Uma
das peculiaridades de morar em cidades afastadas dos grandes centros
culturais é uma quase necessidade de aproveitar o máximo possível
as oportunidades de entretenimento quando essas se apresentam.
Morando em uma cidade cujo único cinema disponibiliza uma
programação, digamos, conservadora, não foram poucas as vezes em
que assisti a duas ou três sessões seguidas em um mesmo dia de
estadia no Rio de Janeiro – a apenas duas horas de distância, mas
distando séculos de afastamento cultural de Angra dos Reis, cidade
onde hoje resido.
Justamente
por isso, no último fim de semana, não poderia perder a
oportunidade de presenciar os concertos de dois nomes de estilo e
sonoridades tão distintas que se apresentavam em horários
compatíveis e distância relativamente curta.
O
primeiro, Cidadão Instigado, é a banda mais importante do Brasil
nos últimos anos. Se em estúdio apresentam trabalhos
extraordinários, ao vivo superam a qualidade das gravações. É
sempre uma satisfação contemplar uma banda cada vez mais afiada,
executando com precisão (sem abrir mão do feeling) os criativos
arranjos e dinâmicas de suas canções. Esse show do álbum
Fortaleza
é um espetáculo de rock n' roll com tamanho nível de qualidade que
não vejo nenhuma outra banda ou artista no Brasil hoje que sequer se
aproxime. Catatau parece cada vez mais inspirado, com uma postura
mais sólida
e
segura do que das outras vezes em que assisti
à banda.
O
show aconteceu no Oi Futuro Ipanema, teatro que me gera sentimentos
conflitantes. Se, por um lado, a acústica é ótima, com qualidade
de som acima da média das casas brasileiras, a presença de cadeiras
e a proibição do consumo de bebidas alcoólicas torna o lugar pouco
afeito a concertos de rock. Nesse especificamente, senti uma energia
represada, que seria mais bem explorada em um lugar como o Circo
Voador ou o Teatro Rival, local onde havia assistido o Cidadão
Instigado anteriormente, em 2011.
foto: Rogério von Krüger |
O
segundo tempo da noite passei em atmosfera bem diferente, Fundo de
Quintal e Zeca Pagodinho, na Fundição Progresso.
Há
algumas semanas, depois de um tempo afastado do samba, em uma
promoção de CDs, peguei dois discos do Zeca Pagodinho de meados da
década de 1990, um momento interessante da obra do cantor, quando,
com o auxílio do maestro Rildo Hora, os arranjos passam a incorporar
batidas afro ao tradicional partido alto, levando a carreira de Zeca
a outro patamar.
Familiarizado
novamente, não haveria momento melhor para vê-lo ao vivo. Anos
antes, estive em dois shows: no primeiro, estava “alterado”
demais para curtir o espetáculo e, no segundo, o cantor é que
estava “sem condições” de fazer um bom show. Felizmente, dessa
vez, a conjuntura parecia favorável para ambos.
Confesso
que assisti de longe à abertura do sempre competente Fundo de
Quintal. Estava acompanhado de uma grande amiga e aproveitamos para
nos atualizar sobre os acontecimentos recentes, visto que pouco
conseguimos nos encontrar pessoalmente. Ainda assim, deu pra sentir a
vibração de clássicos como “Conselho” e “O
show tem que continuar”.
Com
relação ao Zeca Pagodinho, o que mais impressiona é a quantidade
de sucessos e a consistência da apresentação. Não há pontos
baixos, é o tipo de show em que se torna difícil escolher a hora de
buscar mais cerveja. Com o que talvez seja a grande voz de samba da
atualidade, representação do melhor da boa malandragem carioca,
Zeca entoa sambas da Velha Guarda, os inevitáveis hits e pequenos
clássicos pessoais de cada pessoa na plateia. É curioso perceber o
público interpretando, cada um a seu modo, os sambas sentimentais,
bem-humorados ou reflexivos do repertório.
Já
assumindo o risco de simplificações vazias, não há como deixar de
notar a diferença de clima e postura entre o público “de rock”
do Cidadão Instigado e a plateia do samba. Enquanto os primeiros são
mais fechados, contidos e circunspectos; no samba há maior
diversidade e um público menos atento, mas mais exultante e
participativo. No final das contas, duas excelentes apresentações
que exemplificam a riqueza e pluralidade da tão subestimada (muitas
vezes, pelos próprios brasileiros) cultura nacional.
Por Ricardo Pereira
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