"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

quinta-feira, 19 de maio de 2016

O adeus das coisas

Numa cena do filme Beleza Americana (1999), o personagem Ricky Fitts, um adolescente que nas horas vagas gosta de traficar drogas e filmar o cotidiano com uma câmera, mostra à vizinha, Jane Burnham, a gravação de uma sacola de plástico flutuando à força do vento. “Foi nesse dia que percebi haver toda uma vida nas coisas e uma força incrivelmente benéfica que queria que eu soubesse que não há razão para ter medo. Existe tanta beleza no mundo que mal consigo me aguentar, e sinto o coração quase arrebentando”, diz o garoto, emocionado.

Medo, vida nas coisas e beleza no mundo, mesmo com todas as injustiças, tragédias e tristezas: é sobre isso que o mais novo livro da cantora, escritora e poetisa norte-americana Patti Smith, Linha M (2016), trata. Escrevendo ‘sobre o nada’, Patti rememora passagens de sua vida e dá prosseguimento à existência, viajando para ministrar palestras, visitar túmulos de escritores famosos ou simplesmente assistir a seriados policiais em solitários quartos de hotéis. Quase sempre movida a café preto, torrada com azeite e emoção.

Solta no mundo e ao mesmo tempo presa a memórias e objetivos, Patti consegue transmitir ao leitor estranheza e lirismo. Utilizando-se de detalhes e subtramas aparentemente superficiais em seus escritos, revela-se mestre na arte de traduzir sentimentos ininteligíveis, tocando-nos em trechos que, lidos fora do contexto – ou escritos por outra pessoa –, não significariam muita coisa.

Não existe uma história linear em Linha M. O livro é como a vida. Somos jogados de lá para cá, em tormentas e dias de sol que mais confundem do que explicam. Por mais que tenhamos a impressão de que estamos aprendendo com o tempo ou adquirindo vasta experiência no assunto, o volume de Patti Smith nos mostra que tudo vai continuar sendo como é: misterioso, mágico e dolorido. Vão-se as lágrimas e os sorrisos... Precedendo o adeus das coisas.






Por Hugo Oliveira 

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