"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Como se o mar

Era como se, de uma hora para outra, a lucidez florescesse timidamente no campo improdutivo de sua insanidade. Sua fraqueza, que sempre considerou uma lástima, emergia clara e limpidamente como uma benção.

Sou fraco!! – tinha vontade de gritar, levantar sua rouquidão acostumada aos tons menores. Desafiar, com sua impotência, um mundo inexequível, que exige força e segurança, só possíveis aos que olham, mas não enxergam.

E resolveu levantar a bandeira de sua fraqueza. Fazia seu trabalho, cultivava os poucos amigos, imputava aos livros uma importância fundamental, como se cada capítulo, cada página, cada frase bem construída pudesse compensar a felicidade que o mundo lhe negava.

Ao mesmo tempo, trancava-se. Não era um fracasso com as mulheres, mas até certo ponto. Estava longe de ser o macho alfa que elas diziam precisar. Então ficaria só com sua fraqueza, fingindo adorar a solidão.

Porém, em mais um sábado solitário, fora traído por sua fraqueza. A seiva ignominiosa do isolamento era algo palpável em seu sangue, em seus ossos.

Saiu de casa sem um rumo certo. Quando deu por si, estava sozinho à noite na praia. Foi andando até o final do píer, o vento gelado não o incomodava. O mar parecia o chamar com um desejo de integração, como se precisasse do sal de suas lágrimas, como se a fraqueza deste homem fosse o complemento perfeito para sua majestosa imensidão.

Queria poder se jogar e deixar que o peso de suas mágoas o levasse para o fundo. Suportaria a lenta agonia do fim da respiração, até não mais sentir. Nada sentir.

Mas foi embora. Nunca fora tão fraco. No entanto, desta vez, vazio, infeliz. O mar existiria sempre dentro de si como uma falta, uma lacuna. E continuaria sua vida, como em uma antiga canção, com as janelas abertas pra que entrem todos os insetos.

Por Ricardo Pereira

É doce morrer no mar?

4 comentários:

  1. Mano: texto foda. Abraços e, como você já sabe, estamos aí. Sempre.

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  2. Ótimo texto, cara. Muito bom mesmo. "Lacuna, uma la-cu-na."

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  3. Fala, Pedro, que bom que gostou! Acredita que eu, escrevendo esse texto todo sério, comecei a rir quando escrevi la-cu-na? rsrsrs

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  4. Porra! mto bom mermo cara!
    testo sensacional!!

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