"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A Visita

Hoje pouca coisa me incomoda, o que nunca é um bom sinal. Mas se posso extrair um destaque deste pouco, seria um arrependimento que me atormenta vez ou outra. Como lidar com ele?

Quando criança, convivia muito com uma espécie de arrependimento. Era muito quieto, muito fechado. Na escola, o gordinho CDF, não falava muito com as pessoas, provavelmente só me notavam quando um ou outro professor elogiava as boas notas ou quando fugia da Educação Física. Lembro de ter começado a falar com as pessoas lá pela sétima, oitava série, quando comecei a ser notado por, sei lá, ter um caderno ‘de músicas’ com letras das canções que eu mais gostava e por ser um dos únicos da sala que sabia de cor a letra de ‘Faroeste Caboclo’ ou de qualquer outra da Legião.

Meu arrependimento aparecia quando eu saía, as poucas vezes que saía com os amigos, para qualquer festa ou simples ida ao shopping. Quando voltava, ficava relembrando cada coisa que falei, cada movimento meu e me arrependia de quase tudo: o medo do ridículo quase me paralisava. O tempo passou e isso foi ficando pra trás, comecei a ganhar confiança, ser cada vez mais espontâneo e perceber que eu só tinha a ganhar com isso.

E fora isso, não tenho grandes arrependimentos na vida. Talvez um ou outro disco que vi barato ou algum difícil de achar que deixei de comprar e quando voltei já haviam levado. Há mulheres que desperdicei por timidez e acabei me sentindo um pouco arrependido. Há uma cena particularmente marcante, de um telefonema da menina por quem eu era apaixonado (há muito, muito tempo) e que ela sondava algum tipo de interesse da minha parte quando embaralhei tudo e demonstrei o contrário. Desliguei o telefone já desesperado e curti uma daquelas dores adolescentes.

E agora (mais) velho já, o tal do arrependimento cisma de querer me visitar. Não sei o que fazer com ele. Aparece quando menos espero e vem entrando sem nem bater na porta, às vezes sussurra em meus ouvidos, em outras me atormenta com gritos lancinantes e uma gargalhada de escárnio. Há uma frase de Schiller, acho: “Breve é a loucura, longo o arrependimento”, algo assim. Foi ele mesmo que me falou; o arrependimento, claro, não Schiller.

Lembra o quanto perdi, no que acabei me transformando, o quanto pessoas passaram a me julgar mal, debocha do quanto a paixão pode cegar e como o meu romantismo de merda me derrubou mais uma vez. Empina o nariz com uma jactância insuportável e, como ser imaterial, vangloria-se de não poder se apaixonar.

Contra ele de nada adiantam os livros lidos, discos ouvidos, meus argumentos parecem sempre fracos e insuficientes... Já recorri ao senso comum de que mais vale se arrepender de ter feito do que de não ter tentado, e ele retoma seu inesgotável arsenal de perdas minhas, implacável...

Venho tentado expulsá-lo e quanto mais me esforço para isso, mais ele insiste. Aguardo a visita do tempo, parceiro de Aldir, para uma conversa. Minha amiga esperança avisou esses dias por sms que só ele para me ajudar... Estou esperando, curtindo meu deserto, procurando não me transformar no fantasma de ninguém e, seguindo o conselho de Vinicius, mantendo a lâmpada acesa e uma bebida por perto, só por precaução...


Por Ricardo Pereira

2 comentários:

  1. Quando li sua chamada no face para um texto sobre arrependimento, achei q vc estava arrependido de ter pedido a saída do Joel, visto que isso até agora não fez muita diferença pro Botafogo, como eu já previa. Mas ao ler seu texto vi que se trata de uma coisa mais intensa. Também passo por isso. Entrei na crise dos 30, sei lá, É uma idade redonda e nos faz refletir (pelo menos, me fez). Foda não é fazer 30 anos, foda é olhar pra traz e lembrar de uma vida mal vivida. E aí bate o arrependimento. Por várias razões. Algumas delas culpa nossa, outras não.

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  2. Acho que é por aí, cara... Acaba não levando a nada, mas ando bastante arrependido de algumas escolhas que fiz, devia ter ouvido melhor os (não poucos) que me alertaram.

    Com relação ao Botafogo, tá feia a coisa, mas o time me agrada mais do jeito que vem jogando, tocando a bola, tentando o ataque. tá faltando bons jogadores, talento, mas pelo menos mandamos os chutões embora rs

    Abs

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