poupando ninguém – nem a si mesmo – de pesadas críticas, mas também mostrando sua sensibilidade e doçura, o lado que as pessoas não costumam ter acesso.

O livro é divertidíssimo, daqueles que não se consegue parar, li suas quase 600 páginas em três dias. Repleto de episódios hilários, outros dramáticos, a impressão que se tem, durante a leitura, é de estar conversando com o Lobão num botequim. Embora a maioria dos leitores destaque as polêmicas, o que mais gostei no livro foi a descrição dos bastidores de composição e gravação dos discos e a repercussão deles na imprensa. É bonita também a história de amor entre Lobão e Regina, um relacionamento verdadeiro, raro, em que os dois se ajudam e seguem alimentando a paixão.

Senti falta de um detalhamento maior no período mais interessante e criativo de Lobão, seus álbuns a partir do Nostalgia da Modernidade, são poucas páginas dedicadas a seu melhor material, infelizmente pouco conhecido. Ainda assim, 50 anos a mil é muito bom, extremamente recomendado a todos que se interessam pela música popular produzida no Brasil nas últimas décadas.

Por Ricardo Pereira

Passando de fase


Todos sabemos que amor perfeito, apenas o não realizado. Pois hoje acordei de um sonho bastante real com uma pessoa que encontrei há alguns anos, tive alguns encontros de grande intensidade, mas não levamos em frente, apesar de termos nos apaixonado um pelo outro. Não me fez lá muito bem, acordei anestesiado e a estranheza me incomoda o dia inteiro.

Com este sonho – e uma semana de atraso, despeço-me, enfim, de 2012. Vivi momentos complicados, os quais não estou disposto a rememorar, e uma bonita história que durou muito pouco. E é isso, somado à ilusão onírica perturbadora, que me deixou algo acabrunhado, bem no clima da chuva de fim de tarde e do disco de Gal e sua bela estranheza a servir de trilha sonora.

Um tanto irônico que um cara que sempre desejou viver uma história de amor bonita com alguém que o acompanhasse “pelo resto da vida” talvez tenha que se conformar com relacionamentos curtos, alguns intensos e belos, sim, mas fugazes na mesma medida. Não que ache que não possa encontrar o que procuro desde sempre, é só certo receio dos caminhos que a vida possa reservar nesse campo específico.

Quase não assisti a filmes do ano passado. Dentre os que vi, os que mais gostei foram Moonrise Kingdom e, principalmente, Intocáveis. Sim, você já viu aquilo antes (Perfume de mulher é o que me vem à mente, mas há outros), no entanto, a interpretação fantástica da dupla de protagonistas torna o filme irresistível. Mas posso apostar que Django Unchained é o melhor filme do ano que passou.

Foi um ano de mudanças neste espaço. Hugo andou ausente, pois foi possivelmente o período em que mais coisas mudaram em sua vida (mas ele volta, ainda acredito!). E também perdi muitos leitores desde que desfiz meu perfil do Facebook, que servia de divulgação para meus escritos. E, justamente neste espaço de tempo, penso que escrevi alguns dos textos de que mais gosto.

O Botafogo teve mais um ano pífio. O que salva é o prazer de ver Seedorf, um dos melhores jogadores do mundo dos últimos 30 anos, vestir a Estrela Solitária. Mas, como toda grande paixão tem um tanto de irracionalidade, já estou em crise de abstinência, contando os dias para a estreia no irrelevante estadual.

2012, acima de qualquer coisa, é Joaquim. Filho de um casal de irmãos meus, o menino é encantador. É impressionante como a gente pode amar e querer tanto bem a um bichinho tão pequenininho, apenas quatro meses de vida e já tão querido. A cada risada de Joaquim, a certeza de que a vida pode valer a pena. E ele tem rido um bocado.

Agora, deixemos o ano que passou. Que venha 2013, pois, mais do que nunca, citando Paulo, “meu tempo é hoje”!


Por Ricardo Pereira

sábado, 5 de janeiro de 2013

Leituras 2012


O plano de leituras para 2012 era terminar a biografia de Dostoievski, mas fechei apenas o quarto volume, interrompendo a leitura para reler O Idiota e ler o último Dostoievski que me faltava, Os Demônios. Vou para o último volume da biografia assim que sair O Adolescente da editora 34, que preciso reler e aí sim fechar a obra monumental de Joseph Frank.

Aproveitei para me aventurar por outras paragens. De música, li o bom The Doors por The Doors, que, cedendo a palavra aos integrantes da banda consegue acrescentar uma ou outra informação até a quem já leu tudo sobre eles; o excelente Os sonhos não envelhecem, sobre o Clube da Esquina, me fez retornar ao Lô Borges e, antes tarde do que nunca, descobrir o Milton; e a biografia do David Bowie responsável pelo aprofundamento em seus mágicos álbuns dos anos 70.

De literatura brasileira, revisitei Suassuna e Jorge Amado por motivos profissionais; fiquei impressionado com a força do texto de Raduan Nassar em Um copo de cólera; encantei-me com o Quase Memória; e me decepcionei fortemente com os fracos José, do Rubem Fonseca, e suas páginas inteiras copiadas de suas crônicas antigas, e O Livro Branco, contos de diversos autores inspirados na obra dos Beatles. Uma boa ideia desperdiçada por textos fracos, salvo uma ou outra exceção.

E, de fora, li o bom Cães Negros, do Ian McEwan; o forte O Livro dos homens sem luz, do português João Tordo – autor que conheci através de uma entrevista e que vale ficar atento a seu trabalho; gostei demais do tão comentado Liberdade, pretensioso romance de Jonathan Franzen, que pretende traçar um panorama da política e cultura norte-americana das últimas décadas através da análise comportamental de personagens cativantes, além, é claro, das várias citações a heróis da casa como Wilco, R.E.M., Sopranos, entre outros ícones.

Dois romances sobre a passagem do tempo e suas consequências, tema sempre relevante e responsável, de certa forma, pela existência deste blog, foram os que mais me cativaram: Os Imperfeccionistas, de Tom Rachman, e A visita cruel do tempo, da Jennifer Egan. O primeiro, indicação de meu amigo Hugo, tem como pano de fundo a história de um jornal e seus funcionários ao longo do tempo e trabalha toda a melancolia e desesperança trazidas pelo passar dos anos. Rachman possui a escrita simples, mas eficiente, o livro emociona e traz identificação, muitas vezes de forma dolorosa. Jennifer Egan conheci na última FLIP, na palestra a que fui assistir por causa do Ian McEwan, e foi a grande descoberta literária do ano. A visita cruel do tempo, assim como Liberdade, possui uma série de referências rock n’ roll (já seria o rock o novo jazz?) e é muitíssimo bem escrito. Egan mostra virtuosismo narrativo sem pedantismo, alterna frequentemente o foco da narrativa, vai e volta no tempo, arrisca um capítulo inteiro no formato de planilha de Power Point e outro na inusual segunda pessoa. Os capítulos funcionam individualmente e se integram à perfeição, cada um deles forte o suficiente para envolver o leitor e dar prosseguimento ao enredo proposto de forma mais do que satisfatória.

Fora esses, passei parte do ano engalfinhado com as Obras Completas de Drummond, li uns três contos antigos do McEwan, além do eterno retorno a Borges, Rosa e Fonseca, sempre presentes.

Leituras 2012:

Dostoievski, Os Anos Milagrosos (1865 a 1871) – Joseph Frank
O Idiota – Fiodor M. Dostoiévski
Os Demônios - Fiodor M. Dostoiévski
José – Rubem Fonseca
Mar Morto – Jorge Amado
O auto da Compadecida – Ariano Suassuna
O Livro dos homens sem luz – João Tordo
Cães Negros – Ian McEwan
Um copo de cólera – Raduan Nassar
Os sonhos não envelhecem – Márcio Borges
The Doors por The Doors – Ben Fong-Torres
Quase Memória – Carlos Heitor Cony
O Livro Branco – Org. Henrique Rodrigues
Bowie, A Biografia – Marc Spitz
Liberdade – Jonathan Franzen
Os Imperfeccionistas – Tom Rachman
A visita cruel do tempo – Jennifer Egan


Por Ricardo Pereira

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Melhores discos de 2012 - Nacionais



01 Caravana Sereia Bloom - Céu

Algum improvável leitor das minhas postagens recentes que se depara com a Céu em primeiro lugar dessa lista pode imaginar tratar-se de tesão. Mas este certamente não ouviu o disco. Caravana Sereia Bloom condensa o que há de melhor da música brasileira atual, tradição e modernidade amalgamadas de uma maneira irresistível. De Catatau a Nelson Cavaquinho, Céu passeia por canções estradeiras nos levando junto em sua viagem, ora psicodélica, ora resvalando de leve num romantismo brega. “Baile de Ilusão” é a que melhor exemplifica o que quero dizer, mas o disco todo é apaixonante.


02 E você se sente numa cela escura, planejando a sua fuga, cavando o chão com as próprias unhas – Jair Naves

Há tempos não ouvia um disco de rock nacional tão intenso. Jair Naves apresenta eu-líricos atormentados, cantando temas pesados, dores, solidão, medo, desespero, sem parecer forçado ou auto-piedoso. Ouça: “No fim da ladeira entre vielas tortuosas”, “A meu ver”, “Eu sonho acordado”.


03 Bahia Fantástica – Rodrigo Campos

Rodrigo Campos retorna em mais um belo álbum, criando uma Bahia idealizada, onírica, em que passei parte do ano passado vivendo. Campos usa sua habilidade de cronista musical para construir canções pautadas no cotidiano e em personagens específicas, desta vez apenas partindo do samba, em um disco mais abrangente musicalmente do que a estreia. “Princesa do mar” e “Jardim Japão” são duas das mais belas canções recentes da música brasileira.


04 The Moon 1111 - Otto

Filosofia, misticismo, “doideira”, tudo se confunde no ótimo quinto disco de carreira de Otto. Para se ouvir de mente e coração abertos, pois Otto não facilita para o ouvinte. É cada vez mais nítida a aproximação com a tradição brega da música brasileira, porém o disco chega a um resultado pop trilhando caminhos tortuosos. Pois tanto pode falar de amor com lirismo (“Dia Claro”), como fazer uma ode à dupla penetração (“DP”). Nada mais Otto...


05 Abraçaço – Caetano Veloso

Último trabalho com a Banda Cê, Abraçaço fecha um interessante ciclo na obra de Caetano Veloso. Juntando-se a músicos mais jovens, o compositor conseguiu manter-se relevante e dar uma arejada em sua carreira. Pedro Sá divide o posto de melhor guitarrista do Brasil com Catatau e está soberbo mais uma vez, soa melancólico em “Estou Triste”, soturno e pesado em “Funk Melódico” e regional na divertida bobagem “Parabéns”.


06 Tudo Tanto – Tulipa Ruiz

Tulipa mostra evolução após a estreia arrasa-quarteirão Efêmera. Tudo Tanto possui menos melancolia e mais força, é um álbum mais pop e diversificado, o que se mostra uma excelente saída para a enorme expectativa criada. Ouça: “Like This”, “Ok”, “Quando eu achar.”


07 Avante - Siba

Sem abandonar o regionalismo característico de seu trabalho, Siba extrapola qualquer limite e constrói um trabalho universal, derramando lirismo em números poderosos como “Brisa”, “Canoa Furada” e “Ariana”.


08 Próxima Estação – Volver

Ainda que inferior ao segundo álbum, o irretocável Acima da chuva, a Volver retorna com mais um bom disco de pop rock. Uma pena que ainda não tenham alcançado o reconhecimento que merecem. Entre os destaques há a importante carta de intenções “Mangue Beatle”, a lindíssima “Gente” e a excelente faixa título.


09 O Deus que devasta mas também cura – Lucas Santtana

Trabalho mais forte e com maior potencial popular de Lucas Santanna até agora, O Deus que devasta mas também cura aposta na diversidade de ritmos e em temas melancólicos e pessoais para ganhar o ouvinte. É daqueles álbuns que vão conquistando pouco a pouco. Ouça: “O Deus que devasta mas também cura”, “Músico” e “Para onde irá essa noite?”.


10 Tatá Aeroplano – Tatá Aeroplano

Mais convencional do que seu trabalho com o Cérebro Eletrônico, Tatá Aeroplano soa retrô em seu álbum solo e apresenta canções tristes e belas como “Uma janela aberta”, “Cão sem dono” e “Par de tapas que doeu em mim”.

Poderiam estar na lista:

Trabalhos Carnívoros - Amabis
SM, XLS - Juliana Amaral
Nacional - Transmissor
História Universal do Esquecimento - Lestics
Qual o seu preço? - De'La Roque

Por Ricardo Pereira

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Melhores discos de 2012 - Internacionais


Fazer listas de melhores do ano tem sido complicado. Primeiro, pela dificuldade de ranquear os discos preferidos, o que separa um segundo de um terceiro lugar? Depois porque, por mais que se ouça novidades durante o ano, muitos só batem depois de um tempo, e outros só descubro mesmo bem depois de lançados. Por isso, acontecem absurdos como o High Violet, do The National não ter aparecido na minha lista de 2010 ou, na lista do ano retrasado, o Gentle Spirit, do Jonathan Wilson estar ausente, sendo um dos discos que mais ouvi em 2012. Mas como, mesmo sabendo dos riscos, não passo sem minhas listas. Vamos, então, a elas:



01 Lonerism - Tame Impala

John Lennon não morreu! Cansado de tudo - família, fama, ser um ex-beatle -, forjou sua morte e mudou-se para a Austrália. Exatos trinta anos após seu último álbum, resolveu entrar em estúdio, assumiu a persona de Kevin Parker e lançou o bom Innerspeaker. Não satisfeito, em 2012, veio com este Lonerism, um disco irretocável, falando de solidão e inadequação em meio a sons espaciais, belas guitarras e sintetizadores, sem procurar disfarçar sem timbre de voz característico. Roll on, John, leve em frente seu Tame Impala e continue nos brindando com suas inesquecíveis canções, já estava com saudades.



02 Quinto - António Zambujo

O cantor português aprimora o que vem construindo desde Outro Sentido, sua mistura do fado tradicional com música brasileira e ritmos africanos, e lança seu melhor trabalho até agora. Há a divertida "Flagrante", levada pelo cavaquinho de Jon Luz; a blueseira "Não vale mais um dia", destacanso-se a guitarra de Mário Delgado; e a belíssima Fortuna, canção de Márcio Faraco. Mas o grande destaque do álbum, além das sempre excelentes interpretações de Zambujo, é o jovem compositor Pedro da Silva Martins, do grupo Deolinda, autor das duas melhores canções do disco: "Algo estranho acontece", sobre o amor na passagem do tempo e "Queria conhecer-te um dia", sobre a busca pela amada, inclusive por meios virtuais. 


03 Tempest - Bob Dylan

Dylan confirma sua ótima fase em mais um grande álbum. Com a sonoridade calcada no blues e sua voz detonada, Dylan emociona em canções como "TIn Angel", a vingativa "Pay in Blood", a triste "Long and Wasted Years" e "Soon after midnight", em grande interpretação. Há ainda uma homenagem a John Lennon na saideira, em que Bob mistura trechos de canções do beatle para falar de sua vida e da falta que ele faz.


04 What Kind of World - Brendan Benson

O que já era bom em My old familiar friend, está ainda melhor em What Kind of World. É impressionante o talento de Brendan Benson para compor boas canções pop-rock, soando ora George, ora Paul, muitas vezes Alex Chilton. É só ouvir a provável balada mais bonita do ano, "Bad for me", o fantástico refrão de "Light of Day", a soturna "Pretty Baby", a emocionante "No one else but you" ou a county-rock "On the fence" para atestar Benson como um dos grandes compositores pop da atualidade.


05 Blunderbuss - Jack White

Em seu primeiro álbum solo, Jack White mostra os porquês de ser considerado um dos grandes nomes do rock atual. Com a sonoridade partindo dos anos 70, em canções tendo por base violões e piano, mas sem deixar de lado seus solos de guitarra característicos, White escreve canções sobre frustrações e ressentimentos amorosos em números simples e contagiantes como "Hip (Eponymous) Poor Boy", "I'm Shakin'"  e números mais sombrios como  "Hypocrytical Kiss", e minhas duas preferidas, "Weep Themselves to Sleep" e "Take Me With You When You Go".


06 Little Broken Hearts - Norah Jones

Sem nunca se acomodar, mesmo com o estrondoso sucesso de sua estreia, Norah Jones segue surpreendendo e encantando disco a disco. Little Broken Hearts, como o nome denuncia, trata de desilusões amorosas e é o disco mais sombrio e melancólico da cantora. Responsabilidade, em parte, da produção de Danger Mouse, que com batidas secas, ecos e muita sutileza cria o clima perfeito para os lamentos de Norah que se equilibra em um espécie de pop soturno como na bela trinca de encerramento, "Happy Pills",  "Mirian" e "All a Dream".


07 Go Fly a Kite - Ben Kweller

Após o extraordinário Changing Horses, Ben Kweller mesclou em seu último álbum um pouco do country rock do anterior com o power pop que lhe é característico. Como declarou um amigo de infância na saída do show recente do cantor no Rio, "é o rei da melodia". Não é difícil concordar ao escutarmos canções como "Jealous Girl", "Gossip", a weezeriana "Time will save the day" ou "Full Circle".


08 Ultraísta – Ultraísta

Banda do sexto Radiohead, o produtor Nigel Godrich, o Ultraísta estreia em disco com um trabalho herdeiro direto do lado experimental de seus pupilos. No entanto, consegue soar mais pop, como em “Our Song”, “Smalltalk” e “Easier”. Com produção caprichada – como não poderia deixar de ser – e faixas viciantes, o álbum fica entre o In Rainbows e o The Eraser e supre, de certa forma, a ausência de um lançamento do Radiohead em 2012.


09 Home Again – Michael Kiwanuka

Outra grande estreia do ano, este Home Again transita entre o soul e o folk, com arranjos belíssimos, sendo emocionante sem cair na armadilha fácil dos exageros.  Tudo soa simples, mas, com ouvido mais atento, é possível encontrar canções de grande sofisticação.


10 Oceania – The Smashing Pumpkins

E Billy Corgan, talvez inspirado pelo relançamento de seus clássicos, retornou inspirado em Oceania. Há desde bons rocks, como os que abrem o disco ( “Panopticon” e “Quasar”), a momentos mais melancólicos como “Pale Horse” e “Pinwheels” e, se não se comparam às criações dos anos 90, as novas canções formam um disco coeso e são o que de melhor Corgan produz desde o Machina.

Poderiam estar na lista:

Psychedelic Pill - Neil Young & Crazy Horse
Until the quiet comes - Flying Lotus
The Idler Wheel Is Wiser Than the Driver of the Screw and Whipping Cords Will Serve You More Than Ropes Will Ever Do - Fiona Apple
The Sound of the Life of the Mind - Ben Folds Five
Long Distance - Holly Golightly & The Brokeoffs
I know what love isn't - Jens Lekman

Por Ricardo Pereira