A descoberta do trabalho de Sérgio Sampaio foi das experiências musicais mais intensas e excitantes que já me ocorreram. Há uns anos atrás, meu amigo Cecel gravou um cd com Eu quero é botar meu bloco na rua e o álbum me encantou desde a primeira audição. Intenso, emocionante, urgente, desafiador, poderia encher o parágrafo de adjetivos e não seria suficiente. E à medida que ficava íntimo dos outros discos – o sambista Tem que acontecer; o sensível Sinceramente; e Cruel, o póstumo – tornava-me cada vez mais admirador de Sampaio e não me conformava com a pouca informação disponível sobre sua vida e obra.
Sabia da existência da biografia Eu quero é botar meu bloco na rua! (ed. Muiraquitã), de Rodrigo Moreira, mas não conseguia encontrá-la para comprar. Este ano finalmente consegui e recomendo aos fãs do artista, aos que desejam conhecer melhor seu trabalho e aos apreciadores da música popular brasileira de uma maneira geral, pois o livro faz justiça ao talento de um de nossos grandes compositores. Talento este injustiçado por uma série de motivos que o livro procura apresentar, mostrando, de maneira imparcial, as qualidades e defeitos do biografado.
Tive a impressão de algumas lacunas, devido a passagens muito rápidas entre algumas fases da vida do cantor. Gostaria, por exemplo, de um capítulo maior sobre A sociedade da Grã Ordem Kavernista, mas por razões pessoais: esse disco marcou uma época muito boa – e muito doida também – em que os amigos (e primos) no meio das conversas mandavam um trecho de uma das letras ou das vinhetas malucas do álbum. Há também um equívoco sobre filmes do Woody Allen e alguns desvios gramaticais inaceitáveis em uma pesquisa tão bem feita. Mas nada disso obscurece o que mais importa: o conteúdo biográfico e a muito bem feita análise dos discos e canções. Eu, que adoro ler críticas de meus discos preferidos, deliciei-me com trechos de matérias jornalísticas da época dos lançamentos ou de shows realizados. Além, é claro, de excelentes histórias e curiosidades pinçadas pelo autor.
O livro me deixou muito orgulhoso da personalidade tipicamente alvinegra de Sérgio Sampaio e com uma mistura de perplexidade e frustração pelo modo com que seu talento foi desperdiçado, em parte por ele mesmo e muito pelo panorama musical de sua época. É angustiante acompanhar um compositor em plena criatividade, com canções cada vez mais fortes e sensíveis, não poder lançá-las por boicote das gravadoras e por executivos que preferiam artistas padronizados ou de público certo, com os quais obteriam lucro imediato.
‘Alternativo’, ‘maldito’, ‘gauche’, ‘marginal’, ‘drop-out’, ‘errático’... Foram vários os epítetos lançados para caracterizar Sérgio Sampaio, tentando definir sua pluralidade e atitude pouco convencionais para a época. E muitos dos que se preocupavam mais em como classificá-lo perdiam – e privavam o público de conhecer – o desenvolvimento de um talento raro, registrado em canções geniais – sem contar as que se perderam... – de um cara que, ciente de sua sensibilidade poética e muitas vezes abusando dos excessos de álcool, musicou, escreveu, viveu e morreu como os poetas ultrarromânticos que tanto admirou desde sua infância.
Ou, em suas próprias palavras:
“Quase que fui pro buraco
Por pouco não fui morar no porão
Dancei, mas não sei não
Tive cuidado
De ter os pés quase sempre no chão
E a cabeça voando
Como se voa na imaginação
Longe do resto do bando
Mas sempre perto do meu coração”
Aquele que permanece firme, no ostracismo e na glória, merece a eternidade. |
Por Ricardo Pereira
Nossa, me emocionei com o texto. O melhor que já li sobre SS. Obrigada,
ResponderExcluirAdriana
Vou tratar de ouvir imediatamente, hehe.
ResponderExcluirAdriana, obrigado pelo elogio, feliz que tenha gostado!
ResponderExcluirNão deixe de comentar o que achou, Mayra!