Por que diabos guardamos cartas
antigas? Os mais novos não saberão a que me refiro, trocam e-mails, mensagens,
snaps, o que seja que não perdura. Eles não correrão o risco de encontrar por
acaso, numa gaveta empoeirada, papéis levemente envelhecidos com a tinta da
caneta escrita por mãos apaixonadas, magoadas, saudosas ou arrependidas.
Num domingo chuvoso e melancólico
em que, a despeito de uma enorme carga de trabalho, sair da cama parece um
sacrifício, ao finalmente tomar a decisão, procurar um texto repleto de
anotações que me seriam preciosas para uma aula da semana, encontro um amontoado
de cartas. Saco duas aleatoriamente, datadas com diferença de um ano e alguns
meses e ponho-me a ler, já sabendo as possíveis consequências. Não é possível
mexer com o passado e sair ileso. Não em um dia como hoje.
O disco da Iris DeMent consegue
tornar tudo ainda mais patético – um brinde à música country por
sentimentalizar qualquer momento, até o que não precisa de auxílio algum. As
duas cartas flagram momentos absolutamente distintos. Na primeira, o
encantamento por uma relação que só cresce e se fortifica com o tempo e as
dificuldades, a narrativa de belos momentos vividos, a esperança-quase certeza
de que com o tempo seria possível chegar a um patamar ainda maior e mais bonito
e amor declarado com letras maiúsculas. A segunda carta é o oposto, há amor não
declarado abertamente, há muita saudade e há, acima de tudo, a perplexidade em
tentar entender como tudo aquilo chegou ao fim, como conseguir levar a vida sem
a presença do outro (eu, mas hoje não mais o que sou, outro eu muito menos eu
do que gostaria de ser sem saber se serei um dia capaz de ser mais eu sendo um
pouco do eu que fui outrora). Há lágrima, vazio, ar parado, espaço ainda não
preenchido.
A juventude é uma doença, li em
algum lugar. As cartas datam de mais de dez anos, hoje sei o que poderia ser
feito, o que deveria ter feito, o que ao menos precisaria ser tentado, mas o
orgulho, a impaciência, a precipitação e a arrogância, sintomas dessa patologia juvenil não deixaram, não deixariam e nem deveriam. “Tudo tem um porquê, mas pra mim
tardou demais, demorou demais” – canta a voz do disco que entra em sequência.
Guardamos as cartas, é óbvio,
para acessar a saudade e também para lembrar que já fomos capazes de viver
tanta beleza. “Ao avistar você, amor, eu soube que iria me perder” – será que
meus discos, suas canções realmente conversam comigo, sabem o que se passa por
aqui? Seria bonito pensar assim, mas não. Daqui a pouco serei lembrado que “o
peso da decisão, da escolha definitiva cai sobre mim”, no entanto o tempo
passou, gosto de pensar que venci o “desafio ao meu poder de cicatrização”,
ainda que esse texto pareça dizer o contrário.
Seguindo com o álbum – Trovões a me atingir, Jair Naves –, sigo
em busca de seguir em frente com o que tenho no presente, em busca “do bem
maior”, com a certeza de que “a luta se faz valer por quem me amou e por quem
eu amei”.
“Então fecha os meus olhos,
que o amor encubra o som do mundo a ruir."
|
Por Ricardo Pereira
Nenhum comentário:
Postar um comentário