"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

sábado, 24 de setembro de 2011

Axilas e outras histórias indecorosas - Rubem Fonseca


Rubem Fonseca é um dos meus contistas preferidos da literatura brasileira. Quando conheci, li suas grandes obras em sequência e fiquei extremamente impactado com seus personagens angustiados. Ora violentos e revoltados, ora desesperançados e vazios, às vezes isso tudo ao mesmo tempo. E até hoje, a leitura de contos como ‘Placebo’, ‘O Anão’, ‘Gazela’, ‘Um buraco na parede’ ou ‘O encontro e o confronto’ mexem comigo como se os estivesse lendo pela primeira vez.

Como professor, a obra de Rubem Fonseca é grande aliada do estímulo à leitura, porque os alunos – mesmo os que não suportam ler – costumam gostar das narrativas curtas, violentas, tensas e cinematográficas de seus melhores contos. E este autor acabou transformando-se em uma espécie de símbolo de “independência”, liberdade e fé na boa literatura, pois sua obra foi, de certa forma, responsável por minha demissão em um trabalho importante para mim.

Acabei de ler seu último livro de contos, Axilas e outras histórias indecorosas, lançado este ano. Se por um lado é impressionante a produtividade de Fonseca, que aos 86 anos, continua com boa regularidade de novos escritos e junto com este volume lançou a novela José, é inegável que seus novos trabalhos não possuem o mesmo vigor e impacto de obras como Lúcia McCartney ou Feliz Ano Novo. O que, aliás, é perfeitamente normal, levando em conta o tempo de carreira do escritor e as circunstâncias político-sociais da época de seus primeiros livros.

Em Axilas e outras histórias indecorosas, Rubem Fonseca não foge às características que o celebrizaram. Há o humor peculiar e a forte presença de violência e sexualidade em personagens muitas vezes comuns confrontados com situações que os levam ao ‘desvio da normalidade’ – ou do ‘decoro’, de acordo com o título da obra. As citações/homenagens também aparecem. Fonseca nos traz de volta o detetive Guedes, presente em obras anteriores, e Machado de Assis e Edgar Allan Poe são citados, mas não de forma gratuita, e sim relevantes para os contos em que aparecem.

As repetições me incomodaram em algumas histórias. Devido ao total domínio de Rubem Fonseca na confecção de contos, é sempre prazeroso ler suas pequenas histórias, mas em algumas delas fiquei com a sensação de já ter lido aquilo, ou algo muito próximo, em outros livros do autor. As circunstâncias da formação de um serial killer apresentadas em ‘Beleza’ e ‘Amar o seu semelhante’ ou a manifestação do gosto pela violência no comportamento humano de ‘Confiteor’ já foram trabalhadas de melhor forma em trabalhos anteriores.

Mas há, claro, grandes momentos. ‘Janela sem cortinas’ e ‘Suspeita’ possuem as marcas dos melhores contos do autor; ‘A mulher do CEO’, apresentando o desencanto do personagem com uma mulher que a princípio lhe pareceu perfeita, é muito bom; e ‘Livre-Alvedrio’, mostrando um investigador obcecado por entender o que leva uma pessoa ao suicídio, apresenta um final angustiado daqueles que te fazem fechar o livro antes de passar ao conto seguinte. E ‘Mordida’ e ‘Gordos e Magros’, contos cujos personagens são os mais ‘vivos’ dentre as boas figuras apresentadas neste volume, são dois dos meus preferidos.

Por contos como estes é que vale a pena continuar acompanhando cada lançamento de Rubem Fonseca. E mesmo os momentos repetitivos ou menos inspirados são melhores do que os produzidos pelos muitos imitadores do escritor que não param de aparecer na literatura brasileira recente.

Por Ricardo Pereira

4 comentários:

  1. Interessante, assim que puder vou conferir!!!

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  2. "Como professor, a obra de Rubem Fonseca é grande aliada do estímulo à leitura, porque os alunos – mesmo os que não suportam ler" dá bem fácil pra ver que essa parte tem uma ligação com a nossa turma no ano passado! Obrigada por me apresentar esse grande escritor. Ainda que eu não tenha muita paciência pra ler muitos livros, Rubem Fonseca nunca cansa.

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  3. Oi Norielem, quando ler algo dele me fala o que achou!

    Muito bom saber isso, Fernanda. Esse tipo de retorno que tive (e tenho) de vocês vale muito pra mim!

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  4. Estou à espera. Na verdade, desespero. Pela chegada desses dois livros a Portugal.

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