O blog Talk About The Passion se
despede da cobertura da 12ª Festa Internacional de Teatro de Angra – Fita com
impressões sobre quatro espetáculos encenados nas duas tendas instaladas na
Praia do Anil, nos dias 18 e 19 de junho.
No sábado, 18, O “coadjuvante de
luxo” Tarcísio Meira e grande elenco subiram ao Palco Sesc – Mostra de Sucesso
às 19h30, para a encenação da peça O camareiro. Dá-lhe emoção, profissionalismo e inventividade. A história do
experiente ator que vê a saúde decair de um dia para o outro, tendo ainda assim
que continuar atuando nos espetáculos da companhia teatral que trabalha, é uma
homenagem à arte e a todos que, mesmo que de forma indireta, mantem funcionando
as engrenagens do show.
Neste caso específico, quem merece
todas as honrarias é o personagem Norman, o camareiro do grande “sir”.
Interpretado magistralmente pelo ator Kiko Mascarenhas, ele vive através das
roupas, maquiagens, rituais e interpretações de seu chefe. Ele sabe o que o “sir” pensa e sente; sabe o
que é melhor para ele e o que deve ser feito por ele. Norman sabe. Tudo.
O camareiro é uma peça dentro de uma peça. Em ambas, a cenografia é
matadora, um primor. Primoroso também é o texto do dramaturgo britânico Ronald Harwood,
que não deixa espaço para clichês ou informações desimportantes. “Sir” vai
conseguir encenar Rei Lear? Os aviões nazistas bombardearão o teatro onde o
espetáculo está sendo encenado? Norman será lembrado no final? Sim para todos
os questionamentos. Para a vida, para a arte. Sim, valeu a pena.
O camareiro |
Na mesma noite, às 21h45, no
palco Sessão Transpetro, os atores Mariana Xavier e Paulo Mathias Jr. levaram a
engraçada história de amor de Berenice e Dagoberto ao público, através da peça O último capítulo. Por mais que alguns
momentos do espetáculo tenham sido realmente hilários, principalmente por conta
das boas atuações, a peça não mantem uma regularidade na qualidade.
Alguns trechos do espetáculo não
conseguem fugir do lugar comum “comédia de suburbanos que falam alto”. O texto
também não escapa de algumas obviedades ligadas a peças do tipo. Ainda assim, o
resultado final é ok, já que não foi preciso apelar para palavras de baixo
calão e demais artifícios de terceira para fazer o público aplaudir.
O último capítulo |
No domingo, 19, último dia da
Fita, a peça encenada no Palco Sesc – Mostra de Sucesso foi Otelo, que oferece um dos textos mais
famosos de Shakespeare. Com um grande elenco capitaneado por Mel Lisboa –
intérprete de Desdêmona – e Samuel de Assis – Otelo –, a história, sobre um
plano diabólico para fazer com que Otelo desconfie da fidelidade de sua esposa,
é tensa e dramática.
Num crescendo de acontecimentos e
lances maliciosos, assistimos a uma trama dolorida, defendida com talento pelos
atores que participam da peça. Mesmo que a duração do espetáculo ofereça alguns
momentos menos interessantes ou que a trilha sonora de Caetano Veloso não
funcione a contento, a força do clássico texto mantem o público ligado até o
final. E, aliás, que final.
Otelo |
A última peça apresentada na Fita
2016 foi encenada no palco Sessão Transpetro, às 21h45. A vida como ela é, um apanhado de contos de Nelson Rodrigues,
ganhou uma versão dinâmica da Os 100 Talentos – Companhia de Teatro, mas isso
não foi o bastante para fazer do espetáculo um dos grandes da 12ª edição do
evento.
Com esquetes rápidos, onde o
elenco se revezou em diversos personagens, ficou claro o esforço empreendido
pelos atores e atrizes em dar vida ao universo rodriguiano... Ainda que alguma coisa, algo importante, não tenha
funcionado como deveria.
Uma falsa impressão de obviedade
relacionada aos contos de Nelson Rodrigues encenados no espetáculo talvez
esteja diretamente ligada à capacidade de atuação dos atores, mesmo que eles tenham
executado a lição de casa. Ou seja: não é tarefa fácil oferecer verossimilhança
a personagens tão complexos como os de Nelson. Quando isso acontece, como
aconteceu no musical O beijo no asfalto,
sentimos logo de cara; do contrário, ficamos com aquela estranha sensação de
que algo está fora do lugar... Mesmo que não encontremos o motivo.
A vida como ela é (crédito da foto: Sarah Wandermurem) |