"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

terça-feira, 7 de junho de 2016

Nada como um dia após o outro... Na Fita

Um domingo típico e uma segunda-feira com cara de quinta, véspera de feriado e também data de pagamento. Soaram-me assim, respectivamente, o terceiro e o quarto dia da 12ª edição da Festa Internacional de Teatro de Angra – Fita. Em 5 de junho, às 19h30, os atores Leona Cavalli e José Rubens Chachá se esforçaram muito para dar vida aos personagens da peça Frida y Diego, dirigida por Eduardo Figueiredo. Apesar do texto primoroso de Maria Adelaide Amaral, da linda cenografia de Márcio Vinícius e da entrega dos atores na interpretação de dois dos maiores nomes das artes plásticas do México, faltou conexão emocional com o público. Leona suava, chorava e expressava perfeitamente as dores do corpo e da alma de Frida; Chachá, por sua vez, caprichava na canalhice e no jeitão conquistador de um artista que, assim como Frida, dedicou-se ao comunismo. Mesmo assim, o túnel que conecta a entrega e a emoção dos protagonistas ao público parecia estar obstruído. Foi um espetáculo correto. E só.


Frida y Diego

Na mesma noite, às 21h45, o grande elenco da peça Anti-Nelson Rodrigues fez com que a tenda da Sessão Transpetro, na Praia do Anil, recebesse lotação máxima, num espetáculo que prometia muito... Mas entregou pouco. Na verdade, talvez não seja este o ponto nevrálgico desta observação. Estamos tão acostumados ao “Universo Rodriguiano” e, principalmente, aos caminhos – e destinos – de seus bizarros e deliciosos personagens que, ao nos depararmos com um texto atípico, acabamos nos decepcionando. Grosso modo, a peça nos prega uma peça: oferece-nos outra faceta de Nelson, mas com elementos e idiossincrasias típicos de sua obra. O machão cafajeste, o marido traído, a mocinha pura e ingênua, estão todos lá, mas de forma diferente. Causa-nos estranheza assistir a um tipo de final feliz num espetáculo de Nelson Rodrigues, num sentido pejorativo. A peça é muito focada na tentativa de relacionamento entre o perverso e também rico Oswaldinho – Joaquim Lopes – e a simples e incorruptível Joice – Luiza Maldonado –, deixando-se em aberto ótimas subtramas. Quando chega ao fim, Anti-Nelson Rodrigues deixa na boca do espectador um gosto confuso, misto de Chicabon malchupado e pudor meia bomba, se é que você me entende...


Anti-Nelson Rodrigues


Nada como um dia após o outro. Na segunda-feira, 6, a maior parte do elenco de A morte acidental de um anarquista recebeu o público de forma despretensiosa e animada, com música ao vivo, na entrada do Palco Sesc – Mostra de sucesso, a partir das 19h30. Apenas Dan Stulbach, “o louco”, permaneceu no palco, espumando ansiedade e capturando a energia de uma multidão que imaginava assistir a um bom espetáculo de comédia, mas viu muito, muito mais do que isso. Junte um texto formidável de Dario Fo a uma direção competentíssima – Hugo Coelho – e a um grupo de atores talentosos e sedentos pelo palco. Imaginou? Pois é. Ainda assim, a descrição não consegue chegar perto do poderio artístico oriundo da peça. A história do “suicídio acidental” de um anarquista italiano acusado de ser um dos responsáveis por uma série de atentados em Roma e Milão adentra por temas que permanecem atuais, importantíssimos, ainda hoje – justiça, sensacionalismo, corrupção etc. –, gerando uma comédia inteligente e ácida. Que o som e a fúria da vida sigam detonando com a fórmula palavrão + gritaria + personagem suburbano + gostosa de vestido curto, tão comum nas comédias brasileiras. Vida longa à arte; às favas com as simplificações.


A morte acidental de um anarquista


Mais tarde, às 22h, o palco do Teatro Municipal de Angra dos Reis recebeu o ator Silvero Pereira para a apresentação da peça/murro Br-Trans, sobre o universo dos travestis e transexuais brasileiros. Espetáculo doloridíssimo e impactante. Uma ode à dor e à delícia perigosa de ser o que é num mundo cada vez mais intolerante, violento e doente. Sozinho, Silvero interpreta Gisele, Bruna, Babi e tantas outras. Ri, chora, dança, enlouquece e silencia. Olha o público nos olhos e enxerga a esperança de um povo mais humano em cada lágrima derramada pela plateia – e são muitas. Enlouquece-nos com sua entrega, seu talento; enlouquece com tanta tristeza, tamanha dor. É o triunfo da tragédia em cartaz.

No Brasil do futebol e do carnaval, somos os campeões em assassinatos de travestis e transexuais. Somos o 7 a 1 da intolerância e a Sapucaí do preconceito. Enquanto não discutirmos gênero e sexualidade de forma séria – e cada vez mais precoce – nas escolas, na sociedade e em cada canto deste país, seremos o que sempre fomos: uma turba embriagada de ódio, prontinha para apedrejar Geni, que está naquela mesa no fundo do boteco, sozinha, com uma cerveja barata, chorando sem saber o porquê.

Joga pedra, bosta, cuspe, porra, lixo e mijo na Geni. Foda-se ela. Glória a Deus nas alturas da nossa ignorância.


Br-Trans
           

Por Hugo Oliveira


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