Um domingo típico e uma
segunda-feira com cara de quinta, véspera de feriado e também data de
pagamento. Soaram-me assim, respectivamente, o terceiro e o quarto dia da 12ª
edição da Festa Internacional de Teatro de Angra – Fita. Em 5 de junho, às 19h30,
os atores Leona Cavalli e José Rubens Chachá se esforçaram muito para dar vida
aos personagens da peça Frida y Diego,
dirigida por Eduardo Figueiredo. Apesar do texto primoroso de Maria Adelaide
Amaral, da linda cenografia de Márcio Vinícius e da entrega dos atores na
interpretação de dois dos maiores nomes das artes plásticas do México, faltou
conexão emocional com o público. Leona suava, chorava e expressava
perfeitamente as dores do corpo e da alma de Frida; Chachá, por sua vez,
caprichava na canalhice e no jeitão conquistador de um artista que, assim como
Frida, dedicou-se ao comunismo. Mesmo assim, o túnel que conecta a entrega e a
emoção dos protagonistas ao público parecia estar obstruído. Foi um espetáculo
correto. E só.
Frida y Diego |
Na mesma noite, às 21h45, o
grande elenco da peça Anti-Nelson
Rodrigues fez com que a tenda da Sessão Transpetro, na Praia do Anil,
recebesse lotação máxima, num espetáculo que prometia muito... Mas entregou
pouco. Na verdade, talvez não seja este o ponto nevrálgico desta observação.
Estamos tão acostumados ao “Universo Rodriguiano” e, principalmente, aos
caminhos – e destinos – de seus bizarros e deliciosos personagens que, ao nos
depararmos com um texto atípico, acabamos nos decepcionando. Grosso modo, a
peça nos prega uma peça: oferece-nos outra faceta de Nelson, mas com elementos
e idiossincrasias típicos de sua obra. O machão cafajeste, o marido traído, a
mocinha pura e ingênua, estão todos lá, mas de forma diferente. Causa-nos
estranheza assistir a um tipo de final feliz num espetáculo de Nelson Rodrigues,
num sentido pejorativo. A peça é muito focada na tentativa de relacionamento
entre o perverso e também rico Oswaldinho – Joaquim Lopes – e a simples e incorruptível
Joice – Luiza Maldonado –, deixando-se em aberto ótimas subtramas. Quando chega
ao fim, Anti-Nelson Rodrigues deixa
na boca do espectador um gosto confuso, misto de Chicabon malchupado e pudor
meia bomba, se é que você me entende...
Anti-Nelson Rodrigues |
Nada como um dia após o outro. Na
segunda-feira, 6, a maior parte do elenco de A morte acidental de um anarquista recebeu o público de forma
despretensiosa e animada, com música ao vivo, na entrada do Palco Sesc – Mostra
de sucesso, a partir das 19h30. Apenas Dan Stulbach, “o louco”, permaneceu no
palco, espumando ansiedade e capturando a energia de uma multidão que imaginava
assistir a um bom espetáculo de comédia, mas viu muito, muito mais do que isso.
Junte um texto formidável de Dario Fo a uma direção competentíssima – Hugo
Coelho – e a um grupo de atores talentosos e sedentos pelo palco. Imaginou?
Pois é. Ainda assim, a descrição não consegue chegar perto do poderio artístico
oriundo da peça. A história do “suicídio acidental” de um anarquista italiano acusado
de ser um dos responsáveis por uma série de atentados em Roma e Milão adentra
por temas que permanecem atuais, importantíssimos, ainda hoje – justiça,
sensacionalismo, corrupção etc. –, gerando uma comédia inteligente e ácida. Que
o som e a fúria da vida sigam detonando com a fórmula palavrão + gritaria +
personagem suburbano + gostosa de vestido curto, tão comum nas comédias brasileiras.
Vida longa à arte; às favas com as simplificações.
A morte acidental de um anarquista |
Mais tarde, às 22h, o palco do
Teatro Municipal de Angra dos Reis recebeu o ator Silvero Pereira para a
apresentação da peça/murro Br-Trans,
sobre o universo dos travestis e transexuais brasileiros. Espetáculo
doloridíssimo e impactante. Uma ode à dor e à delícia perigosa de ser o que é
num mundo cada vez mais intolerante, violento e doente. Sozinho, Silvero
interpreta Gisele, Bruna, Babi e tantas outras. Ri, chora, dança, enlouquece e
silencia. Olha o público nos olhos e enxerga a esperança de um povo mais humano
em cada lágrima derramada pela plateia – e são muitas. Enlouquece-nos com sua
entrega, seu talento; enlouquece com tanta tristeza, tamanha dor. É o triunfo
da tragédia em cartaz.
No Brasil do futebol e do
carnaval, somos os campeões em assassinatos de travestis e transexuais. Somos o
7 a 1 da intolerância e a Sapucaí do preconceito. Enquanto não discutirmos
gênero e sexualidade de forma séria – e cada vez mais precoce – nas escolas, na
sociedade e em cada canto deste país, seremos o que sempre fomos: uma turba
embriagada de ódio, prontinha para apedrejar Geni, que está naquela mesa no
fundo do boteco, sozinha, com uma cerveja barata, chorando sem saber o porquê.
Joga pedra, bosta, cuspe, porra, lixo e mijo na Geni. Foda-se ela. Glória a Deus nas alturas da nossa ignorância.
Br-Trans |
Por Hugo Oliveira
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