"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Viver não tem cura

Acabei de ler a biografia "Paulo Leminski - o bandido que sabia latim", de Toninho Vaz. Quase 400 páginas em três noites. Ok, concordo que eu leio rápido, mas o escritor do volume também teve culpa no cartório, no bom sentido. O texto flui que é uma beleza. Claro, informativo e simples. Através de uma cacetada de entrevistas com familiares, amigos e até desafetos, Vaz consegue oferecer um retrato ora colorido - alegre e vivo -, ora preto e branco - pesado e angustiante -  a respeito do multifacetado "polaco". Da infância em Curitiba, quando descobriu o gosto pelas palavras e a sede por sabedoria, passando pela pré-adolescência num mosteiro em São Paulo e pela juventude e a vida adulta marcadas pela poesia, boemia, amores e viagens a São Paulo e Rio de Janeiro, somos apresentados a um ser humano que, baseado em um de seus próprios poemas, decidiu ser exatamente o que era, sabendo que isso ia levá-lo além, para o bem e para o mal.
Leminksi seguiu religiosamente o zeitgeist dos 60/70. Fez a transição perfeita do beatnik para o hippie. Passava horas conversando sobre poesia, literatura, música, personalidades mundiais e cinema, entre outros milhões de assuntos. Seus asseclas? Jovens, sempre eles. Lotavam sua casa. Queriam ser como ele. As mulheres, por sua vez, derretiam-se pelo jovem ainda saudável, com porte de lutador faixa preta de judô - sim, a informação confere. Era "o cara", para muitos; para outros, apenas um intelectual metido a besta, um doidão de plantão. Um bandido que sabia latim... E inglês, francês, alemão... A lista é grande.
O reconhecimento pintou aos poucos. Lançou um livro revolucionário, "Catatau", e colheu boas críticas; compositores como Caetano Veloso, Jorge Mautner e Moraes Moreira gravaram suas canções. O culto só tendia a aumentar, e não poderia ser diferente: Leminski viveu de - e pela - arte, 24 horas por dia. Para acompanhá-lo, era necessário seguir o seu ritmo. Neiva, a primeira mulher, não aguentou; Alice, a segunda, foi mais longe. Com a última teve filhos - um deles, falecido aos 10 anos, uma das partes mais trágicas da biografia -, parcerias e um amor de verdade, real, com todas as complicações e delícias que apenas esse sentimento louco pode oferecer.
Viver de sonho também causou problemas sérios ao poeta conhecido como "cachorro louco". Conta no banco? Identidade? CPF? Não tinha. Alimentação saudável e limites quanto à bebida e substâncias ilícitas? Nem pensar. Ele tinha coisas mais importantes para pensar. Escolha feita, é chegada a hora de colher os frutos. Tanto os maduros quanto os podres. Vou tentar exemplificar este último parágrafo. No documentário "Ervilha da fantasia", feito para televisão, de Werner Schumann, o poeta é filmado em sua casa, muito simples e aparentemente desorganizada, com livros espalhados por todos os lados. Usa roupas paupérrimas e os dentes estão estragados. Quando abre a boca, parece um lorde, um gênio, o cara mais cool e antenado do planeta. Tenho vontade de abraçá-lo quando vejo as imagens - mesmo sabendo que ele odiava tomar banho. Fico tentado a pagar uma vodka para o mestre, apesar de saber que ele já sofria de cirrose, doença que iria matá-lo quatro anos depois, em 1989 - o doc foi lançado em 1985.
A vontade de dar uma porrada na cara do polaco, e quebrar o restante dos dentes do homem, também rolou forte, em muitos momentos do livro. Num trecho específico, principalmente. Ele e a mulher, Alice, estão saindo do enterro do filho, Miguel, falecido aos 10 anos por causa de um câncer. De repente, a companheira do poeta é despertada de seu estado de tristeza pela voz de Leminski, conversando em voz alta sobre música e criação. "Como ele pode?", questiona Alice. "Que filho da puta!", pensei eu. Grosso modo, o poeta responderia depois, através de um bilhete encontrado. "Maremotos em mares mortos. Pai morto. Mãe morta. Filho morto. Irmão morto. Como querer que a minha vida não seja torta?". Ah, sim, Pedro Leminski, irmão de Paulo, cometeu suicídio, enforcando-se em casa. Não justifica. Mas explica. Nem todo mundo consegue carregar o peso do mundo com um sorriso na cara e acenando para todos.
Um dos nomes mais brilhantes da literatura brasileira dos anos 70. Filho querido - e maldito - de Curitiba. Alcoólatra. Irresponsável. Apaixonado. Genial. Sem chance.

"A vida é demais para os poetas. Sobretudo para os melhores".

Leitura obrigatória, companheiro/companheira.


"Distraídos venceremos!"



Por Hugo Oliveira

6 comentários:

  1. nem li suas impressões pq quero ter as minhas antes! quero ler, quero ler!

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  2. Duas coisas:
    1 Fiquei interessadíssima pelo livro, vontade de conhecer mais sobre essa figura!
    2 Você também escreve super bem. Nada como um texto bem escrito pra despertar o interesse do leitor!

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  3. Sensacional seu texto. Fiquei emocionada e com muita vontade de sair agora para comprar o livro!

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  4. Com muito mais vontade agora.

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  5. Beleza de texto, cara. E "Nem todo mundo consegue carregar o peso do mundo com um sorriso na cara e acenando para todos." é um epitáfio e tanto!

    Abs

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  6. Obrigado pelos comentários, pessoas!

    Paulinha: leia. É emocionante. Beijão e saudades!

    Camila: tenho certeza que não vai se arrepender em conhecer um pouco mais sobre o Leminski. Eu já estou pensando em qual volume vou comprar primeiro! Brigadão pelos elogios!

    Mi: saia agora e compre o livro! Vai ler em tempo recorde, porque é altamente viciante e agradável.

    Mayra: não deixe de dar atenção à vontade... Procure o livro!

    Ricardo: valeu pelo elogio, mano. Ah, e é um epitáfio e tanto mesmo!

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