Faltava menos de uma hora para meia noite. Olhava as poucas pessoas na rua: putas, mendigos, trabalhadores noturnos, bêbados... Eram reais ou figurantes do seu ego?
Sentia-se superior ao resto do mundo, pensava ter escolhido a solidão. Era só fechar os olhos exaustos e lembrar-se de sua adolescência, do desprezo que sentia pelas pessoas, por qualquer pessoa. Nunca entendera o Natal, suas luzes, presentes, hipocrisia e falsa felicidade.
Agora, aos quarenta e dois, sozinho no centro da cidade, pela primeira vez desejou alguém ao seu lado. Para... comemorar? Tirou uma nota da carteira e deu ao primeiro bêbado que encontrou. Ao ouvi-lo agradecer com um balbuciante “Feliz Natal”, teve vontade de jogar o homem no chão, socá-lo até arrebentar suas próprias mãos, fazê-lo engolir a nota entregue. Mas ficou estático, olhando o pobre diabo – real? imaginário? – afastar-se cambaleante, rumo a sua falta de rumo.
“Robert? Robert?” Ouvia as poucas mulheres de sua vida chamarem seu nome, como fantasmas ao seu redor, trazendo desconforto e exacerbando seu estado. Precisava beber alguma coisa. Sozinho não tinha porque forjar a auto-suficiência que ostentava para o mundo. Precisava se afastar da realidade.
Entrou em uma igreja. Fiéis preparavam-se para celebrar o nascimento de Jesus. E o seu? Quando se daria? Sentia-se aniquilado, anos de fingimento escoavam de si, como uma hemorragia emocional. Precisava de alguém por perto para que pudesse se defender, para que voltasse a ser o que sempre fora fingindo ser o que não era.
Não! Ninguém por perto!! Seria capaz de expulsar qualquer conhecido que tentasse se aproximar. Nunca tivera afeição por sua família, não acreditava em amizade, o dinheiro sempre fora sua religião. E assumindo-se profeta de sua crença, fez-se a luz. Demitiria todos os funcionários de sua empresa, ele mesmo daria a notícia, admiraria o desespero e frustração de cada um deles. Encontraria, no sofrimento alheio, uma razão para viver.
Finalmente conseguira estar de acordo com o mundo como o enxergava. Um dia seria reconhecido grande líder, um messias dos tempos vindouros. E caminhando pelas ruas escuras, transtornado, cego, com os olhos esgazeados, sentiu, pela primeira vez, conseguir um tão desejado feliz natal.
Por Ricardo Pereira
Fico sem palavras como no conto sobre o mar! Você consegue reflexões profundas em poucas linhas. Excelente!
ResponderExcluirObrigado, Norielem! Feliz mesmo que você tenha gostado, beijo.
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