Acabei de ler O Filho Eterno, de Cristóvão Tezza. O livro é baseado na experiência pessoal do autor, narrando em terceira pessoa a relação de um pai com seu filho portador de síndrome de Down. O livro é muito bem escrito e corajoso pelo fato de o autor relatar sentimentos que normalmente as pessoas prefeririam esconder. Recomendo a leitura.
Em determinados momentos, acabei me identificando com o autor, ou melhor, o personagem, pai do menino, tanto por sua visão de mundo quanto por como lida com a vida. Poderia transcrever inúmeras passagens que gostei – as referências à importância do futebol são muito boas -, mas selecionei essas três:
“A turbulência dos ritos de passagem – mais um momento de rompimento; parece que agora os intervalos estão mais curtos entre um e outro. Sente cansaço, mas ainda tem energia de sobra aos 30 anos – é preciso decidir o que fazer da vida e se sente dolorosamente incapaz de sobrevivência. Dinheiro: é preciso ganhar dinheiro. (...)
Ao mesmo tempo, intui uma mudança de vida que é incapaz de verbalizar mas sabe o que é: ir embora. Não tomar nenhuma iniciativa, mas deixar que a deriva da vida o empurre para outra direção – largar mulher, filhos, sobradinho, passado; recomeçar a vida passando-a a limpo, mais uma vez. Foda-se, exaspera-se ele, claustrofóbico, acendendo outro cigarro e pensando na cerveja da noite, enquanto o filho, agora, se apóia no encosto do banco, já em pé.”
“A felicidade. Sempre sentiu medo dessa palavra, que lhe soa arrogante, quando levada a sério; quando usada ao acaso, gastou-se completamente pelo uso e não corresponde mais a coisa alguma, além de um anúncio de tevê ou uma foto de calendário. O pai, entretanto, é movido a alegria, um sentimento fácil na sua alma – tanto que às vezes se pergunta se o idiota não seria ele, não o filho, por usar tão mal suas habilidades e competências, em favor de miudezas. Para manter a alegria, entretanto, é preciso desenvolver algumas técnicas de ocultação da realidade, ou morreríamos todos.”
“Nunca vale a pena voltar ao passado, dizia-lhe um amigo de infância. Quando a volta acontece, a carência é tão grande que somos sufocados por tudo que nos falta para imobilizar o tempo e a vida. Acabou-se o que era doce: Fim – ele lê na tela imaginária. Não insista.”
É isso, amanhã devo começar a reler Os Irmãos Karamazov ou a ler a biografia do Dylan, ou os dois.
Por Ricardo Pereira
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