"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

quinta-feira, 23 de junho de 2016

A Fita como ela é... Ou melhor, como ela foi – Fita 2016

O blog Talk About The Passion se despede da cobertura da 12ª Festa Internacional de Teatro de Angra – Fita com impressões sobre quatro espetáculos encenados nas duas tendas instaladas na Praia do Anil, nos dias 18 e 19 de junho.

No sábado, 18, O “coadjuvante de luxo” Tarcísio Meira e grande elenco subiram ao Palco Sesc – Mostra de Sucesso às 19h30, para a encenação da peça O camareiro. Dá-lhe emoção, profissionalismo e inventividade. A história do experiente ator que vê a saúde decair de um dia para o outro, tendo ainda assim que continuar atuando nos espetáculos da companhia teatral que trabalha, é uma homenagem à arte e a todos que, mesmo que de forma indireta, mantem funcionando as engrenagens do show.

Neste caso específico, quem merece todas as honrarias é o personagem Norman, o camareiro do grande “sir”. Interpretado magistralmente pelo ator Kiko Mascarenhas, ele vive através das roupas, maquiagens, rituais e interpretações de seu chefe.  Ele sabe o que o “sir” pensa e sente; sabe o que é melhor para ele e o que deve ser feito por ele. Norman sabe. Tudo.

O camareiro é uma peça dentro de uma peça. Em ambas, a cenografia é matadora, um primor. Primoroso também é o texto do dramaturgo britânico Ronald Harwood, que não deixa espaço para clichês ou informações desimportantes. “Sir” vai conseguir encenar Rei Lear? Os aviões nazistas bombardearão o teatro onde o espetáculo está sendo encenado? Norman será lembrado no final? Sim para todos os questionamentos. Para a vida, para a arte. Sim, valeu a pena.


O camareiro

Na mesma noite, às 21h45, no palco Sessão Transpetro, os atores Mariana Xavier e Paulo Mathias Jr. levaram a engraçada história de amor de Berenice e Dagoberto ao público, através da peça O último capítulo. Por mais que alguns momentos do espetáculo tenham sido realmente hilários, principalmente por conta das boas atuações, a peça não mantem uma regularidade na qualidade.

Alguns trechos do espetáculo não conseguem fugir do lugar comum “comédia de suburbanos que falam alto”. O texto também não escapa de algumas obviedades ligadas a peças do tipo. Ainda assim, o resultado final é ok, já que não foi preciso apelar para palavras de baixo calão e demais artifícios de terceira para fazer o público aplaudir.


O último capítulo

No domingo, 19, último dia da Fita, a peça encenada no Palco Sesc – Mostra de Sucesso foi Otelo, que oferece um dos textos mais famosos de Shakespeare. Com um grande elenco capitaneado por Mel Lisboa – intérprete de Desdêmona – e Samuel de Assis – Otelo –, a história, sobre um plano diabólico para fazer com que Otelo desconfie da fidelidade de sua esposa, é tensa e dramática.

Num crescendo de acontecimentos e lances maliciosos, assistimos a uma trama dolorida, defendida com talento pelos atores que participam da peça. Mesmo que a duração do espetáculo ofereça alguns momentos menos interessantes ou que a trilha sonora de Caetano Veloso não funcione a contento, a força do clássico texto mantem o público ligado até o final. E, aliás, que final.


Otelo
   

A última peça apresentada na Fita 2016 foi encenada no palco Sessão Transpetro, às 21h45. A vida como ela é, um apanhado de contos de Nelson Rodrigues, ganhou uma versão dinâmica da Os 100 Talentos – Companhia de Teatro, mas isso não foi o bastante para fazer do espetáculo um dos grandes da 12ª edição do evento.

Com esquetes rápidos, onde o elenco se revezou em diversos personagens, ficou claro o esforço empreendido pelos atores e atrizes em dar vida ao universo rodriguiano... Ainda que alguma coisa, algo importante, não tenha funcionado como deveria.

Uma falsa impressão de obviedade relacionada aos contos de Nelson Rodrigues encenados no espetáculo talvez esteja diretamente ligada à capacidade de atuação dos atores, mesmo que eles tenham executado a lição de casa. Ou seja: não é tarefa fácil oferecer verossimilhança a personagens tão complexos como os de Nelson. Quando isso acontece, como aconteceu no musical O beijo no asfalto, sentimos logo de cara; do contrário, ficamos com aquela estranha sensação de que algo está fora do lugar... Mesmo que não encontremos o motivo.


A vida como ela é (crédito da foto: Sarah Wandermurem)





 Por Hugo Oliveira

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Duas peças numa noite suja e um salto ornamental perfeito (e simples) – Fita 2016

Terça e quarta-feira, 14 e 15 de junho: mais dois dias de Festa Internacional de Teatro de Angra – Fita e uma soma de três peças assistidas. Vamos a elas? Resumo à leitura dinâmica!

Para tão longo amor – encenada na terça-feira, às 19h30, no Palco Sesc – Mostra de Sucesso, o espetáculo reuniu os atores Regiane Alves e Leopoldo Pacheco, que levaram ao palco a conturbada história de amor entre Fernando, um maduro editor literário, e Raquel, uma jovem poetisa autodestrutiva... E extremamente chata. Lembrei-me do tresloucado Jim Morrison interpretado pelo ator Val Kilmer na cinebiografia The Doors (1991). A diferença é que na película, ainda que de forma rasa, vislumbramos um pouco da genialidade de Jim como letrista e cantor; na peça, o único talento promissor de Raquel que aparece é o de beber várias doses de birita e transformar a vida de Fernando num inferno. Vale ressaltar a cenografia inteligente, quase genial, de André Cortez, assim como as interpretações corretas dos protagonistas da peça.


Para tão longo amor



A Santa Joana dos Matadouros – iniciado às 21h45 na tenda da Sessão Transpetro, terça-feira, o longo, ousado e denso espetáculo baseado num texto do dramaturgo Bertold Brecht mostrou que continua atual ao levar crítica social, política econômica, cobiça e o funcionamento do “sistema”, como um todo, ao palco da Fita 2016. Utilizando-se de efeitos sonoros e visuais, a direção de Marina Vianna e Diogo Liberano conseguiu dar contemporaneidade à peça, mesmo que o texto e os diálogos muitas vezes complexos não seguissem por este caminho, acarretando em estranhezas para o bem e para o mal. Ainda que o resultado final seja regular, dá gosto de ver um elenco tão jovem – e talentoso – defender com unhas, dentes e camisas, muitas camisas, um texto tão desafiador.



A Santa Joana dos Matadouros (Crédito da foto: Ricardo Brajterman)



Estúpido cupido – Imagine uma competição de saltos ornamentais. O próximo atleta a saltar já recebeu duas notas altíssimas. Para faturar o primeiro lugar, agora, só precisa efetuar um salto simples, de forma correta. Foi isso que a atriz Françoise Forton e o grande elenco de Estúpido cupido fizeram na peça encenada às 19h30, no Palco Sesc – Mostra de Sucesso, na quarta-feira. O espetáculo, um musical sobre o reencontro de amigos que tiveram a adolescência embalada pelas músicas da Jovem Guarda, numa festa de confraternização marcada pelo Facebook, muitos anos depois do auge da juventude, funciona que é uma beleza. Atores talentosos e afinados, banda de apoio competente, cenas ágeis e uma trama tão boba quanto deliciosa. Sim, leitor: no teatro, em muitas ocasiões, o menos também é mais.


Estúpido cupido




Por Hugo Oliveira

Aos atores e atrizes, com amor – Fita 2016

Aos atores e atrizes, com amor – Fita 2016

Segunda-feira, 13 de junho: uma noite dedicada à comédia na 12ª edição da Festa Internacional de Teatro de Angra – Fita. Às 19h30, no Palco Sesc – Mostra de Sucesso, na Praia do Anil, os atores Eduardo Martini e Bruno Lopes apresentaram o espetáculo O filho da mãe, sobre a relação entre uma mãe e seu filho, focando na adolescência do menino até o começo da idade adulta.

A peça funcionou, embora lentamente. Apenas do meio em diante ela conseguiu oferecer ao público o que prometia: gargalhadas e situações hilárias, como a do trecho em que a mãe desconfia que o filho possa ser gay. Jogou contra o espetáculo a regulagem do som. Tanto o das músicas incidentais quanto o do microfone dos protagonistas estava muito, muito alto. Algumas pessoas tapavam os ouvidos quando as canções de Tim Maia, de total importância no espetáculo, eram disparadas nas caixas de som.

O ator Eduardo Martini estava muito bem nas cenas de comédia de Valentina, a mãe da peça; nas passagens mais dramáticas, ele simplesmente brilhava, conseguindo transmitir emoção genuína ao público. Este, aliás, retribuiu o ator com uma aclamação ao final do espetáculo que o fez ir às lágrimas.  Quando a pessoa faz com o coração, quando joga sua vida em determinada realização, a gente sente... E até mesmo esquece certos deslizes.


O filho da mãe


O espetáculo que veio em seguida, O Pena carioca, encenado também na Praia do Anil – Sessão Transpetro –, às 21h45, levou ao palco três peças da autoria de Martins Pena, considerado o fundador da comédia de costume no país.

Faço questão de citar cada ator do elenco: Ana Paula Secco, Anderson Mello, Gabriela Rosas, Leandro Castilho, Luiz André Alvim, Marcio Fonseca e Paulo Hamilton. Juntos, brindaram um público com atuações primorosas e histórias que davam gosto de acompanhar, nos mínimos detalhes.
O pai que quer casar a filha com um homem de posses; o caixeiro que sonha em ser sócio do bar, para mudar de status; a corrupção das autoridades – ainda na primeira metade do século XIX. Cada número encenado pelos atores mostrou beleza e talento nas interpretações, além de jogar luz sobre a genialidade de Martins Pena e a respeito da direção competente de Daniel Herz.

O Pena carioca



Por Hugo Oliveira

terça-feira, 14 de junho de 2016

Abuso de poder como arte e a arte que abusa do poder – Fita 2016

                                
Depois de um final de semana voltado a outras questões profissionais, eis que retornei à Festa Internacional de Teatro de Angra – Fita na segunda-feira, 13 de junho, para assistir a dois espetáculos do gênero comédia nas tendas instaladas na Praia do Anil. Porém, antes de oferecer minhas impressões sobre as citadas peças, voltemos ao dia 10 de junho, sexta-feira, para algumas linhas a respeito do que assisti naquele ótimo dia.

Às 19h30, o ator Thiago Lacerda subiu ao Palco Sesc – Mostra de sucesso com um elenco afiadíssimo ao seu lado, para encenar Medida por medida, uma peça de Shakespeare que, por conta de sua temática, continua muito atual. A história de um juiz que resolve colocar outro profissional em seu lugar, na intenção de observar o que o homem faz quando tem o poder nas mãos, é, mais do que uma crítica aos abusos causados pela falta de ética e de bom senso, uma mensagem a nós mesmos: somos absurdamente parecidos com aqueles que criticamos. Mais do que gostaríamos.

Quando vemos em cena que as leis que deveriam valer para todos, na verdade, atingem-nos de diferentes maneiras, entendemos perfeitamente o que o escritor e jornalista inglês George Orwell quis nos dizer através de uma passagem do livro A revolução dos bichos. Todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros. E assim seguimos.


Medida por medida (crédito da foto: Adriano Fagundes)


Mais tarde, às 21h45, a atrizes Beth Zalcman e Simone Kalil subiram ao palco do Teatro Municipal de Angra dos Reis para brindar o público com um dos espetáculos mais simples e emocionantes desta edição da Fita, Brimas. Duas mulheres imigrantes que vivem hoje no Brasil, vindas do Oriente Médio e oriundas de cidades e correntes religiosas diferentes, relembram com alegria, dor e saudosismo das passagens e pessoas especiais em suas vidas. Tudo isso, embaladas por cheiros e sabores de uma cozinha que mais do que alimentar, pacifica o corpo e a alma.

É muito fácil gostar de uma peça que começa com as protagonistas distribuindo quibes à plateia, e que segue mesclando trechos engraçadíssimos com interpretações assustadoramente fidedignas daqueles que, por conta de conflitos variados, tiveram que sair de seus países e tentar a vida em outros cantos do mundo; difícil é não se emocionar com um texto que beira à perfeição e foge de fórmulas fáceis para fazer sorrir ou chorar.

Eu estava na terceira fileira, do lado direito de quem assistia ao espetáculo. Ester, interpretada por Beth Zalcman, arrumava-se para um velório que, no meu entendimento, era o dela mesmo. Sua prima, Marion – Simone Kalil –, pergunta para ela. “E agora? Quem é que vai organizar o meu velório?”

Ester sorri, sabendo que tudo vai se ajeitar. Pede um copo d’água e faz um brinde a todos que não tiveram chance de beber quando estavam com sede.  Sorve o líquido enquanto a luz se apaga.

Então, no escuro do teatro, em meio a uma salva de palmas, você entende que a arte vai além do encantamento. É algo que nos dá esperança de um mundo melhor, de pessoas melhores.

Sigo acreditando na cultura. Sempre.


Brimas (crédito da foto: Guga Melgar)


Por Hugo Oliveira



sexta-feira, 10 de junho de 2016

O mundo adolescente e a criação do mundo – Fita 2016


Diálogo de dois pais ao final da peça:

– Sua filha deve estar junto com a minha, lá dentro, tirando foto.
– É verdade. Escuta só! (Barulho de multidão gritando).
– Tá doido! Eu não gosto desse negócio de teatro, ator de “Malhação”...
– Nem eu!

Mas suas filhas gostam. Assim como as centenas de filhas, filhos e – sim! – pais que abarrotaram o Palco Sesc – Mostra de sucesso, na Praia do Anil, às 19h30, para assistir ao espetáculo Sempre amigos, em estreia nacional. Com o texto e a direção de Pedro Jones, a peça ofereceu uma história de amizade e amor com temática adolescente.

Os atores Camila Mayrink, Guilherme Hamacek e Rafael Vitti ensaiaram direitinho para interpretar os papeis de três “BFF” – pergunte o significado para sua filha / filho adolescente – que se veem num confuso triangulo amoroso. Show, quem deu mesmo, foi a plateia. Desde o começo, quando a maior fila para entrar num espetáculo da Fita 2016 foi formada, passando pelas manifestações histéricas da ala feminina, que urrava de alegria e prazer cada vez que o ator Raf... EEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE entrava em cena, o que se viu foi um ambiente bem diferente dos solenes locais que recebem espetáculos do tipo. Eu entrei meio desconfiado, mas acabei curtindo aquela loucura toda.

– Tio, tio! Você pode me ajudar? Eu e minhas amigas não estamos conseguindo achar os nossos lugares, perguntou uma menina de uns 12 anos, que não tirava os olhos do meu crachá.
– Tio? Que isso, menina! Tá bom... Deixa ver se consigo te dar uma força, eu disse, tentando encontrar a fileira relacionada ao número de série dos ingressos.
 – Ah, você não é da organização tio, é da imprensa. Deixa pra lá.

Acabaram-se aí os meus cinco minutos de fama – mais sorte teve o jornalista Marcos Landim, da TV Rio Sul, que foi requisitado pela molecada a posar para fotos.
Molecagem à parte, a peça foi correta, e ainda passou uma mensagem bonita ao público presente: corra atrás dos seus sonhos, já que ninguém melhor do que você para lutar por eles.

Contanto que não seja namorar o galã da peça, que fez questão de mostrar que é comprometido. #adolescenteschateados.


Sempre amigos



Como o show tem que continuar, mais tarde, às 22h, o bonde do teatro seguiu para o Teatro Municipal de Angra dos Reis, onde foi encenada a peça A cabaça da existência. O elenco formado por Junio Bastos, Letícia Mendes, Ramon Souza e Vitória Lopes também era bem jovem, mas a temática do espetáculo foi de gente grande: a criação do mundo de acordo com um conto africano.

Como a própria diretora, Camila Rocha, explicou ao final da peça, o espetáculo foi estendido para caber no formato da Fita. Talvez isto tenha acarretado um grande problema, já que os trechos mais musicais, em que os personagens cantavam e dançavam, alongavam-se por muito tempo – mesmo sendo efetuados com beleza e total domínio de expressão corporal pelo elenco.

A dicção de alguns atores – dos meninos, principalmente – também precisa melhorar, mas isto é apenas um detalhe. O que importa é que a mensagem simples e também emocionante do espetáculo – ancorada pela ótima trilha sonora de Jorge Moreno Filho, o “Etiópia” –, de que Deus não é um ser vingativo, mas sim, uma entidade cheia de bondade e amor, foi transmitida com louvor, independente da religião de cada um. Axé aos integrantes do GP Artêros: a cabaça da existência de vocês já começou a dar frutos.


A cabaça da existência (crédito: focoincena.com.br)



Por Hugo Oliveira
  







quinta-feira, 9 de junho de 2016

Apesar de vocês – Fita 2016

Um grande elenco encabeçado pela atriz Denise Fraga encenou ontem, quarta-feira, às 19h30, na Praia do Anil – Palco Sesc - Mostra de sucesso –, a peça Galileu Galilei, sobre a perseguição que o astrônomo e matemático italiano de mesmo nome sofreu pela igreja, por conta de suas ideias revolucionárias.

Ao longo do espetáculo, que cobre várias passagens importantes da vida de Galileu, assistimos a ascensão e a queda de um gênio que também não perdia a chance de dar uma malandreada, ops, de “melhorar” certas invenções em voga naquela época – 1610 –, como o telescópio, por exemplo.

Pela luneta deste espectador, a dita comédia era, na verdade, um quase drama histórico, com uma cenografia poderosa e um andamento não tão ágil, obrigando-nos a degustar cada diálogo com atenção total. Por conta disso, os problemas sonoros que cismaram em aparecer do meio do espetáculo em diante atrapalharam um pouco quanto ao entendimento do que estava sendo encenado. Aí, já viu: para um público que, infelizmente, ainda enxerga qualquer pingo como letra, foi o sinal para o início de uma debandada modesta, mas sempre irritante. Uma pena. Apesar desses obstáculos, foi uma peça importante para ontem, hoje e amanhã.

A trajetória de Galileu, que passou por Veneza, Florença e Roma, encantando e também preocupando as autoridades religiosas do país, não foi em vão. Mesmo que tenha renegado suas ideias iniciais por conta do medo de ser torturado pela inquisição, no fundo, mantinha-se fiel a elas. Manteve-se. O herege de ontem é a mente brilhante de hoje. E a inquisição é prima de primeiro grau das ditaduras. Todas elas.


Galileu Galilei



Por Hugo Oliveira



quarta-feira, 8 de junho de 2016

Sobre o tempo – Fita 2016

Duas peças encenadas na terça-feira, 7 de junho, na 12ª edição da Festa Internacional de Teatro de Angra – Fita, versaram sobre o tempo. A primeira, às 19h30, Vianinha conta o último combate do homem comum, presenteia o público com a tocante história de Souza e sua mulher, um casal na terceira idade que se vê às voltas com a possibilidade de ter que sair da casa onde sempre moraram por conta de obstáculos de cunho financeiro. Eles vão buscar nos filhos uma saída para a preocupante situação, e por conta disso, encontram problemas ainda mais complexos.

O texto de Oduvaldo Vianna Filho lança luz não apenas à questão dos desafios e questionamentos dos idosos, mas também sobre os conflitos familiares e as dificuldades de lidar com os diferentes “tempos” de cada um. Além de contar com um elenco muito bem entrosado e com uma fundição perfeita entre humor e drama, o grande mérito da peça é instigar a reflexão de cada um sobre o assunto tratado. Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais? Até o fim?


Vianinha conta o último combate do homem comum


Mais tarde, às 22h, o ator Roberto Bomtempo subiu ao palco do Teatro Municipal de Angra dos Reis para a apresentação da peça Plínio – A história do maldito bendito, um espetáculo que conta a vida e a trajetória profissional / teatral de Plínio Marcos, um dos grandes renovadores do cenário teatral brasileiro. Considerado maldito por conta das temáticas e das personagens utilizadas em suas obras, Plínio teve sucessos estrondosos e fracassos retumbantes, mas nunca abaixou a cabeça para nada. Críticas pesadas, ditaduras, falta de dinheiro, censura... Nada disso era capaz de abater o autor, interpretado – e defendido – com dignidade por Bomtempo.


A reflexão sobre os tempos de Plínio nesta vida termina de uma forma belíssima. Roberto / Plínio relembra quando, sem lugar para dormir em São Paulo, é ajudado por uma pessoa que estava no mesmo bar que ele. O homem permite que, temporariamente, ele passe as noites de um terrível inverno na coxia de um teatro. Instalado no local, Plínio se deita e, antes de dormir, lembra-se de todas as valorosas e também simples pessoas que passaram por sua vida, dando a entender que, assim como eles, também não vai desistir de lutar.


Plínio fecha os olhos e tudo escurece. A vida continua. Ele vive.


Plínio - A história do maldito bendito (foto por Eduardo Tarran)


Por Hugo Oliveira

terça-feira, 7 de junho de 2016

Nada como um dia após o outro... Na Fita

Um domingo típico e uma segunda-feira com cara de quinta, véspera de feriado e também data de pagamento. Soaram-me assim, respectivamente, o terceiro e o quarto dia da 12ª edição da Festa Internacional de Teatro de Angra – Fita. Em 5 de junho, às 19h30, os atores Leona Cavalli e José Rubens Chachá se esforçaram muito para dar vida aos personagens da peça Frida y Diego, dirigida por Eduardo Figueiredo. Apesar do texto primoroso de Maria Adelaide Amaral, da linda cenografia de Márcio Vinícius e da entrega dos atores na interpretação de dois dos maiores nomes das artes plásticas do México, faltou conexão emocional com o público. Leona suava, chorava e expressava perfeitamente as dores do corpo e da alma de Frida; Chachá, por sua vez, caprichava na canalhice e no jeitão conquistador de um artista que, assim como Frida, dedicou-se ao comunismo. Mesmo assim, o túnel que conecta a entrega e a emoção dos protagonistas ao público parecia estar obstruído. Foi um espetáculo correto. E só.


Frida y Diego

Na mesma noite, às 21h45, o grande elenco da peça Anti-Nelson Rodrigues fez com que a tenda da Sessão Transpetro, na Praia do Anil, recebesse lotação máxima, num espetáculo que prometia muito... Mas entregou pouco. Na verdade, talvez não seja este o ponto nevrálgico desta observação. Estamos tão acostumados ao “Universo Rodriguiano” e, principalmente, aos caminhos – e destinos – de seus bizarros e deliciosos personagens que, ao nos depararmos com um texto atípico, acabamos nos decepcionando. Grosso modo, a peça nos prega uma peça: oferece-nos outra faceta de Nelson, mas com elementos e idiossincrasias típicos de sua obra. O machão cafajeste, o marido traído, a mocinha pura e ingênua, estão todos lá, mas de forma diferente. Causa-nos estranheza assistir a um tipo de final feliz num espetáculo de Nelson Rodrigues, num sentido pejorativo. A peça é muito focada na tentativa de relacionamento entre o perverso e também rico Oswaldinho – Joaquim Lopes – e a simples e incorruptível Joice – Luiza Maldonado –, deixando-se em aberto ótimas subtramas. Quando chega ao fim, Anti-Nelson Rodrigues deixa na boca do espectador um gosto confuso, misto de Chicabon malchupado e pudor meia bomba, se é que você me entende...


Anti-Nelson Rodrigues


Nada como um dia após o outro. Na segunda-feira, 6, a maior parte do elenco de A morte acidental de um anarquista recebeu o público de forma despretensiosa e animada, com música ao vivo, na entrada do Palco Sesc – Mostra de sucesso, a partir das 19h30. Apenas Dan Stulbach, “o louco”, permaneceu no palco, espumando ansiedade e capturando a energia de uma multidão que imaginava assistir a um bom espetáculo de comédia, mas viu muito, muito mais do que isso. Junte um texto formidável de Dario Fo a uma direção competentíssima – Hugo Coelho – e a um grupo de atores talentosos e sedentos pelo palco. Imaginou? Pois é. Ainda assim, a descrição não consegue chegar perto do poderio artístico oriundo da peça. A história do “suicídio acidental” de um anarquista italiano acusado de ser um dos responsáveis por uma série de atentados em Roma e Milão adentra por temas que permanecem atuais, importantíssimos, ainda hoje – justiça, sensacionalismo, corrupção etc. –, gerando uma comédia inteligente e ácida. Que o som e a fúria da vida sigam detonando com a fórmula palavrão + gritaria + personagem suburbano + gostosa de vestido curto, tão comum nas comédias brasileiras. Vida longa à arte; às favas com as simplificações.


A morte acidental de um anarquista


Mais tarde, às 22h, o palco do Teatro Municipal de Angra dos Reis recebeu o ator Silvero Pereira para a apresentação da peça/murro Br-Trans, sobre o universo dos travestis e transexuais brasileiros. Espetáculo doloridíssimo e impactante. Uma ode à dor e à delícia perigosa de ser o que é num mundo cada vez mais intolerante, violento e doente. Sozinho, Silvero interpreta Gisele, Bruna, Babi e tantas outras. Ri, chora, dança, enlouquece e silencia. Olha o público nos olhos e enxerga a esperança de um povo mais humano em cada lágrima derramada pela plateia – e são muitas. Enlouquece-nos com sua entrega, seu talento; enlouquece com tanta tristeza, tamanha dor. É o triunfo da tragédia em cartaz.

No Brasil do futebol e do carnaval, somos os campeões em assassinatos de travestis e transexuais. Somos o 7 a 1 da intolerância e a Sapucaí do preconceito. Enquanto não discutirmos gênero e sexualidade de forma séria – e cada vez mais precoce – nas escolas, na sociedade e em cada canto deste país, seremos o que sempre fomos: uma turba embriagada de ódio, prontinha para apedrejar Geni, que está naquela mesa no fundo do boteco, sozinha, com uma cerveja barata, chorando sem saber o porquê.

Joga pedra, bosta, cuspe, porra, lixo e mijo na Geni. Foda-se ela. Glória a Deus nas alturas da nossa ignorância.


Br-Trans
           

Por Hugo Oliveira


sábado, 4 de junho de 2016

O beijo no asfalto ou Que mundo maravilhoso, não?

Escrita em 1960 pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, O beijo no asfalto é, ainda hoje, assustadoramente atual. Em montagem primorosa dirigida por João Fonseca, com trilha original de Claudio Lins, o musical oferece ao espectador um espetáculo ágil, emocionante e principalmente cruel.

Jornalismo sensacionalista, homofobia, machismo, truculência policial e toda a hipocrisia dessa grande família tradicional chamada Brasil desfilam pelo palco durante 150 minutos de reality-horrorshow. A história de Arandir, um homem que socorre um rapaz atropelado por um ônibus e, atendendo ao último dele, beija-o na boca, é apenas o estopim para um passeio por toda a minha, a sua, a nossa sordidez.

A “bela, recatada e do lar” que vai abortar a pedido do marido, para que não ganhe peso e barriga; o pai de família que guarda a homossexualidade no fundo do armário, escondida entre a moral de meia social furada e gravatas-borboleta que nunca, em hipótese alguma, vão voar; o jornalista que carrega sua caneta com sangue e escreve em fonte cor de merda, para um povo que sorve perversidade no café da manhã, com a família reunida na mesa da cozinha, orando de mãos dadas pelo pão francês e o cadáver nosso de cada dia; o policial corrupto que consegue improvisar um porão de ditadura para cada vítima em potencial; a vizinha que preenche sua existência vazia vasculhando fuxicos e segredos alheios, sabendo-se infeliz na vida, mas radiante nas rodas – e redes – sociais. Conhecemos todos eles. Somos nós. Muito prazer.

Nós, que somos eles, estamos por aí, em todo e qualquer canto do mundo. Não era você naquele dia, comprando jornais e revistas que pingavam sangue? Não era eu naquela vez, inventando uma desculpa esfarrapada para ficar com o troco a mais que o atendente deu por engano? Não era aquela sua amiga gritando por revolução e, num outro momento, pedindo para prender manifestantes do “lado errado da luta”? Não era aquele religioso fervoroso, que aponta o dedo indicador para os prazeres do mundo, em tom de reprovação, e no outro mundo – digital – dispara cantadas e putarias mil para toda e qualquer mulher, em línguas de safadeza ininteligíveis?

Não, não era. Era o filho do vizinho.

Voltando à vaca fria, o asfalto de Nelson Rodrigues continua quente. Quase 60 anos depois de o texto em questão ganhar a vida, as páginas e os palcos brasileiros, uma multidão lotou o Palco Sesc, na Praia do Anil, durante a estreia da 12ª edição da Festa Internacional de Teatro de Angra – Fita, para duas horinhas de verdades nada secretas. Excetuando-se alguns aplausos empolgados durante as belas performances vocais dos atores e atrizes, o que se viu foi um público em silêncio quase sepulcral. Capturado pela excelência do espetáculo ou enxergando a si mesmo nos personagens da peça?

Difícil adivinhar. Ainda assim, em pelo menos alguma coisa podemos fechar a conta e passar a régua: seja na área VIP ou no fundo da tenda, no asfalto ou na estrada de terra, o beijo, meu amigo, continua sendo a véspera do escarro.

O beijo no asfalto - O musical - Crédito: Bruno Machado




Por Hugo Oliveira


quarta-feira, 1 de junho de 2016

Fita – Cinco peças imperdíveis

O blog Talk About The Passion raramente oferece postagens a respeito de peças teatrais. Isto acontece, infelizmente, por conta da dificuldade relacionada à produção de espetáculos do tipo na cidade onde os responsáveis pelo diário virtual residem.  Mesmo assim, uma vez por ano, voltamos nossas atenções a um evento dedicado exclusivamente ao teatro, a Festa Internacional de Teatro de Angra – Fita, e conseguimos colocar as opiniões em dia.

A 12ª edição da Fita vai ser iniciada no dia 3 de junho. Serão 52 peças divididas em três palcos – dois na Praia do Anil e um no Centro, no Teatro Municipal de Angra dos Reis. Num universo de espetáculos variados, seleciono aqui cinco que deverão valer cada centavo investido. Ah, e uma ótima notícia: os responsáveis pelo blog vão participar da cobertura do evento, postando neste espaço resenhas sobre cada peça assistida.  Enquanto a festa não começa, vamos às indicações.

1 – Frida y Diego

Com direção de Eduardo Figueiredo, a peça oferece um vislumbre pop e básico a respeito da relação explosiva – em todos os sentidos – entre os artistas mexicanos Frida Kahlo e Diego Rivera, dois ícones da pintura que entre brigas, declarações de amor, cumplicidade e desentendimentos, levaram adiante uma parceria emocional de 25 anos. Os atores Leona Cavalli e José Rubens Chachá interpretam o casal de protagonistas, enquanto o texto primoroso é de Maria Adelaide do Amaral. Será encenada no domingo, 5 de junho, às 19h30, no Palco Sesc – Mostra de Sucesso. Duração do espetáculo: 70 minutos. Classificação etária: 12 anos.

Frida y Diego


2 – Galileu Galilei

Costumo fugir de comédias, sejam elas em formato fílmico, teatral, televisivo etc. Isso não quer dizer que não existem obras do tipo de qualidade, mas sim, que muitas pessoas envolvidas em espetáculos do gênero investem num apanhado de clichês e fórmulas fáceis e pobres, culturalmente falando. Felizmente, este não parece ser o caso de Galileu Galilei, peça protagonizada pela atriz Denise Fraga e eleita a melhor comédia de 2015 pelo prêmio Arte Qualidade Brasil. Deitando e rolando num texto de Bertold Brecht – direção de Cibele Forjaz –, Denise Fraga interpreta o astrônomo e matemático italiano Galileu Galilei, defensor de ideias revolucionárias que foi perseguido por conta de suas opiniões e teses. Em tempos como este, de radicalismo religioso, é uma ótima pedida conferir o espetáculo. Em cartaz na quarta-feira, 8 de junho, às 19h30, no Palco Sesc – Mostra de Sucesso. Duração do espetáculo: 130 minutos. Classificação etária: 12 anos.

Galileu Galilei



3 – A cabaça da existência

Hora de bater no peito e sentir orgulho de ser angrense, por conta de ter uma turma talentosa da cidade apresentando uma peça primorosa na Fita. A cabaça da existência conta com o texto de Felipe Gustavo Barbosa e direção de Camila Rocha. É um espetáculo que narra a formação do mundo, livre de conceitos pré-estabelecidos, de acordo com a mitologia ioruba. A trilha sonora do espetáculo é outro trunfo: assinada pelo percussionista angrense Jorge Moreno Filho, o talentoso “Etiópia”, ela ajuda a sonorizar o jongo e as danças africanas presentes na peça. A cabaça da existência será apresentada na quinta-feira, 9 de junho, às 22h, no Teatro Municipal – Sessão Brasfels. Duração do espetáculo: 60 minutos. Classificação etária: 10 anos.

A cabaça da existência


4 – Contra o vento (Um musicaos)

Imagine uma pensão localizada no Rio de Janeiro da década de 60. Normal, certo? Agora, para dar o toque especial, imagine que todo mundo que veio a ser alguma coisa no cenário cultural da época – músicos, escritores, jornalistas, compositores, atores etc. – acabou morando por lá. Caetano Veloso vizinho de Ruy Castro? José Wilker pedindo um pouco de açúcar a Paulo Leminski? Bem provável. É por este caminho que segue o musical Contra o vento (Um musicaos), que conta com o texto de Daniela Pereira de Carvalho e a direção de Felipe Vidal. A história é focada num diário fictício de uma ex-moradora do Solar da Fossa, a verdadeira morada não apenas da contracultura carioca, mas da brasileira. Se a peça conseguir oferecer 25% da emoção que o livro do jornalista Toninho Vaz, “Solar da Fossa – Um território de liberdade, impertinências, ideias e ousadias”, fornece aos leitores, estaremos bem na fita. E na Fita. O musical será encenado no sábado, 11 de junho, às 21h45, na Praia do Anil – Sessão Transpetro. Duração do espetáculo: 130 minutos. Classificação etária: 16 anos.

Contra o vento (Um musicaos)


5 – O Camareiro

Grande homenageado da Fita 2016, o ator Tarcísio Meira, 80 anos de idade e seis décadas de dedicação à profissão, promete emocionar não apenas aqueles que são apaixonados pelo teatro, mas por qualquer tipo de arte. Representando um ator de saúde debilitada que reúne todas as forças para atuar num espetáculo baseado na obra de Shakespeare, ele conta apenas com seu fiel camareiro para atender suas exigências e ouvir suas ideias, reflexões e lembranças. O Camareiro vai entrar em cartaz no sábado, 18 de junho, às 19h30, na Praia do Anil – Palco Sesc / Mostra de Sucesso. Duração do espetáculo: 120 minutos. Classificação etária: 12 anos.

O camareiro 


Por Hugo Oliveira



terça-feira, 24 de maio de 2016

Julieta Venegas aconteceu para mim


Vez por outra pintam alguns artistas que cantam em espanhol no meu fone de ouvido. Entendo aqueles com dificuldades relacionadas ao idioma, mas vale ressaltar que, passada essa fase inicial de adaptação, o novo mundo musical que se abre oferece discos e canções inesquecíveis. Caso de Algo Sucede, da cantora mexicana Julieta Venegas.

Lançado em agosto do ano passado, o álbum oferece 12 canções quase irrepreensíveis. Pop, no bom sentido, até dizer chega... Ou melhor, repeat. A sonoridade das músicas acena um pouco à década de 80, mas turbinada por timbres e levadas que também remetem ao indie pop deste novo milênio. Tudo isso com o frescor latino-americano de Julieta, que faz toda a diferença quando as canções começam a aparecer.

Aliás, a primeira faixa já dá a medida do que vem pela frente. “Esperaba” bebe na fonte de “Lisztomania”, da banda francesa Phoenix. Dançante, delicada e com uma letra que homenageia o cantor e compositor argentino Charly García. “Las canciones de Charly sonando en tu casa / Me hacían flotar sobre Buenos Aires / Sobre el mundo enterro / Sobre el universo.”

Daí em diante, até a sexta faixa do disco, nenhuma canção é dispensável. Da baladinha fofa com refrão lindo “Tu Calor”, passando pelo balançado – e ótimo – primeiro single do disco, “Esse Camino”, e pelo pop cheio de teclas de “Algo Sucede”, que dá título ao álbum, Julieta bate no peito e chama para si a responsa de fazer música pop elegante e dançante, mesmo que isso não vá curar as agruras do mundo. Ao menos, do exterior.

Sim, porque música também é exorcismo. Principalmente, dos nossos demônios interiores. Neste quesito, “Uma Respuesta” e “Buenas Noches, Desolación” compõe uma dobradinha matadora. Enquanto a primeira, uma balada agridoce que fala sobre a necessidade de cantar a sua dor e de entender que para muitas coisas não há explicação – Esa es la vida, la realidad se impone / Sobre la melodía –, a segunda, parceria entre Julieta, Ale Sergi e López, oferece uma mensagem tão bonita e positiva que fica difícil não se emocionar.

“Buenas noches, desolación / Ya no quiero nada contigo, no / Buenas noche y desde hoy / Volveré siguiendo otro caminho / En verdad nunca me arrepentí / Todo lo vivido me ha servido / Todo viene y va, y yo sigo entero aqui / Ya no necesito, de tu compañía”, canta Julieta no trecho mais belo da canção, que ofereço a todos aqueles que têm passado por problemas aparentemente irresolúveis, às vezes, em sequência. Um brinde ao sol que vai nascer logo, logo.

“Dos Soledades” e “Se Explicará” vêm em seguida. Apesar de não apresentarem nenhum defeito aparente, não conseguem manter o nível das faixas anteriores. De qualquer forma, as próximas canções retomam o bom ritmo do álbum. Movida por cordas e piano, “Porvenir” mostra a cantora exibindo sua pequena voz, mas muito segura de si; “Parte Mía” soa um pouco mais eletrônica e pop, com uma batidinha clichê para grudar nos ouvidos.

O disco chega ao fim com duas ótimas canções: “Explosión” volta à batida das primeiras canções do álbum, com maestria e alto teor dançante. Em seguida, Julieta desacelera novamente, mas por um bom motivo. Na balada “Todo Está Aquí”, ela defende mais uma letra curta e direta, mostrando que a vida, apesar de tudo o que nos atrapalha, é urgente. “Todo esta aquí / Todo esta aquí / No me hagas pensar en lo que vendrá después.”

Fui. Vou ali ser feliz e já volto.






 Por Hugo Oliveira

quinta-feira, 19 de maio de 2016

O adeus das coisas

Numa cena do filme Beleza Americana (1999), o personagem Ricky Fitts, um adolescente que nas horas vagas gosta de traficar drogas e filmar o cotidiano com uma câmera, mostra à vizinha, Jane Burnham, a gravação de uma sacola de plástico flutuando à força do vento. “Foi nesse dia que percebi haver toda uma vida nas coisas e uma força incrivelmente benéfica que queria que eu soubesse que não há razão para ter medo. Existe tanta beleza no mundo que mal consigo me aguentar, e sinto o coração quase arrebentando”, diz o garoto, emocionado.

Medo, vida nas coisas e beleza no mundo, mesmo com todas as injustiças, tragédias e tristezas: é sobre isso que o mais novo livro da cantora, escritora e poetisa norte-americana Patti Smith, Linha M (2016), trata. Escrevendo ‘sobre o nada’, Patti rememora passagens de sua vida e dá prosseguimento à existência, viajando para ministrar palestras, visitar túmulos de escritores famosos ou simplesmente assistir a seriados policiais em solitários quartos de hotéis. Quase sempre movida a café preto, torrada com azeite e emoção.

Solta no mundo e ao mesmo tempo presa a memórias e objetivos, Patti consegue transmitir ao leitor estranheza e lirismo. Utilizando-se de detalhes e subtramas aparentemente superficiais em seus escritos, revela-se mestre na arte de traduzir sentimentos ininteligíveis, tocando-nos em trechos que, lidos fora do contexto – ou escritos por outra pessoa –, não significariam muita coisa.

Não existe uma história linear em Linha M. O livro é como a vida. Somos jogados de lá para cá, em tormentas e dias de sol que mais confundem do que explicam. Por mais que tenhamos a impressão de que estamos aprendendo com o tempo ou adquirindo vasta experiência no assunto, o volume de Patti Smith nos mostra que tudo vai continuar sendo como é: misterioso, mágico e dolorido. Vão-se as lágrimas e os sorrisos... Precedendo o adeus das coisas.






Por Hugo Oliveira 

terça-feira, 17 de maio de 2016

Sessões Talk About The Passion apresenta… "Tropicália"

Criado pelo jornalista Hugo Oliveira e pelo professor Ricardo Pereira, responsáveis pelo blog Talk About The Passion, o “Sessões Talk About The Passion” é um evento voltado à exibição de documentários e filmes inseridos no universo da cultura pop, com a realização de um bate-papo após cada sessão, entre os responsáveis pela iniciativa e o público.

As sessões acontecem na sala de vídeo do CCTM, em Angra dos Reis, Rio de Janeiro – no mesmo prédio do Teatro Municipal. O próximo documentário a ser exibido no “Sessões” será Tropicália (2012), de Marcelo Machado, sobre o movimento musical que bagunçou o coreto cultural do país no final dos anos 60. A exibição vai acontecer no sábado, 25 de junho, às 18h. A Entrada é gratuita, com os ingressos sendo disponibilizados ao público a partir das 16h. Classificação etária: 12 anos. Duração do filme: 90 minutos.


Sinopse: uma análise sobre o importante movimento musical homônimo, liderado por Caetano Veloso e Gilberto Gil no final dos anos 1960. O documentário resgata uma fase na história do Brasil em que cena musical fervilhava e os festivais revelavam vários novos talentos. Ao mesmo tempo, o Brasil sofria com a ditadura dos generais no poder, o que fez com que Caetano e Gil fossem exilados do país.



Por Hugo Oliveira

terça-feira, 10 de maio de 2016

Janet Malcolm e os outros jornalismos possíveis

O livro 41 Inícios Falsos, da jornalista norte-americana Janet Malcolm, não é para qualquer um.  Lançado no Brasil em fevereiro deste ano, através da coleção Jornalismo Literário – Companhia das Letras –, o volume apresenta textos que vão além de reportagens e críticas sobre personalidades ligadas ao mundo da arte, utilizando-se da erudição e da criatividade da autora para fazer com que os escritos revelem muito mais do que o trivial.

E numa época em que o jornalismo abraça a trivialidade ao mesmo tempo em que manda beijos apaixonados para o que é superficial, ler Janet equivale a medir forças com a ignorância que grassa não apenas pelo país, mas por todo o mundo. É tarefa difícil, quase impossível para um “brasileiro médio” como eu, captar suas variadas referências, acompanhar sua linha de pensamento e entender as nuances que permeiam seu trabalho. Ainda assim, desistir estava fora de cogitação.

Confesso que, apesar de ler com muita rapidez, fiquei quase três meses voltado ao livro em questão. Os textos da jornalista são, na verdade, ensaios. Eles estão sempre abertos a formatos e estranhezas literárias mil, no bom sentido. Janet consegue produzir textos curtos e certeiros, seja para descrever o método de trabalho do jornalista Joseph Mitchell ou defender a importância dos cinzeiros na obra do escritor J.D. Salinger; alonga-se também, com maestria, como no escrito que dá título ao livro ou na obra-prima A garota do Zeitgeist, um documento de quase cem páginas onde se cruzam fontes e pontos de vistas, resultando num texto interessantíssimo, a respeito da editora de uma famosa revista de arte vanguardista.

Fui chamado por uma amiga da cidade onde moro, Angra dos Reis, para falar sobre a minha profissão na escola onde ela leciona. Será um tipo de feira estudantil voltada à questão profissional.  Vou falar sobre como entrei na área, os prós e os contras, o mercado de trabalho e os pré-requisitos que ajudam na escolha do jornalismo como meio de sobrevivência. Além disso, faço questão de inserir um novo tópico na minha explanação: outros jornalismos possíveis.





Por Hugo Oliveira

terça-feira, 12 de abril de 2016

Sobrevivendo ao sobreviver

Quem tem de 30 anos para cima deve se lembrar: ao final de cada episódio do desenho animado Scooby –Doo, onde uma turma de adolescentes e um simpático cachorro esfomeado desvendavam mistérios aparentemente sobrenaturais, chegava-se à conclusão do enigma com alguma revelação bombástica quanto ao real vilão da história. “Eu teria conseguido manter a farsa se não fossem esses garotos bisbilhoteiros e esse vira-latas pulguento!”, era geralmente a fala do bandido, ao ser desmascarado e também preso pela polícia.

Na semana passada, quando assisti ao filme Rua Cloverfield, 10 (2016), do diretor Dan Tratchtenberg, tive a impressão que ia rolar um revival do ‘final à Scooby-Doo’, mas não foi isso que aconteceu. Quer dizer, até foi. Mas às avessas, de uma forma genial e acachapante.

O longa apresenta ligação, mesmo que indireta, com Cloverfield – Monstro (2008). Os atores e o diretor são outros, mantendo-se apenas o produtor J.J. Abrams, o cara que ‘apenas’ revolucionou a ficção científica e as séries televisivas com Lost. Minto. Outras coisas foram mantidas no filme lançado neste ano. Um monstro que não sabemos o nome. Ou melhor, monstros.

O que oferece mais medo: a realidade ou a fantasia? Você teme mais as sombras que aparecem quando as luzes do quarto são apagadas ou o maluco que disse ter atirado numa delas, matando-a? A ideia do fim do mundo é mais assustadora do que a realidade em que vivemos? São sobre essas questões que o longa vai brincando com o espectador durante 1h40. Brincadeira não é a palavra certa para descrever... A não ser que estejamos falando de uma novíssima modalidade, ‘estátua suada na cadeira da sala de cinema’.

Muitas emoções com um elenco tão reduzido quanto entrosado. Michelle – Mary Elizabeth Winstead – é uma mulher que, após brigar com o marido, resolve sair de casa. Para onde ela vai não sabemos, mas fica claro que a personagem não conseguirá chegar.

Um acidente entre o veículo de Michelle e outro carro faz com que a moça perca os sentidos. Ela acorda num quarto diminuto, sem janelas, acorrentada. Pouco depois de recobrar os sentidos, Howard – numa interpretação magistral de John Goodman –, que parece ser o proprietário do local, aparece para dar boas-vindas. Em pouco tempo, Michelle fica sabendo que está numa espécie de bunker, e que lá em cima, algo estranho aconteceu. Alienígenas? Ataque terrorista? Catástrofe natural? Ninguém sabe, nem ela, nem Howard e nem Emmett – John Gallagher Jr. –, o terceiro elemento preso/protegido no abrigo.

A vontade de descobrir o que aconteceu com o mundo e o que está se passando com as pessoas reunidas quase que por acaso leva o filme e o espectador às profundezas de um suspense de respeito, que oferece um final surpreendente e, com algumas ressalvas, brilhante.


Rua Cloverfield, 10 subverte o ‘final à Scooby-Doo’. Nele, o monstro real pode usar a máscara do bandido ou, até mesmo, vestir duas fantasias distintas. Mas disso, nós, brasileiros, estamos cansados de saber... Principalmente em relação ao nosso cenário político de hoje e sempre. O que teimamos em desconhecer é a capacidade de fazer um filme pipoca inteligente e tão aberto a interpretações. Que este sirva de alento. E exemplo.




Por Hugo Oliveira

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Pequeno recesso no blog... Mas já voltamos!

Por conta de compromissos pessoais e profissionais, o blog Talk About The Passion entrou num pequeno recesso. De qualquer forma, no dia 11 de abril o diário virtual volta com força total. Aguarde e confie!

terça-feira, 22 de março de 2016

Sessões Talk About The Passion apresenta… “Vinícius”

Criado pelo jornalista Hugo Oliveira e pelo professor Ricardo Pereira, responsáveis pelo blog Talk About The Passion, o “Sessões Talk About The Passion” é um evento voltado à exibição de documentários e filmes inseridos no universo da cultura pop, com a realização de um bate-papo após cada sessão, entre os responsáveis pela iniciativa e o público.

As sessões acontecem na sala de vídeo do CCTM, em Angra dos Reis, Rio de Janeiro – no mesmo prédio do Teatro Municipal. O próximo documentário a ser exibido no “Sessões” será Vinícius (2005), de Miguel Faria Jr., sobre o poeta e letrista Vinícius de Moraes. A exibição vai acontecer no sábado, 23 de abril, às 18h. A Entrada é gratuita, com os ingressos sendo disponibilizados ao público a partir das 16h. Classificação etária: 12 anos.

Sinopse: Vinícius de Moraes, o sublime poeta do cotidiano, autor de 400 poesias e 400 letras de músicas, está de volta em filme dirigido por Miguel Faria Jr. e produzido por Susana de Moraes. Para celebrar a vida e a obra de um criador multifacetado - autor teatral, poeta, parceiro dos nomes mais importantes da MPB e, acima de tudo, um iluminado personagem da história cultural do país -, o diretor Miguel Faria Jr. reuniu um incomparável elenco de parceiros, intérpretes, amigos e raras imagens de arquivo que relembram a genial simplicidade de Vinícius com a espontaneidade, humor e liberdade de quem conversa em uma mesa de bar, exatamente como gostaria o eterno Vinícius.