Erudição e sutileza nunca foram as moedas correntes do rock... Pelo menos, não as mais populares. O negócio sempre foi chocar: o guitarrista do Led Zeppelin, Jimmy Page, inserindo pedaços de cação na vagina de uma groupie; integrantes do Sex Pistols no programa do apresentador Bill Grundy, na TV inglesa, falando pela primeira vez, em rede nacional, a palavra “fuck”; mais recentemente, Chorão, vocalista da banda Charlie Brown Jr., socando o principal cantor e compositor do Los Hermanos, Marcelo Camelo, por não ter gostado de um comentário do último. Ah, a rebeldia... Parece que, no imaginário popular roqueiro, é isso que fica. Que tem que ficar.
Corta para o Rio de Janeiro, sexta-feira, dia 12 de novembro de 2010.
A banda escocesa Belle & Sebastian, nascida na segunda metade da década de 90, em Glasgow, volta ao Brasil para dois shows, exatamente como foi em 2001, quando o conjunto tocou
em São Paulo e no Rio, no extinto Free Jazz Festival. Estou do lado de fora do Circo Voador – local marcado para a apresentação carioca –, localizado na Lapa. Não vejo ninguém caindo de bêbado. Nem vestido
em trapos. Ok, vez por outra, sinto o cheiro de maconha, mas nenhum sinal de usuários de outros tipos de drogas ilícitas – e mais pesadas. Ao meu redor, apenas gente bem vestida – camisas listradas, óculos de aros grossos e blazers dominando –, com cara de ter acabado de chegar de Londres – inglês impecável, inclusive – e com uma ansiedade indisfarçada estampada no rosto – algo em comum, finalmente! Assim como eu, muitos deles irão assistir ao septeto indie-folk-pop-rock-barroco (?!?) pela primeira vez; diferente de mim, é bem provável que eles saiam do Circo deslumbrados, independente da performance do grupo.
Comigo não, camarada.
Tudo bem, eu me rendo: mais ou menos.
Um pouco mais de 30 minutos de atraso, e a banda entra. Ingressos esgotados, mas tranquilidade “quase” que total para assistir ao show – dançarinos desengonçados que tomam um espaço fora do normal para sua, digamos, “arte”, deveriam morrer lentamente. No palco, doze pessoas – banda, quarteto de cordas e uma musicista que se revezava em pelo menos três instrumentos. O “bailão melancólico” é aberto com “I Didn’t See It Coming”, do último trabalho, “Write About Love” – 2010 –, que vem seguida da ótima “I’m A Cuckoo”, do subestimado “Dear Catastrophe Waitress”, de 2003. Um começo maravilhoso, que ficou ainda melhor com “Step Into My Office” – também de “Dear” – e “Like Dylan In The Movies”, do segundo CD do grupo, “If You’re Felling Sinister” – 1996. Cartase coletiva... Mas meio que contida, se é que isso é possível. Aliás, “contida” é uma palavra que tem muito a ver com a banda. O público, que por sinal foi o principal responsável pela realização do show no Rio, através da campanha “Queremos Belle & Sebastian no Rio”, estava ali para deixar a bola na marca do pênalti, para o conjunto chutar e ir para a galera. Mesmo assim, demorou um pouquinho para rolar uma “troca de passes ensaiada”. O som, que no geral eu achei bem baixo, na verdade, deve ser uma característica da banda. É quase uma “bossa folk rock”. Para completar, quando parece que o conjunto vai engrenar, buscando músicas mais agitadas para o repertório, os integrantes ouvem uma voz interna que diz. “Comportem-se, garotos. Isso lá são modos?”. E aí, somos brindados com coisas do tipo “I’m Not Living In The Real World” – até rapidinha, mas chata –, “Piazza, New York Catcher” – linda, mas em versão inferior, meio country – e “The Loneliness Of A midle-distance Runner” – um lado B descartável. De repente, surge “I Want The World To Stop”, do disco mais recente. Eba, o show vai voltar aos trilhos! Não, não: o público ainda tinha pela frente “Sukie In The Graveyard”, “Lord Anthony”, “The Wrong Girl” – essa, “da boa”, mas levada só ao violão e encurtada – e “(I Believe In) Travellin Light”... Além de um pedido de casamento feito por um fã da banda à namorada, que até foi bonitinho, mas não ajudou em nada quanto ao andamento da apresentação. Circo Voador ou “Sonífera Ilha”? Confesso que fiquei tentado a escolher a segunda opção, mas felizmente, existe uma luz que nunca se apaga. Eis que o grupo acorda. “Dear Catastrophe Waitress” surge poderosa, com destaque para o quarteto de cordas. Muita gente dançando em “Write About Love”, “Dirt Dream Number 2” e “The Boy With The Arab Strap” – a última, inclusive, contando com fãs dançando no palco. O conjunto vai levando, numa mistura de empolgação genuína, com a loirinha da banda, Sarah, parecendo não acreditar na histeria do público, e um pouco de “bocejo” por parte do grupo – no caso do guitarrista e vocalista Stevie Jackson, literalmente. Quem sabe eu não estou enganado, e a apatia do septeto, na verdade, não seria apenas mais uma particularidade do Belle & Sebastian? Uma banda que só “se joga” para dentro? Bobeira. Deve ser coisa de jornalista que quer encontrar teorias super criativas e/ou geniais para tirar onda com outros colegas de profissão – como se jornalista tirasse onda com alguém... –, ou papo de trintão que já passou da época de se descabelar por um bando de músicos medianos. Independente da conclusão, declaro que a emoção bateu forte quando a faixa “If You Find Yourself Caught In Love” foi apresentada. Se não bastasse ser uma das músicas mais bonitas da banda – e das letras, justiça seja feita –, o vocalista do conjunto, Stuart Murdoch, ainda fez questão de deixar o clima ainda melhor no Circo: desceu à plateia, caminhou entre ela, sem seguranças, e finalizou o passeio no “andar de cima” do local, cantando com o povo, a plenos pulmões, como se fosse um de seus fãs. Ninguém parecia acreditar no que estava acontecendo. Flashes, muitos flashes. Nesse momento, nesses minutinhos em que a mágica se fez presente, agradeci mentalmente aos amigos Amanda – por ter me apresentado oficialmente ao grupo – e Ricardo – que sempre enxergou a importância da banda –, infelizmente, ausentes naquela noite; por outro lado, fiquei contente por dividir aquilo com meu irmão, minha namorada e com meu novo/velho amigo, o grande Hugo Bastos – onde você estava, hein? –, todos eles, fãs do conjunto. Porque o Belle & Sebastian tem a ver com amizade, amor e saudade, essas coisas que andam fora de moda no cenário rock/pop atual – existem exceções, graças a Deus! O jogo estava ganho, sem dúvidas. Ainda assim tinha mais. Uma dobradinha matadora com “Judy And The Dream Of Horses” e “Sleep The Clock Around” – uma do segundo e a outra do terceiro disco, respectivamente – fechando o set list. No bis, quase perfeição. Belle & Sebastian tocando a primeira música de “Tigermilk”, estreia da banda em disco. “The State I Am In”. Obrigado, Deus! E eu, que há muito tempo não decoro mais letras de bandas internacionais, lembrei quase que inteirinha dela, como se estivesse novamente no meu quarto, com um pequeno micro system ligado, CD rolando e encarte nas mãos. Coisa linda. Outra canção estupenda, “Another Sunny Day”, do antepenúltimo álbum, “The Life Pursuit”. É uma pena que a versão ao vivo tenha saído capenga, magrinha, mesmo com uma cacetada de cordas e vozes. E aí, chega a hora do grand finale, com “Get Me Away From Here I’m Dying”, do segundo trabalho do grupo. Os primeiros versos não poderiam ser mais diretos. “Tire-me daqui, estou morrendo / Toque uma canção para me libertar / Ninguém mais as escreve como elas deveriam ser”. Para um garoto que, como eu, amava os Smiths e o Clash, escutar a citada música naqueles “primeiros dias”, reforçava a minha fé na erudição e na sutileza dentro da música pop.
No show do Circo, eu constatei que estava certo... Embora um pouquinho de porra-louquice não faça mal a ninguém.
Por Hugo Oliveira
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