"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

domingo, 7 de novembro de 2010

Lira Rara

Era uma quinta-feira. Estava em casa corrigindo provas há horas. Cansado já, resolvi dar uma parada e, ao olhar na janela, vi que a luz da casa do Cecel/Loo estava acesa.

Só um parêntese. Moramos no mesmo prédio e, pela janela, conseguimos nos comunicar e a luz acesa é como “o assobio do Ney”, a certeza de que se está em casa. Ainda vamos sentir saudades dessa época daqui a uns anos...

Fui dar uma passada lá, Loo estava na faculdade e Cecel estava em casa. Ficamos conversando e nosso papo foi pro lado de nostalgia, dificuldade de crescer, lembranças... Então Cecel colocou um disco pra gente ouvir, “Romaria”, álbum do Renato Teixeira, de 1978.

Começou pelo lado B (o mais bonito do disco) e foi imediato. Aquelas canções mexeram comigo instantaneamente, trazendo à minha alma “um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como e dói não sei porquê”...

Desde então, venho ouvindo o disco sem parar e, a cada audição, fico mais encantado. Não sou muito ‘da terra’, no entanto a sensibilidade sertaneja, quando bem expressa, mexe bastante por aqui. Culpa, certamente, de Guimarães Rosa, o maior escritor do Brasil, em minha opinião, e um dos maiores do mundo.

Em Renato Teixeira, assim como nos textos rosianos, o que aquele sertanejo canta não é apenas local, é universal. “O Sertão é o mundo.” Quando, em ‘Alforje’, ele canta:

“Quem inventou essa tristeza em que me roço
Essa solidão soberba onde me escracho
Esse salão de sinuca onde me gasto
Feito um capacho velho de pensão

Eu sou um homem calmo sertanejo
Escapo pela vida como posso
Mas me fizeram agir feito escravo
Que executa sonhos de outros homens”,

eu não apenas gosto ou acho bonito, eu sinto, me identifico.

Além disso, há a interpretação simples, baixa, perfeita para o que se está cantando. E uma sensibilidade e uma delicadeza que perpassam todas as canções do disco.

Gostar tanto deste álbum me faz pensar o quanto devemos nos afastar dos preconceitos. Talvez eu nunca ouvisse com tanta atenção por achar que não gostaria por ser sertanejo, brega ou o que fosse. (Isso me lembra uma reunião quando ainda morava na casa dos meus pais e o Marcel – irmão do Hugo – reclamou quando falei que ia colocar Sérgio Sampaio, achou que era dupla sertaneja ‘Sérgio e Sampaio rs’, mas foi só começar e, no mesmo dia, voltou para casa com uma cópia do disco e fã do genial compositor capixaba).

Agradeço ao Cecel por mais esta excelente indicação. E termino deixando a letra de uma das que mais gosto por enquanto:

“Feito um menino que permite ao coração
Sair correndo sem destino ou direção
Que vire vento e sopre feito um furacão
Que nesse fogo por amor eu ponho a mão
E até permito as cantorias da paixão

O velho barco toda vez que vê o mar
Fica confuso, com vontade de zarpar
E ver o mar às vezes bem que é preciso
Pra ter certeza de ainda estar-se vivo
Mesmo que o casco esteja velho e corroído

Como uma estrada que vai dar não sei aonde
Por meu destino o coração é quem responde
Braços abertos pra se ver a luz do peito
Com grande amor que seja puro amor refeito
Olhos profundos não me olhem desse jeito”

Por Ricardo Pereira

"E quando o sol raiar desentendido eu vou ferir a vista no amanhã..."

7 comentários:

  1. Muito legal o texto, cara... E o Renato Teixeira é uma simpatia!

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  2. Um programa que merece um post é o "SR. BRASIL" da TV CULTURA.
    http://www2.tvcultura.com.br/srbrasil/home.asp

    MATT

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Eh mano, ainda não conheço esse...mas depois do texto vou baixar esse disco pra conhecer...

    ABÇ

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  5. Fiquei feliz de verdade que o Latinoso gostou do disco. Eu quem agradeço tua amizade, e certamente o ganho cultural é muito maior pra mim com ela(a amizade).
    ...e o Ney vai estar sempre assobiando.

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  6. Matheus!! Anotada a sugestão. rs Tava pensando em escrever sobre os programas de educação: "porque o paradigma das instituições curriculares..." rsrsrs

    Pô, Henrique, vale muito a pena! Olha o link do disco, retirado do 'um que tenha':

    http://lix.in/-258045

    E Cecel, pode ter certeza de que gostei muito!! Discaço mesmo!!

    Abraços

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  7. Que legal essa sua postagem Ricardo. Eu sempre fui mais da terra... O Rock foi surgindo em minha vida e solidificou seu espaço. Depois conheci o folk e hoje assimilo Renato e outros cantadores brasileiros como o nosso folk, meu estilo musical do coração. Escrevi um pouquinho desta experiência no blog a um tempo atrás http://apensadoraserenissima.blogspot.com/2010/06/leilao-de-jardim-outras-historias.html
    Tenho algumas canções lindas e desconhecidas, que certamente vc iria gostar, devido a sensibilidade que demostra em seus textos. Essa do Renato Teixeira é mesmo de dar água nos olhos...

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