"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Fora o baile

Hoje vou arrebentar, não vejo a hora do João chegar pra gente quebrar tudo nesse Carnaval! Fiz até hora extra na academia pra ficar tinindo. Comprei três garrafas de vodka, mas não qualquer merda, que é pra impressionar.

João chegou e vamos pra guerra, ela tá forte pra caralho, tem o peitoral mais bonito que já vi. Combinamos nossas estratégias, vamos encher a cara e arrastar umas boyzinha pra finalizar. Não vai ser difícil, a gente tá foda, bombadão, estrondando. Olho pro João e penso “que mulher não gostaria de dar pra ele?”.

Antes de ir pros blocos, vamo parar no posto de gasolina. João abre o porta-malas e bota a música bombando, irado, trance mesmo, não importa que é Carnaval. Tem estilo, o cara. Lá encontramos o Lacraia, o Bittencourt e o Jonas, já no esquema. Vamo ter que beber rápido pra chegar no nível dos cara.

Finalmente na praia, já chegamo arrastando geral. Foda-se se a mulher não quer, com nós cinco junto não tem essa. Quatro montanhas cercando e um pegando. Umas fingem que não gostam, se fazem de difícil, mas a gente sabe que é isso que elas querem! E quando é da boa, todo mundo pega!

Lacraia me chama pro banheiro. “Porra, Lacraia, isso é pó!”. “Qual é, vai arregar?! Tu vai ficar ligado, brother.” Fui nessa então.

Cansei de pegar essas piranhas. É hora de eu e João escolher as que vamo finalizar. “Tá vendo aquelas vagabundas com camisa de futebol? Tão doida na gente, vamo com tudo!”. “Podicrê, a tricolor é falsa tímida, deve ser maior metedeira. E a vascaína, olha o naipe, tá na cara que é safada”.

Fiquei aliviado delas estarem com camisa de clube. Pra arrastar, tem que trocar ideia, pelo menos vou ter assunto, tirar onda com meu Mengão, claro. Não entendo nada dessa porra, mas todo mundo na academia é Flamengo, não quero ficar de fora! Sem contar que jogo é micareta, vai todo mundo zoar junto, estrondar geral. Às vezes é uma merda esperar o jogo acabar, mas sempre vale a pena no final. Na verdade gosto até mais quando o Mengão perde, porque é mais fácil sair na porrada depois, todo mundo neurótico.

Nem foi tão difícil, as vagabunda não resistiram ao nosso desenrolo, em meia hora távamos no carro. João dirige bonito pra caralho, relaxadão, braço pra fora do carro, gesticulando, é o cara. A vodka tá descendo malzão, mas não posso demonstrar... “Aí, João, tá fraco, hein?! Me dá essa porra aí, vamo beber!” Dei um gole sinistro, no gargalo mesmo. Tá foda...

Fomos os quatro pro quarto do João, ele já chegou com tudo pra cima da tricolor, mulher de sorte, João deve mandar benzão! Não posso demonstrar, mas tô sem condições... Essa vascaína é mó gata, mas tô com nojo dos corno dela. Agora não importa, não posso decepcionar meu brother. Já começo querendo acabar, disposição zero. Enquanto isso, João e a mulherzinha dele se atracam ferozmente e a voz dela chamando ele de gostoso ecoa em minha mente. Já não ligo mais pra porra nenhuma. “Rala!” A mulher pulou de cima de mim, esboçou um protesto e saiu do quarto cambaleante.

Parto pra cima da mulher de João, curvada sobre ele. Por um segundo, ela imagina que quero participar da brincadeira, até sentir o zunido em seu ouvido. A primeira porrada na cara jogou ela longe. “Que isso, mermão?!”, e a voz de João parecia distante, assustada. Agora nada mais vai me parar, começo a chutar a cara daquela desgraçada repetidamente e ao ver o sangue escorrer melando meu corpo, me sinto excitado de verdade pela primeira vez naquele dia.

Só paro quando seu rosto vira uma espécie de maçaroca, totalmente desfigurado. Encosto minha testa suada na janela do quarto – nenhum sinal de João – e, sem pensar em nada, me divirto orgulhoso admirando o reflexo de meu corpo e sentindo meu coração desacelerando.


Por Ricardo Pereira

9 comentários:

  1. Ele queria mesmo era o João. O texto inteiro fica só idolatrando o cara e depois acaba com a mulher que separou ele do João. Enfim, estranhamente queria que estivesse escrevendo isso numa interpretação de uma prova sua. Sinto saudades do excelente professor que você foi pra mim. Obrigada pelas aulas e por esse texto. Ficou muito bom!

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  2. Po Ricardo, falta é o que eu mais sinto sua, só tenho professor filha da puta e que tenho nenhuma vontade de aprender com o estilo deles e lembro de como aprendia com você!! Só falto você para eu sentir vontade de aprender denovo com seu estilo muito doido!!!

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  3. Oi Fernanda, obrigado pelos elogios! Se eu coloco um texto desse na prova, sou mandado embora de novo rs Sinto saudades de vocês também!

    Valeu mesmo, João. É importante saber isso aí, que mesmo com 'estilo muito doido' - talvez por isso rs - você tenha aprendido com minhas aulas!

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  4. Maneiro! Um conto homoplayboy. Primeiro que eu leio do gênero.

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  5. HomoPlayboyFlamenguista...acabou com todo mundo com um só tiro!!! Cool!!!

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  6. Boa Ricardo! Me amarrei no conto cara! Eu to lendo um livro do Rubens Fonseca, Feliz Ano Novo, não conhecia esse autor mas to gostando MUITO do livro, e esse conto fico muito no estilo dele, engraçado e macabro ao mesmo tempo. Muito bom! Continua postando cara! Abraço.
    Caio Maia

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  7. Caros amigos, tratem de procurar abrigo, pois nesses dias que vem vindo, o mundo, mais que nunca, pertence aos Lacraias e Joãos... Talk about my generation...

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  8. Valeu, caras, fico feliz que tenham gostado!

    É por aí mesmo, Rodrigo rs

    Caio, na verdade Rubem Fonseca foi inspiração pra isso aí, meio que um exercício de estilo, escrever parecido com ele. É mais difícil do que parece rs E 'Feliz ano novo' é muito foda mesmo! Leia depois 'Lúcia McCartney'!

    Pô, Cecel, eles tão sempre por aí... O problema do Carnaval é que é tipo reunião dessa raça em tudo que é lugar...

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