Rubem Fonseca é um dos meus contistas preferidos da literatura brasileira. Quando conheci, li suas grandes obras em sequência e fiquei extremamente impactado com seus personagens angustiados. Ora violentos e revoltados, ora desesperançados e vazios, às vezes isso tudo ao mesmo tempo. E até hoje, a leitura de contos como ‘Placebo’, ‘O Anão’, ‘Gazela’, ‘Um buraco na parede’ ou ‘O encontro e o confronto’ mexem comigo como se os estivesse lendo pela primeira vez.
Como professor, a obra de Rubem Fonseca é grande aliada do estímulo à leitura, porque os alunos – mesmo os que não suportam ler – costumam gostar das narrativas curtas, violentas, tensas e cinematográficas de seus melhores contos. E este autor acabou transformando-se em uma espécie de símbolo de “independência”, liberdade e fé na boa literatura, pois sua obra foi, de certa forma, responsável por minha demissão em um trabalho importante para mim.
Acabei de ler seu último livro de contos, Axilas e outras histórias indecorosas, lançado este ano. Se por um lado é impressionante a produtividade de Fonseca, que aos 86 anos, continua com boa regularidade de novos escritos e junto com este volume lançou a novela José, é inegável que seus novos trabalhos não possuem o mesmo vigor e impacto de obras como Lúcia McCartney ou Feliz Ano Novo. O que, aliás, é perfeitamente normal, levando em conta o tempo de carreira do escritor e as circunstâncias político-sociais da época de seus primeiros livros.
Em Axilas e outras histórias indecorosas, Rubem Fonseca não foge às características que o celebrizaram. Há o humor peculiar e a forte presença de violência e sexualidade em personagens muitas vezes comuns confrontados com situações que os levam ao ‘desvio da normalidade’ – ou do ‘decoro’, de acordo com o título da obra. As citações/homenagens também aparecem. Fonseca nos traz de volta o detetive Guedes, presente em obras anteriores, e Machado de Assis e Edgar Allan Poe são citados, mas não de forma gratuita, e sim relevantes para os contos em que aparecem.
As repetições me incomodaram em algumas histórias. Devido ao total domínio de Rubem Fonseca na confecção de contos, é sempre prazeroso ler suas pequenas histórias, mas em algumas delas fiquei com a sensação de já ter lido aquilo, ou algo muito próximo, em outros livros do autor. As circunstâncias da formação de um serial killer apresentadas em ‘Beleza’ e ‘Amar o seu semelhante’ ou a manifestação do gosto pela violência no comportamento humano de ‘Confiteor’ já foram trabalhadas de melhor forma em trabalhos anteriores.
Mas há, claro, grandes momentos. ‘Janela sem cortinas’ e ‘Suspeita’ possuem as marcas dos melhores contos do autor; ‘A mulher do CEO’, apresentando o desencanto do personagem com uma mulher que a princípio lhe pareceu perfeita, é muito bom; e ‘Livre-Alvedrio’, mostrando um investigador obcecado por entender o que leva uma pessoa ao suicídio, apresenta um final angustiado daqueles que te fazem fechar o livro antes de passar ao conto seguinte. E ‘Mordida’ e ‘Gordos e Magros’, contos cujos personagens são os mais ‘vivos’ dentre as boas figuras apresentadas neste volume, são dois dos meus preferidos.
Por contos como estes é que vale a pena continuar acompanhando cada lançamento de Rubem Fonseca. E mesmo os momentos repetitivos ou menos inspirados são melhores do que os produzidos pelos muitos imitadores do escritor que não param de aparecer na literatura brasileira recente.
Por Ricardo Pereira
Interessante, assim que puder vou conferir!!!
ResponderExcluir"Como professor, a obra de Rubem Fonseca é grande aliada do estímulo à leitura, porque os alunos – mesmo os que não suportam ler" dá bem fácil pra ver que essa parte tem uma ligação com a nossa turma no ano passado! Obrigada por me apresentar esse grande escritor. Ainda que eu não tenha muita paciência pra ler muitos livros, Rubem Fonseca nunca cansa.
ResponderExcluirOi Norielem, quando ler algo dele me fala o que achou!
ResponderExcluirMuito bom saber isso, Fernanda. Esse tipo de retorno que tive (e tenho) de vocês vale muito pra mim!
Estou à espera. Na verdade, desespero. Pela chegada desses dois livros a Portugal.
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