"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O coração do homem-bomba

Não, não é como ‘a metamorfose’. Não acordou de um dia para o outro disposto a se tornar um terrorista de si mesmo. Foi um processo. Lento, desencantado, desgastante, às vezes. Não queria mais fingir que lutava para se adequar ao mundo.

“Se o mundo é mesmo parecido com o que vejo, prefiro acreditar no mundo do meu jeito”, quase não ouvia mais, mas cantava. Apostou muito num relacionamento que, obviamente, daria errado. No entanto fez seu papel, para delírio da corja que aplaudiu entusiasmada, assistindo até o fim.

Mas agora seria diferente. Tal qual um homem-bomba, armara-se de explosivos, mas estes com uma peculiaridade: só poderiam causar algum mal a si mesmo, a mais ninguém.

O que em qualquer outra época o colocaria pra baixo, agora o orgulha. A ordem é ser ridículo mesmo, o máximo possível. “Fuja de mim, eu não sou um cara legal pra você”, berra o cantor de sua coleção de discos, seu troféu para uma guerra sem vencedores.

Gosta de rir de sua própria ingenuidade. A mente e o coração ainda adolescentes - “mesmo que o tempo diga não” - resultado dos anos de uma doce tortura, que inundou sua mente dos mais variados clichês pops.

“Sozinho eu vou ficar melhor”. Será? “Todo amor que eu amei, no fundo eu dediquei a mim e a mais ninguém.” É possível. Egocêntrico, narcisista, fosse judeu e nova iorquino seria um Singer, Davis ou qualquer outro Allen...

Não leva mais a sério a própria tendência ao drama, ainda vai rir de tudo isso. Mas não agora. Hoje se orgulha de ter encontrado um verdadeiro rival em si mesmo. Acredita que não vai ceder, que vai ficar são, mesmo se for só...

Por enquanto, se agarra ao que pode: discos, livros, amigos e seu discurso metido a besta, que não esconde, no fundo, a ansiedade para que a vida, como um canto torto feito faca, o desarme novamente.

Por Ricardo Pereira

3 comentários:

  1. Você fez a versão inversa do "Faleceu ontem a pessoa que atrapalhava sua vida"? Muito bom, professor! Parabéns pelo blog.

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  2. "Se o mundo é mesmo parecido com o que vejo prefiro acreditar no mundo do meu jeito"... "E eu quero é que este canto torto feito faca corte a carne de vocês". Não sei se pelo fato dessas canções fazerem parte da minha vida, ou pela reflexão profunda que elas provocam... Eu viajo neste texto tão sensível, que pra mim diz o quanto nos armamos de certezas desejando no fundo que algo ou alguém nos arranque toda esta razão... ["Quando tudo está perdido, não quero mais ser quem eu sou"...] Thanks.

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  3. Valeu Fernanda, que bom que gostou! Não tinha pensado na versão inversa, mas até que funciona mesmo rs

    Norielem, eu que agradeço. Seus comentários são sempre muito legais, é um prazer que meus textos sejam lidos por pessoas com a sua sensibilidade.

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