"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Imitação da vida

Estou há alguns dias para escrever discordando do meu amigo Hugo, que no belo texto em homenagem ao Joey Ramone aqui embaixo afirma que “o mundo é, sim, maravilhoso”. O que não faltava era argumento provando o quão merda o mundo é, basta olhar para o lado e perceber tanta maldade, inveja, interesse, crueldade, solidão...

Mas hoje uma amiga de infância postou no facebook uma foto de 1995 de uma das várias despedidas de nossa turma de oitava série e pensei que ali o mundo era maravilhoso sim! E agora à noite aqui em casa sozinho ouvindo músicas aleatórias como meu pai fazia na minha infância comecei a resgatar momentos em que o mundo se faz parecer maravilhoso. Como...

... o dia em que estava andando com meu afilhado por Bangu e entramos num sebo por acaso e comecei a procurar algum bom livro e de repente me deparei com o ‘Cem anos de solidão’, retirei-o da estante e mostrei para ele: “Renato, esse é dos melhores livros da minha vida” e ao abrir o antigo livro vi a assinatura do meu pai “Antonio 19/4/86”. Comprei na hora e o livro voltou para onde nunca devia ter saído.

... apaixonado, em um fascinante e intenso aparente ‘romance de verão’, voltava para casa de veraneio dela, em frente à dos meus pais, deixando-a em casa, ela voltaria no dia seguinte e sabe-se lá quando nos veríamos novamente. Controlando a vontade de chorar, eu olhava para as reentrâncias do asfalto para marcar e poder olhar nos dias seguintes e lembrar de quando estava com ela, sem saber do quanto ela se faria presente e importante nos próximos anos.

... o dia do meu aniversário de 26 anos, que passei com meu irmão no Circo Voador, show do Caetano do e assim que deu meia noite ele me deu os parabéns enquanto ambos emocionados ouvíamos uma versão torta e rock n’ roll de ‘Sampa’.

... os dias em que eu e Hugo matávamos aula do pré-vestibular para conversar sobre a vida, Smiths, um futuro que parecia tão distante e, às vezes, tocar violão e cantar nos intervalos do cantor no ‘Dom Paco’.

... a primeira vez em que levei minha irmã no Maracanã, um Botafogo x Atlético em que ganhamos de 2 x 1 e ela descobriu-se alvinegra, com toda a sua glória, sofrimento e orgulho, para sempre.

... os dias em que voltei para a casa dos meus pais e ouvia discos com minha mãe e mostrava as canções para ela, fazendo questão que ela prestasse atenção nas letras, em casa detalhe, enquanto tomávamos um vinhozinho e nos deixávamos levar pelas canções.

... uma tarde em que, ainda pré-adolescente, meu pai me pegou numa locadora e me levou para Moça Bonita para ver um jogo do Botafogo e “ver o Túlio” perdendo um monte de gols e ainda assim sair orgulhoso pra caramba de estar descobrindo o que é ser Botafogo.

... os dias de “sonho e de som” na faculdade, matando aula para ir à reitoria beber e ter conversas não apenas importantes, mas fundamentais.

... os encontros do ‘conselho’, em que cada um a seu modo se ajuda, se identifica e até percebe-se agindo como o outro surpreendentemente (?).

... sair do show do Moptop (ou Hermanos, ou Mombojó) procurando ainda um programa para o fim de noite andando pela cidade como se fosse nosso condomínio.

... os churrascos na Giane, ouvindo Roberto e/ou Revela na altura e cantando alto se emocionando, como se sentíssemos cada canção pela primeira vez.

... um começo de ano que passei com meu primo, assistindo Woody Allen, debatendo cada filme e suas ressonâncias e nos ajudando mais do que podíamos imaginar.

... alguns encontros fortuitos, inesperados, na maioria das vezes fugazes, mas importantíssimos para me trazer de volta da escuridão.

E ao pensar nisso tudo até dá pra quase acreditar nessa ideia do mundo ser maravilhoso. E você argumentará, talvez com razão, que a beleza se faz é desses pequenos momentos. Pode até ser, se formos capazes de acreditar que os mesmos valem mais do que a maior parte do tempo em que passamos angustiados, estagnados, impregnados de realidade. 


Por Ricardo Pereira

4 comentários:

  1. Ricardo, belíssimo texto! Parabéns. Me gerou enorme comoção.

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  2. Realmente bonito. Caí no blog acidentalmente e talvez posso acrescentar esse dia nessa minha lista de momentos maravilhosos também. Parabéns!

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  3. Que texto ótimo. Essa história de encontrar um livro do seu pai num sebo é muito legal. Me lembro de você contar na sala e eu ficar muito boquiaberta. E eu acho que num lugar onde você consegue ser extremamente feliz, ainda que às vezes e mesmo com tanta violência e gente hipócrita, deve ser sim maravilhoso.

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  4. Gente, obrigado aí! É bom saber que momentos importantes e bonitos para mim conseguiram 'atingir' vocês de certa forma a partir desse relato algo despretensioso, meio que pra tentar me convencer de que o mundo pode valer a pena. É bom saber isso.

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