Numa cena do filme Beleza Americana (1999), o personagem
Ricky Fitts, um adolescente que nas horas vagas gosta de traficar drogas e
filmar o cotidiano com uma câmera, mostra à vizinha, Jane Burnham, a gravação
de uma sacola de plástico flutuando à força do vento. “Foi nesse dia que
percebi haver toda uma vida nas coisas e uma força incrivelmente benéfica que
queria que eu soubesse que não há razão para ter medo. Existe tanta beleza no
mundo que mal consigo me aguentar, e sinto o coração quase arrebentando”, diz o
garoto, emocionado.
Medo, vida nas coisas e beleza no
mundo, mesmo com todas as injustiças, tragédias e tristezas: é sobre isso que o
mais novo livro da cantora, escritora e poetisa norte-americana Patti Smith, Linha M (2016), trata. Escrevendo ‘sobre
o nada’, Patti rememora passagens de sua vida e dá prosseguimento à existência,
viajando para ministrar palestras, visitar túmulos de escritores famosos ou
simplesmente assistir a seriados policiais em solitários quartos de hotéis.
Quase sempre movida a café preto, torrada com azeite e emoção.
Solta no mundo e ao mesmo tempo
presa a memórias e objetivos, Patti consegue transmitir ao leitor estranheza e
lirismo. Utilizando-se de detalhes e subtramas aparentemente superficiais em
seus escritos, revela-se mestre na arte de traduzir sentimentos ininteligíveis,
tocando-nos em trechos que, lidos fora do contexto – ou escritos por outra
pessoa –, não significariam muita coisa.
Não existe uma história linear em
Linha M. O livro é como a vida. Somos jogados de lá para cá, em tormentas e
dias de sol que mais confundem do que explicam. Por mais que tenhamos a
impressão de que estamos aprendendo com o tempo ou adquirindo vasta experiência
no assunto, o volume de Patti Smith nos mostra que tudo vai continuar sendo
como é: misterioso, mágico e dolorido. Vão-se as lágrimas e os sorrisos... Precedendo
o adeus das coisas.
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