"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

So lucky to be loving you: Chet Baker e um disco para abraçar o amor



O primeiro álbum de Jazz que ouvi na vida foi Chet Baker Sings (1954), do trompetista e cantor americano Chet Baker. Peguei emprestado com um grande amigo, o mestre Daniel Guimarães, junto com outro clássico do estilo, Kind of Blue (1959), do trompetista e compositor Miles Davis. Este último, mesmo que eu tenha adquirido o CD há algum tempo, ainda não foi devidamente digerido; já o primeiro, entrou na lista dos meus melhores de todos os tempos.

Uma correção: o álbum que ouvi e que posteriormente adquiri é uma reedição do disco oficial, de 1956, com seis músicas a mais do que o vinil original. Sinceramente, acredito que o acréscimo de novas faixas logo no começo da obra foi essencial para que a minha relação com o álbum fosse marcada pela paixão.

“That Old Feeling”, faixa que abre o disco, não poderia ser uma carta de intenções mais adequada. O trompete classudo na abertura, a bateria fluindo suave, o baixo bem marcado e o piano martelado com delicadeza servem de base à voz pequena e assustadoramente precisa de Chet, que canta sobre um velho sentimento – de amor – que continua queimando no coração. “There'll be no new romance for me, it's foolish to start / Cause that old feeling is still in my heart.”




“It’s Always You”, um pouco mais delicada que a música de abertura, tem uma letra tão parecida com a da faixa anterior que parece fazer parte da mesma história. A personagem que, sofrendo de amor, vê a pessoa amada em todas as situações, como se não fosse conseguir esquecer o que passou, assumindo-se assombrada para sempre pelo passado, pelos bons momentos que se foram e pela constatação de que os outros são os outros. E só.

Mais duas, três canções, e a temática das letras segue a mesma. O amor, todas as facetas desse sentimento e a vontade de encontrar a pessoa dos sonhos. É isto: o canto de Chet é melífluo; seu trompete, uma máquina de canções de ninar para adultos, lullaby para maiores. Um artista oriundo de uma época onde amar e ser amado, sofrer por amor ou pela ausência dele, demonstrar sentimentos, não era considerado fraqueza.  Era humano, demasiadamente humano.

Hoje somos fortes, irônicos e estamos sempre prontos para a próxima. Tudo muito rápido, seguindo o espírito destes tempos. “Like Someone In Love”, a respeito de alguém embriagado de amor, “My Ideal”, sobre a possibilidade de encontrar a alma gêmea na próxima esquina, “I’ve Never Been in Love Before”, o momento exato em que a pessoa se descobre perdidamente apaixonado, são todas canções de outros tempos, quando a vida e o amor eram discutidos a fundo – e ao vivo – por amigos através de uma rede social conhecida como amizade. Amigos nos dias alegres, quando algo dava errado, enfim, amigos para sempre. Olho para trás e sinto saudade da inocência e da beleza daqueles dias. Amigos e amores que hoje, pela correria da vida, vivem nos sorrisos despreocupados das fotos antigas e em canções saudosistas tocadas no rádio, em horário alternativo. Assim como o personagem da canção “My Buddy”, sinto falta de tudo isso.




O lado B do disco, que na verdade corresponde à obra original, segue pela mesma linha de brilhantismo e suavidade musical, com momentos agridoces essenciais ao tempero que dá o gosto tão especial de “Chet Baker Sings”. Se em “But Not For Me”, de George e Ira Gershwin, Chet se sente azarado no amor, em “Time After Time”, outro potente standard do Jazz – de Sammy Cahn e Jule Styne –, ele vibra com sorte de estar amando a mesma mulher, dia após dia. Hoje, a caça; amanhã, o caçador. E os ouvintes saem ganhando sempre.

“I Get Along Without You Very Well” e “My Funny Valentine” mereciam textos específicos. A primeira oferece uma letra emocionante e simples, simples até não poder mais. “I get along without you very well / Of course I do / Except when soft rains fall / And drip from leaves then I recall / The thrill of being sheltered in your arms / Of course I do / But I get along without you very well”; a segunda, clássico inconteste de Richard Rodgers e Lorenz Hart, mostra como trabalham os gênios da música, fazendo algo sofisticado, em letra e música, soar fácil aos ouvidos de qualquer um. Como intérprete, Chet e os músicos que participaram da gravação acrescentam ainda mais beleza e força à faixa. Aqui, sempre pode melhorar.

“There Will Never Be Another You”, The Thrill Is Gone”, “I Fall In Love To Easily”… Falar mais o que sobre essas canções? Acho que a minha capacidade de expressar a beleza deste disco através de palavras acabou lá pelo sexto parágrafo. O resto é história. Aperte o play e sinta.

Então, deixe-me finalizar. O álbum termina com “Look For The Silver Lining”, algo como “olhe pelo lado positivo” em tradução para o português. Depois de chorar, sorrir e se emocionar com o amor e sua miríade de sentimentos, Chet oferece um conselho a todos nós – ele incluso. Eu e você sabemos que é um baita de um clichê, mas não poderia ser mais verdadeiro em épocas como esta.  Segue abaixo, em separado, como se fosse um versinho de uma criança. Afinal, não é isso que deveríamos sempre ser?

Um coração cheio de alegria e satisfação
Vai sempre banir a tristeza e os conflitos
Então, olhe sempre pelo lado positivo
E tente achar o lado ensolarado da vida.






 Por Hugo Oliveira

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