"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Voltar a cantar

Um dos períodos mais traumáticos da minha vida se deu quando eu tive que parar de cantar. Na verdade, quem impôs a pausa não foi o "suposto" calo nas cordas vocais; nem a minha vida profissional e/ou emocional. Acho que fui eu, mesmo que inconscientemente, que dei um basta naquilo que eu mais gostava de fazer. E gosto.

Não tenho ilusões. Amo ser jornalista - apesar de todas as dificuldades - e tenho adorado, cada vez mais, atuar como DJ, mas a minha alma é mesmo de artista. Meio pretensioso, não? Pomposo, até. Mas é assim. Sou feliz demais dentro de uma sala de ensaio com quatro, cinco caras, todos suados, mal encarados, empunhando instrumentos musicais e fazendo barulho. Ah, a poesia de três acordes maltratados. Triste de quem nunca viveu isso. E os shows? Na verdade, na maioria das vezes, eles nem poderiam ser chamados de shows. Eram apresentações improvisadas, aparelhagem insuficiente, infraestrutura idem. Mas eu era feliz. Demais.

E aí, veio a merda. Primeiro, uma falha mínima na voz, cantando. Todo mundo rindo das minhas reclamações, mas eu lá, insistente, sabendo o que estava sentindo - será? E com medo, muito medo. Pavor, na verdade. Imagine que você passou quase dez anos da sua vida ensaiando, tocando, fazendo shows, compondo e, de repente, tudo se acaba, num piscar de olhos. Foi assim. Depois do "probleminha inicial", ladeira abaixo: a falha que era mínima cresceu, se espalhou também pela voz, ao falar. The show is over. Say goodbye.

Pensei que ia ficar mudo. Que meu futuro, como músico e jornalista, já era. Não foi bem assim, felizmente. A carreira como bacharel em Comunicação Social vai "indo", obrigado. A faceta musical? Ainda empacada. Mas existe esperança. A insegurança ainda reina por aqui, mas venho tentando encará-la de frente, cara a cara. Não é assim que tem que ser? Conviver com o que mais nos mete medo para perder o temor? Estou lutando. Sim, já entrei numa aula de canto, mas desisti. Não aguentei a pressão que eu mesmo coloquei sobre os meus ombros. Mas eu estava no meu quarto, quase agora. Violão em punho, voz presente, embora imperfeita - para os meus padrões. E minhas letras.

Foi mau aê, mas eu me lembrei que eu sou bom. Não um gênio, um virtuoso - arghhh! - ou um poeta. Mas eu sou bom. Não em todas as músicas, minhas músicas. Devo ter criado umas 50 canções durante toda a minha vida. Metade é ruim. Umas 15 são razoáveis. Uma dezena delas é boa... Com algumas realmente ótimas - às favas com a falsa modéstia.

Vou deixar a letra de uma delas aqui, intitulada "Um cantor". É um "countryzinho quatro acordes". Faz parte do grupo das boas, penso eu. Foi composta nos meus "drugstore days", quando eu trabalhei numa farmácia, no Centro de Angra dos Reis.


Um cantor

Toda essa gente nova já é tão velha
E tão certa de que é tão nova
Consomem alegria e vomitam horror
Tornando o mundo mudo e sem amor

E a poesia está ardendo em febre
A poesia está gritando de dor
A verdadeira poesia profere
"Não é assim que se faz"

Um cantor
Não canta sobre o seu pudor
Um cantor
Canta o ódio
E o amor

E agora as nuvens correm como insetos
E o cheiro da chuva me é familiar
Esqueço bits, intrigas e restos
Torno-me Deus do meu próprio lugar

Minhas canções são feitas e perfeitas
Apenas com minha imperfeição
O recheio é feito de realidade
E a cobertura é de ilusão

Um cantor
Não canta sobre o seu pudor
Um cantor
Canta o ódio
E o amor

E o amor... E o amor... E o amor...

Fim


Um cantor


Por Hugo Oliveira

Obs: esta postagem é dedicada ao meu amigo Alexandre Campos, que faz aniversário na quinta, dia 16 de dezembro.  Jornalista e músico de mãos cheias, o popular "Chiquinho" é também um cara muito, muito centrado. E eu tenho um puta orgulho disso, por mais que ele ache que não. De qualquer forma, eu também me sinto no dever de dar um toque.

Cara, eu gostaria muito de te ver tocando novamente. Pense a respeito.

9 comentários:

  1. Puxa Hugo! De todas as bandas daquela época, Malkavianos me emocionava sempre. 'Morra mídia, a menina morte... Chuva de verão...' Não dá pra esquecer! Mesmo depois de tanto tempo. O jeito que você cantava era emoção pura, atitude... E isso foi mais que tudo. Ganhei o dia com este post! Desejo sucesso sempre!!! :)

    ResponderExcluir
  2. Hugo, muito obrigado pela homenagem. Eu admiro bastante você. Por razões lícitas e ilícitas. Sério mesmo. É uma admiração que resvala na inveja. Além disso, nossas histórias são parecidas. Não só uma com a outra, mas ambas com muitas outras.

    ResponderExcluir
  3. Quando eu era criança, a primeira coisa que eu quis ser foi motorista de ambulância. Um desejo muito incomum é verdade. Mas talvez explicável pelo fato de a minha mãe ter trabalhado em hospital e, vez em quando, eu ir visitá-la no trabalho.
    Depois quis ser astronauta, piloto de formula 1 e até jogador de futebol. Embora esta última aspiração eu nunca tenha levado muito a sério, mesmo sendo criança, porque sabia que eu era um perna-de-pau.
    Fui crescendo e querendo ser mais algumas outras coisas, até que cheguei aos meus 15 anos, mais ou menos, e começou a emergir um desejo muito intenso: ter uma banda pra virar rockstar. Daí comecei a tentar compor, tentar tocar, tentar... tentar... até que quando eu tinha 20 anos eu e meus amigos formamos uma banda. Começamos a fazer algumas apresentações, ensaiar, gravar e .. brigar, discutir etc. Tudo isso faz parte da rotina de uma banda.

    ResponderExcluir
  4. Com o passar do tempo fui ajustando meus sonhos à realidade: em vez de querer ser um rockstar, comecei a querer "apenas" que minha banda tivesse um lugar de destaque no cenário underground nacional. Um sonho mais viável, embora ainda bastante difícil.
    A banda acabou depois de cinco anos e, motivado pelas sobras de estúdio e pelo simples prazer de tocar, resolvi continuar sozinho: gravei dois CDs dessa forma. Ironicamente, consegui produzir mais e em menos tempo sozinho do que com a banda (pelo menos, quantitativamente).
    Até que a pressão por ter que trabalhar, estudar, sair de casa, começou a pesar de tal maneira que não deu mais pra manter o "hobby-sonho". Isso explica por que parei de tocar. Mas explica parcialmente. Além dessas coisas, o gosto por rock diminuiu um pouco (bem pouco), a motivação pra tocar também. A paciência pra ficar durante horas num ambiente esfumaçado, cheio de gente de camisa preta, esperando a hora de subir no palco pra tocar também ficou menor. Assim como a motivação para entrar nas rodinhas nos shows.

    ResponderExcluir
  5. Acho que tudo isso tem a ver com as passagens de fase na vida e as decorrentes mudanças de objetivos e prioridades, sei lá. No livro O que é rock, Paulo Chacon escreve que nossa "fase roqueira" vai da primeira mesada até o primeiro salário. Isso faz sentido. Ainda que algumas pessoas discordem, talvez os motociclistas barbudos, que apesar da idade avançada ainda cheiram a espírito jovem, na prática, é assim que acontece pra quase todo mundo. E a minha história não é muito diferente da de muitos. Qual adolescente roqueiro não quis ter uma banda e virar artista? Quantos não montaram uma banda que mais tarde acabou?
    Quando temos um instrumento nas mãos e somos jovens, ficamos inclinados a nos achar especiais. Achamos que nossas canções são pérolas com as quais presentearemos o mundo. Como se cada canção fosse uma grande revelação a ser feita ao grande público. Mas essa onipotência é tipicamente juvenil. A cada dia, em todas as cidades, "a vida imita o vídeo, garotos inventam um novo inglês, vivendo num país sedento num momento de embriaguês". O que significa que jovens e mais jovens estão por aí, inspirando-se nos videoclipes de seus artistas favoritos, ensaiando covers num inglês tosco, sonhando com a grandiosidade de ser um astro do rock, a despeito de se morar em um subúrbio ou em uma cidade interiorana de um país subdesenvolvido e toda falta de perspectiva e cerceamento de oportunidades que isso acarreta. Afinal, sonhar é para todos. Mais tarde, descobrimos que "somos quem podemos ser", e passamos a levar nossas vidas do jeito que dá.

    ResponderExcluir
  6. Nós, jovens-roqueiros-membros-de-bandas, achamos que temos algo incrível pra mostrar, mas, basicamente, copiamos nossos ídolos. Mas estamos perdoados. Porque eles, nossos ídolos, também copiaram os ídolos deles. A coisa é cíclica. O rock é um gênero pobre musicalmente e repetitivo. Os mais jovens ouviram menos música que os mais velhos, por isso, incautos, não se dão conta dessa repetitividade. Um capítulo do Chaves pode ser sensacional para o meu priminho, mas eu já decorei as falas dos personagens. A coisa é cíclica. As gerações passam e o rock fica (e o Chaves também). Depois de alguns anos, descobre-se como funciona a engrenagem, e o que era raro fica comum.
    Até nossos sonhos são padronizados, porque nos são incutidos de uma mesma fonte. Mas, no meu íntimo, sei que em um momento de minha vida sonhei com algo bastante original. Afinal, quantas crianças de mais ou menos cinco anos vocês conhecem que quer ser motorista de ambulância?

    ResponderExcluir
  7. Mas esqueçam tudo que eu disse. O importante é a afirmação do nosso amigo Hugo:
    “Sou feliz demais dentro de uma sala de ensaio com quatro, cinco caras, todos suados, mal encarados...”
    KKKKK. Cara, isso é bonito demais!!! Nunca tinha visto a coisa por esse ângulo. Rsrs. Abc!

    ResponderExcluir
  8. Fala Alexandre! Gostei pra caramba do que escreveu aí, é difícil mesmo manter a 'essência rock n' roll' depois de algum tempo... Hugo mesmo já teve problema com banda por causa disso. É normal esse desencanto, eu, quando era criança, queria ser o John Lennon. Hoje, tentar ser o melhor que eu puder como professor, mesmo ganhando pouco, já é muito rs

    Feliz aniversário, cara. (hoje ou amanhã?)

    E eu gosto muito de Engenheiros... e de Chaves também rs

    Abraço!

    ResponderExcluir