O primeiro álbum de Jazz que ouvi
na vida foi Chet Baker Sings (1954),
do trompetista e cantor americano Chet Baker. Peguei emprestado com um grande
amigo, o mestre Daniel Guimarães, junto com outro clássico do estilo, Kind of Blue (1959), do trompetista e
compositor Miles Davis. Este último, mesmo que eu tenha adquirido o CD há algum
tempo, ainda não foi devidamente digerido; já o primeiro, entrou na lista dos
meus melhores de todos os tempos.
Uma correção: o álbum que ouvi e
que posteriormente adquiri é uma reedição do disco oficial, de 1956, com seis
músicas a mais do que o vinil original. Sinceramente, acredito que o acréscimo
de novas faixas logo no começo da obra foi essencial para que a minha relação
com o álbum fosse marcada pela paixão.
“That Old Feeling”, faixa que
abre o disco, não poderia ser uma carta de intenções mais adequada. O trompete
classudo na abertura, a bateria fluindo suave, o baixo bem marcado e o piano martelado com delicadeza servem de base à voz pequena e assustadoramente
precisa de Chet, que canta sobre um velho sentimento – de amor – que continua
queimando no coração. “There'll
be no new romance for me, it's foolish to start / Cause that old feeling is
still in my heart.”
“It’s Always You”, um pouco mais
delicada que a música de abertura, tem uma letra tão parecida com a da faixa anterior
que parece fazer parte da mesma história. A personagem que, sofrendo de amor,
vê a pessoa amada em todas as situações, como se não fosse conseguir esquecer o
que passou, assumindo-se assombrada para sempre pelo passado, pelos bons momentos
que se foram e pela constatação de que os outros são os outros. E só.
Mais duas, três canções, e a
temática das letras segue a mesma. O amor, todas as facetas desse sentimento e
a vontade de encontrar a pessoa dos sonhos. É isto: o canto de Chet é melífluo;
seu trompete, uma máquina de canções de ninar para adultos, lullaby para maiores. Um artista oriundo
de uma época onde amar e ser amado, sofrer por amor ou pela ausência dele,
demonstrar sentimentos, não era considerado fraqueza. Era humano, demasiadamente humano.
Hoje somos fortes, irônicos e
estamos sempre prontos para a próxima. Tudo muito rápido, seguindo o espírito
destes tempos. “Like Someone In Love”, a respeito de alguém embriagado de amor,
“My Ideal”, sobre a possibilidade de encontrar a alma gêmea na próxima esquina,
“I’ve Never Been in Love Before”, o momento exato em que a pessoa se descobre
perdidamente apaixonado, são todas canções de outros tempos, quando a vida e o
amor eram discutidos a fundo – e ao vivo – por amigos através de uma rede social conhecida como amizade. Amigos nos dias
alegres, quando algo dava errado, enfim, amigos para sempre. Olho para trás e sinto saudade da
inocência e da beleza daqueles dias. Amigos e amores que hoje, pela correria da
vida, vivem nos sorrisos despreocupados das fotos antigas e em canções saudosistas tocadas no rádio, em horário alternativo. Assim como o
personagem da canção “My Buddy”, sinto falta de tudo isso.
O lado B do disco, que na verdade
corresponde à obra original, segue pela mesma linha de brilhantismo e suavidade
musical, com momentos agridoces essenciais ao tempero que dá o gosto tão
especial de “Chet Baker Sings”. Se em “But Not For Me”, de George e Ira
Gershwin, Chet se sente azarado no amor, em “Time After Time”, outro potente
standard do Jazz – de Sammy Cahn e Jule Styne –, ele vibra com sorte de estar
amando a mesma mulher, dia após dia. Hoje, a caça; amanhã, o caçador. E os ouvintes saem ganhando sempre.
“I Get Along
Without You Very Well” e “My Funny Valentine” mereciam textos específicos. A
primeira oferece uma letra emocionante e simples, simples até não poder mais. “I get along without you very well /
Of course I do / Except when soft rains fall / And drip from leaves then I
recall / The thrill of being sheltered in your arms / Of course I do / But I
get along without you very well”; a segunda, clássico inconteste de Richard
Rodgers e Lorenz Hart, mostra como trabalham os gênios da música, fazendo algo
sofisticado, em letra e música, soar fácil aos ouvidos de qualquer um. Como
intérprete, Chet e os músicos que participaram da gravação acrescentam ainda
mais beleza e força à faixa. Aqui,
sempre pode melhorar.
“There Will Never Be Another You”, The Thrill
Is Gone”, “I Fall In Love To Easily”… Falar mais o que sobre essas
canções? Acho que a minha capacidade de expressar a beleza deste disco através de
palavras acabou lá pelo sexto parágrafo. O resto é história. Aperte o play e
sinta.
Então, deixe-me finalizar. O álbum termina com “Look For The
Silver Lining”, algo como “olhe pelo lado positivo” em tradução para o
português. Depois de chorar, sorrir e se emocionar com o amor e sua miríade de
sentimentos, Chet oferece um conselho a todos nós – ele incluso. Eu e você
sabemos que é um baita de um clichê, mas não poderia ser mais verdadeiro em épocas
como esta. Segue abaixo, em separado,
como se fosse um versinho de uma criança. Afinal, não é isso que deveríamos sempre
ser?
Um coração cheio de alegria e
satisfação
Vai sempre banir a tristeza e os
conflitos
Então, olhe sempre pelo lado
positivo
E tente achar o lado ensolarado
da vida.
Por Hugo Oliveira
Nenhum comentário:
Postar um comentário