"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

terça-feira, 26 de julho de 2011

A morte lhe cai bem?

Então é isso: a cantora britânica Amy Winehouse, 27, responsável por injetar sangue novo na música soul – e outras coisas nada saudáveis no seu próprio corpo –, morreu no último sábado. Sozinha num quarto. Provavelmente, empapuçada de drogas e birita.
Diva destes tempos marcados pelo imediatismo, tão zoneada quanto estilosa, a moça era chegada numa fossa, numa dor de cotovelo. E, mesmo vivendo em tempos de redes sociais e internet 2.0, não tem jeito: bebidas, substâncias ilícitas, cigarros e boemia, apesar de considerados “old school”, continuan bombando na cartilha da autodestruição.
Sim, porque o “cordão dos torturados” pode até não aumentar cada vez mais... Mas também não sai de moda. Estamos – me incluo nessa, claro – sempre esperando pelo próximo gênio/idiota que vai mandar uma bala para a cabeça, uma dose fatal à corrente sanguínea ou que vai improvisar uma forca na cozinha de casa.
Comoção. Corrida à loja de discos. Depoimentos emocionados. Tributos duvidosos. Cinebiografias. Aniversários de morte em datas redondas.
O próximo da fila, por favor.
É assim, rapeize. A morte na música pop é uma faca de dois gumes. Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Tem um sentimento sincero de dor e de tristeza... Mas também tem um mega apelo de “vamos sugar até o último centavo!”. Culpe a indústria cultural, que foi se aprimorando cada vez mais em trepar com os cadáveres famosos até o último resquício de suspiro/lucro – em vez “gozei”, “vendi”. Culpe a si mesmo também, pois temos uma curiosidade mórbida e galopante a respeito dos “rich and famous”, né não? Ah, vá! Não fode, camarada. A maioria quer saber quem come quem, quem trai quem, quem matou quem. Quem? Aliás, daria um ótimo nome de revista, certo? Piada sem graça mode on...
Amy Winehouse, apesar de todos os micos, desafinações e falta de profissionalismo, era um talento inconteste. A cara dessa geração que usa tatuagem, bebe Stella Artois – hum! – e tem 1.357 amigos no Facebook. Não basta cantar pra caralho, ter uma bela banda de apoio e uma puta estrutura de divulgação e marketing. Tem que estar conectado com o seu tempo, cara... Porque o zeitgeist é o borogodó da parada. Nem vem que não tem, Manolo – sempre quis escrever “Manolo” num texto.
Amy era uma garota deste milênio. De agora. O penteado retrô, a pegada de “mulher sofredora”, a sonoridade regada a soul Motown/Stax... Nada disso funcionaria se a moça não tivesse a “fuça mais anos 2000 de todas”. Mais do que desdentada, drogada, siliconada e desajeitada, Amy era a menina do dia seguinte, do que ainda está por vir. Atitude modernosa fake? Não acredito. Talvez, o grande talento dela seja justamente viver as coisas sem se importar com os outros. Beleza: pode ser efeito colateral referente ao uso de drogas, também. Mas eu fico com a primeira opção.
Amy é vítima ou é culpada pelo rumo que sua vida tomou? Um pouquinho de cada coisa, acredito. Ah, claro. Nós também temos culpa no cartório. Eu, você, o porteiro do condomínio da Praia do Jardim – de cima – e até mesmo o pato cantor que eu vi hoje, num canal local. Todo mundo age, ao menos um tiquinho, como aquele clássico traficante... Com a clássica tirada. “Ó, vou te dar de graça o primeiro baseado. Mas o próximo tem que pagar!”. Motivos? Apenas um, my dear. Dá um tesão danado ver o circo pegar fogo. Principalmente quando nós não somos os animais na jaula.
Tá chocadinho, santa? Diz aê: quem é que não fica decepcionado quando o plantão da Rede Globo pinta na tela e não anuncia nenhuma morte?
Ninguém é inocente.


Não existe mulher feia... É você que não bebeu, fumou, cheirou e injetou demais


Por Hugo Oliveira     


  

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Acima da chuva

Ao invés de aproveitar as “férias” para adiantar novas leituras, conhecer discos e filmes pendentes, acabo, quase sem querer, encontrando antigas paixões.

Estava relendo o excelente capítulo sobre montagem do Conversas com Woody Allen e me deu vontade de assistir novamente A Outra, um filme que nunca esteve entre meus preferidos do diretor. E não por ser um drama, Interiores, por exemplo, é top 5 dos filmes dele fácil pra mim. Por algum motivo, A Outra não bateu tão forte da primeira vez a que assisti.

Nesse reencontro, porém, o filme cresceu bastante. Conta a história de Marion (Gena Rowlands), uma mulher “que não se permite sentir, então o resultado é que ela tem esta vida fria e intelectual, alienando todos a sua volta”. Em determinado momento, Marion aluga um apartamento para escrever seu novo livro e, por causa de um defeito no duto de calefação, consegue ouvir as sessões de um psiquiatra vizinho. E através das angústias de uma das pacientes, uma mulher grávida, passa a repensar sua vida, seus relacionamentos, e refletir sobre suas próprias angústias e medo de se entregar aos sentimentos.

É um filme lento, cheio de sutilezas e de diálogos que causam desconforto, de tão reais. Em um sonho motivado por uma das sessões, a protagonista conversa com um ex-marido que havia sido seu professor e foi encontrado morto anos após o divórcio, por uma mistura de álcool e remédios, não se sabe se suicídio ou não. Nesse acerto de contas póstumo, seu ex-marido argumenta que pagou o preço de não ter resistido à tentação, lamenta-se de tê-la feito o adorar e arremata: "Inevitavelmente, chega uma hora quando o pupilo aprende tudo o que necessita. Então o que parecia uma constante de trocas de ideias e opiniões se torna sufocante. Isso foi o que escreveram na minha certidão de óbito. ‘Sufocação’”.

Gosto da reflexão final sobre se a memória é algo que se tem ou algo que se perde, e de um diálogo seco e certeiro de uma cena de fim de relacionamento:

“- Sinto pena de você, porque na sua maneira você tem sido tão solitário quanto eu.
 - Fomos solitários?
 - Ao menos eu admito”.


Ontem, estava indo dormir e ao dar aquela última passada de canais, vi que ia começar Carne Trêmula, o Almodóvar de que mais gosto. Pensei em dar uma olhadinha só e, obviamente, acabei assistindo ao filme inteiro.

Se não me engano, foi a terceira vez que assisti e fiquei tão mexido quanto das duas primeiras. É um filme mais ‘masculino’ em relação à maioria dos filmes do diretor espanhol e trata prioritariamente de sentimentos movidos pela culpa. O que não faltam são grandes momentos, conduzidos pelo sempre ótimo Javier Barden. Gosto particularmente de uma cena de amor extremamente lírica e bem feita em que os corpos se integram como se fossem um só, e, no final, a personagem Elena termina abraçada às pernas do amante. Pernas que são o que lhe fazem falta no marido paraplégico.

Elena é uma mulher intrigante, extremamente sedutora e refém de suas culpas. Procura agir com sinceridade total e é um exemplo de como, muitas vezes, a verdade pode ser cruel e machucar tanto quanto a mentira. Curiosamente, nesta terceira vez, o final do filme me incomodou e mexeu comigo mais do que nas vezes anteriores.

São dois filmes de linguagens cinematográficas diferentes, mas com alguns pontos em comum. A começar por serem filmes doloridos e angustiantes e também por deixarem, após todo o tipo de tempestade, uma brecha de esperança em seus desfechos.

Se for para encontrar antigas paixões que sejam como estas. Encontros estimulantes e com mágoas circunscritas à ficção. Essas, pelo menos, valem a pena.

This is not about love
 Por Ricardo Pereira

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Onde tudo começou (Dia Internacional do Rock)

"Letras Traduzidas Bizz", edição de janeiro de 1993. Pois é: você, leitor, poderia até pensar que o meu amor pelo rock foi iniciado através de um disco ou de um show, mas não. Acredito que ao adquirir minha primeira revista sobre o assunto, aí sim, fui capturado por toda essa magia barata, esse mundo imperfeito e inesquecível da música.
Perdi a conta de quantos álbuns já ouvi. De quantas revistas especializadas e livros referentes ao tema eu já li. De quanto dinheiro eu gastei em shows. Principalmente, de quanto tempo eu perdi me dedicando a uma manifestação cultural que não tem serventia alguma na vida. Vale nada. Fato.
A rapaziada mais endinheirada da minha cidade - Angra dos Reis - tinha mobilete, roupa de marca e coisas do tipo. Eu, com 14 anos, tinha uma revista com letras traduzidas de bandas como Alice in Chains, L7, Red Hot Chilli Peppers e Nirvana. E era feliz demais por causa dessa aquisição. Continuo sendo, embora a vida adulta faça com que você questione muitas ações e decisões que tomou ao longo do amadurecimento.
Amadurecer. Palavrinha complicada essa. Mas é por aí: o rock não te ajuda a amadurecer. Pelo contrário. Transmite a "Síndrome de Peter Pan" aos seus fãs e seguidores. Sim, porque não há nada mais estranho do que assistir a um bando de trintões - ou quase - se emocionando, gritando e pulando no show de uma banda como o R.E.M, por exemplo - Eu, Pedro e Ricardo.
Mesmo assim, o rock fornece uma coisa absolutamente essencial à vida: ele dá carta branca ao sonho. O rock não impede que os sonhos envelheçam, mas permite que eles continuem existindo, ainda que modificados ou até mesmo baleados pelos obstáculos que vamos encontrando pela vida afora.
Uso topete e costeletas por causa do rock. Ainda me visto tentando mirar ídolos do estilo. Profissão? Jornalista... Na intenção de ser crítico musical. A maioria dos meus amigos são fãs dessa música simples e contagiante. Algo mais?

Ah, porra. É isso: o rock mudou a minha vida. Sem dúvidas.

Ainda sou um sonhador, mas tenho contas a pagar. O tesão por sons novos continua, embora um pouco arrefecido. O que não vai mudar nunca? O sentimento de dívida que terei eternamente com o estilo.

Eu faria tudo de novo, do mesmo jeito. Entraria na banca de jornal do "Texaco", pegaria a publicação cheia de cabeludos mal-encarados na capa e falaria ao atendente. "Quero essa".

Eu quis. Eu quero. Continuarei querendo.

Feliz Dia Internacional do Rock - atrasado!


Hollywood Rock? Não conhece? Ah, deixa pra lá...

Por Hugo Oliveira







terça-feira, 19 de julho de 2011

Em algum lugar do passado

Uma das histórias mais engraçadas da minha infância aconteceu em 86, no dia da exibição do último capítulo da novela Roque Santeiro. Eu, então com cinco anos de idade, não perdia um capítulo da novela, assim como praticamente o Brasil inteiro, e fiquei inconsolável com o fim da trama. Ao acabar o último episódio, desatei a chorar e minha mãe teve que ligar para minha madrinha, que fingiu ser funcionária da Globo e me garantiu que Roque Santeiro voltaria. Só aí sosseguei.

Depois disso, a novela repetiu duas vezes e em ambas não pude assistir. A primeira reexibição foi em 91, e a segunda em 2000, uma fase complicada de muitas mudanças para mim e em um horário impossível de ver. Mas agora que o Canal Viva começou a passar, não perco de forma alguma.

Ontem assisti ao primeiro capítulo e comecei a entender o encantamento do menino Ricardo pelo programa. Primeiro, a qualidade da trama de Dias Gomes, em uma época em que as novelas eram relevantes e não apenas repetições manjadas para agradar o público. A história da cidade de Asa Branca e de seus deliciosos personagens é irresistível e não procurava apenas divertir. Há ali a crítica à corrupção e ao coronelismo – a cena em que somos apresentados a Sinhôzinho Malta é primorosa - e à exploração do fanatismo, pois a cidade é sustentada pelo mito em torno de Roque Santeiro.

Há também uma coleção de personagens hoje clássicos e presentes no inconsciente coletivo nacional, como Malta; a viúva Porcina; dona Pombinha; o professor/lobisomem Astromar Junqueira; Matilde, a dona da boate; Zé das Medalhas; o próprio Roque Santeiro e muitos outros.  Personagens estes interpretados por nomes como Lima e Regina Duarte, Yoná Magalhães, José Wilker, Ary Fontoura, Paulo Gracindo e Armando Bógus, dando show de interpretação em alguns de seus trabalhos mais marcantes.

Além do texto e interpretações fantásticos, a trilha sonora é muito boa e me fez viajar no tempo. Na época, as trilhas eram feitas em função dos personagens e da trama. Daí que, mesmo que algumas delas sejam datadas ou soem bregas mesmo hoje, canções como “Isso aqui tá bom demais”, com Dominguinhos e Chico; “Mistérios da meia-noite”, com Zé Ramalho; “Sem Pecado e Sem Juízo”, com a Baby Consuelo; “Dona” (Roupa Nova); “De volta pro aconchego” (Elba Ramalho), e a canção título da novela, com Sá & Guarabira, nos trazem instantaneamente aos personagens e à fictícia Asa Branca.

E mais do que isso, conseguiram me trazer, por instantes, minha infância: um período da minha vida de que tenho poucas lembranças efetivas, apenas flashes ou uma e outra recordação. O horário não é convidativo – de segunda a sexta, meia noite e quinze – mas vale a pena perder algumas horas de sono para assistir a uma novela de uma época em que as mesmas eram relevantes e impactantes.

“Tô certo ou tô errado?”
Por Ricardo Pereira

Sem tempo

Mil trabalhos, mil coisas. Mas eu volto... Prometo!

Fique com o Suede, ao vivo. Coisa fina.


"Trash", Suede


Por Hugo Oliveira

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Recorte etílico

Ei, posso me sentar ao lado do senhor? Não, não sou veado, porra, preciso só falar e você tem uma cara confiável. Posso chamar de você, ok? Não quer companhia? Quero só que me escute. Pode pedir qualquer bebida, é por minha conta. Uísque? Ok. Traz o uísque que o bacana quiser aqui!

O senhor já se sentiu miserável? Não, não é de dinheiro que estou falando... A sensação de olhar ao redor e se sentir mais filho da puta do que qualquer filho da puta, mais cão sarnento que do que o mais sujo cão da rua? O senhor desculpe meu vocabulário, também tô dramático pra caralho, é que já tô bêbado. Saiba o senhor que não costumo desabafar com qualquer estranho na rua não, mas hoje preciso mais do que nunca. Estou há dois anos nessa cidade de merda e não conheço ninguém.

Vim fugido pra cá, mas não de polícia ou de dívida não. Vim fugindo de mim mesmo, dos meus fantasmas. Pela sua cara vejo que não entende porra nenhuma do que estou falando, isso é uma idiotice completa... Não, vai embora não, vem cá... Tá bom, tá bom, desculpa, camarada, desculpa. Me responde uma coisa, o senhor já acreditou em algo mais do que na própria vida? Acho que os homens têm que acreditar em algo pra seguir em frente, seja numa mulher, no emprego, em ganhar na loteria, num time de futebol, não importa. Mas eu fiz pior, acreditei no amor. Pode rir. Tudo bem, mais um uísque aqui. Vejo que o senhor é muito educado, mesmo me achando um idiota, continua me ouvindo e ainda sem rir de mim, saiba que fico muito agradecido. Peço apenas que se nos virmos novamente, finja que não me conhece, ok? Fico agradecido.

Sempre fui um imbecil completo. Achava que eu era melhor do que todo mundo porque lia muito, achava que eu era o supra-sumo do bom gosto, andava na rua com olhar superior, julgando todo mundo. Inferiorizava a moça com o livro de autoajuda no ônibus, desprezava a senhorinha que não vive sem a novela das oito. E no fundo, no fundo, eu sempre fui mais boçal e ingênuo do que qualquer mocinha noveleira de interior. Pensava que encontraria um grande amor, ia ser feliz, dedicar minha vida a isso. Não precisa comentar, é patético, eu sei. Na busca desse amor idealizado, vivia insatisfeito.

Olha, falando isso pro senhor agora, minha vontade é me encher de porrada. Eu criticava os idiotas do mundo e era pior do que o pior deles, pode ter certeza disso. Uma vez eu encontrei esse amor, achei que tinha encontrado. Ok, já sei o que está pensando, eu não era esse trapo que o senhor está vendo, era até bem apessoado. Eu me apaixonei e fiquei maluco, cego ou qualquer outro clichê que se possa pensar. A gente tinha que ouvir mais o que nossa mãe diz, eu já não era menino, mas minha mãe, que Deus a guarde, me chamou como se eu fosse um e falou: “essa mulher vai desgraçar sua vida”. Eu escutei, sorri e segui em frente. Há dois meses, recebi um telegrama me avisando da morte dela e a primeira coisa que pensei foi nisso, ouvi a voz dela mais uma vez me dizendo esse refrão que condensa a que minha vida estava condenada a partir daí.

Eu vivi em função dela. Não, não da minha mãe, ô cara. Da moça por quem me apaixonei. Eu ignorava todas as diferenças, mudei a minha vida toda por causa dela. Mudei de casa, de emprego, fiz o diabo. Minha alma estava imersa em amor, parafraseando o Thom Yorke. Quem? Não sabe quem é? Deixa pra lá... Me dediquei a esse amor como nunca havia me dedicado a nada na vida. A mulher pra mim funcionava como esses antidepressivos que são a tábua de salvação de tudo que é madame hoje em dia, eu via tudo maravilhoso. E era correspondido, era recompensado. Ela gostou de mim, sim senhor. Mas eu sempre levei tudo a sério demais, me perdi no meio disso tudo. Ei, amigo, traz mais dois pra mim.

Eu não vou falar aqui pro senhor como que tudo acabou, levaria a noite toda pra que o senhor entendesse. Não, não fui corno não e nem corneei ela, mas acabou assim. De uma hora pra outra, como a morte quando aparece inesperada. Uma porrada seca, e ‘aprenda a viver sem, meu filho’. A princípio, fiquei anestesiado, mas com o tempo tudo foi piorando. O mundo virou cada vez opressivo, não via mais graça em nada. O tempo passava, a vida passava e eu inerte, imóvel. Às vezes recebia qualquer notícia dela e era como um soco no estômago, só de saber que ela existia, que ela respirava, sentia uma vertigem, como se me faltasse a alma.

E o pior, não conseguia ter mais nada com ninguém. O senhor tá vendo aquela moça ali de vestido azul, com aquele babaca ali. É bem o meu tipo de mulher. Se na época, ela chegasse a mim e falasse que queria qualquer coisa comigo, eu saía fora. Se qualquer mulher aparecesse e me quisesse, era o mesmo que nada pra mim. Sabe, Simple twist of fate? Aquele vazio que o cara sente ao abrir a janela? Não, Bob Dylan, também não ouviu falar? Me desculpe, mas o senhor não conhece porra nenhuma também, hein?

Eu fui ficando pior e meus amigos até que tentaram me ajudar. Eu fazia o jogo deles, da minha família. Hoje é engraçado lembrar disso, porque parece que estou fazendo pouco caso, mas sinto uma falta danada deles, perdido aqui nessa terra-de-ninguém. Se houvesse qualquer um deles aqui, poderia estar melhor, compartilhando todo esse lixo, ou sem a necessidade de dividir isso novamente, não precisaria importunar alguém como o senhor, com todo o respeito.

Eu via todo mundo mudando de amor como quem muda de roupa, vivendo, sorrindo, chorando e superando e eu como um imbecil, perdido em insônias, acordando toda noite desejando poder esquecer qualquer vestígio dela. Desejando e odiando aquela mulher ao mesmo tempo, uma mulher que mal se lembrava de mim, que havia mudado tanto, que já havia me enterrado como lembrança em seu imenso cemitério de ex amores. Como se pode sentir tanto ódio e tanto amor ao mesmo tempo? Porque no fundo, e isso só me piorava as coisas, eu sentia, a despeito de toda a mágoa e rancor, uma ternura imensa por ela ou pelo que eu havia a transformado pra mim.

Nunca mais vi ninguém, não podia suportar o sofrimento que eu trazia para os se importavam comigo, que me viam sofrer e me transformar aos poucos em um patético zero, uma sombra do que eu havia sido, um retalho do homem presunçoso que julgava cada um que encontrava em seu caminho. E aí que é importante, deixa eu pegar mais um uísque pra que o senhor entenda como cheguei aqui, de que forma me enredei em um redemoinho que me transformou nessa sombra que está em sua frente. 

Por Ricardo Pereira

terça-feira, 12 de julho de 2011

If there is a God...

E aqui a íntegra do Radiohead tocando o King of limbs inteiro mais "Daily Mail" e a maravilhosa "Starcaise" no From the basement.
Quem quiser pode baixar o áudio da apresentação completa aqui!



Por Ricardo Pereira

Quicksand

Hoje ouvi pela primeira vez o Colour of the Trap, álbum de Miles Kane, uma das metades do Last Shadow Puppets e essa música não me sai da cabeça:




Por Ricardo Pereira

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Camiñando y Cantando

Há uns meses, meu primo estava aqui em casa, passamos o dia conversando, tomando umas cervejas e ouvindo música. Passamos por muita coisa, Ben Kweller, Beatles, Doors, Stones, Strokes, Weezer, Radiohead, Hermanos... Em determinado momento, coloquei um disco do Wander Wildner e, mal começou, meu primo chiou: “Com tanta coisa boa aqui, me recuso a ouvir isso!”. Parecido aconteceu esses dias quando meu irmão veio assistir a um jogo aqui e coloquei algumas músicas do último disco do Wander, Camiñando y Cantando, no intervalo. Ao dizer que estava ouvindo direto, meu irmão perguntou se era sério isso.

Esses dois episódios recentes ilustram certa resistência que mesmo pessoas abertas musicalmente têm pelas canções de Wander Wildner. Entendo a razão, a simplicidade e ‘tosqueira’, as amarras do chamado “punk-brega” afastam parte dos ouvintes. Eu sempre tive grande afeição por pérolas como “Eu não consigo ser alegre o tempo inteiro”, “Eu tenho uma camisa escrita eu te amo” ou a maravilhosa “Mantra das possibilidades”, ainda assim, gostei mais de seu último álbum do que de qualquer outro de sua carreira.

O que era considerado tosco e brega por muitos agora agrega um lirismo e melancolia que tornam o disco irresistível. Camiñando y Cantando é um álbum de viagem. Gravado após passagens do cantor pelo Uruguai, Argentina e Alemanha, o disco carrega esse clima na sonoridade mais folk, em que as guitarras de outrora dão lugar a bonitos violões, e em versos como “No walkman eu tenho carga pra seis horas e Johnny Cash” ou “Vou levantar as âncoras, abrir as trancas, sentir que o mundo é o que sou. Seguir o trilho do coração, ir para onde ele for.”

É também um conjunto de canções mais reflexivo do que sua obra anterior. E isso fica perceptível desde a primeira faixa, “As coisas mudam”, em que o cantor carrega na melancolia ao cantar a transitoriedade da vida. É um disco mais de intérprete, a maioria das músicas é de outros compositores, apesar disso todas possuem o DNA de Wander Wildner, como podemos perceber nas excelentes versões de “Viajei de Trem”, do Sérgio Sampaio e de uma “A palo seco” tão ou mais ‘sangrenta’ do que a original de Belchior. O verso sobre a maior identificação com o tango argentino do que ao blues, aliás, vem bem a calhar, pois o álbum possui um clima portenho, com três canções cantadas no espanhol peculiar do cantor e outras no clima “tango punk abolerado” como definido em “Calles de Buenos Aires”.

Além dessas, gosto bastante da romântica (brega alguns dirão...) “A razão do meu viver”; da linda “Dani”, de Jimi Joe, em que o eu - lírico questiona em uma metafísica wildneriana: “E quando o espírito se libertar, quem tomará conta dos gatos?” e de “Boas Notícias”, excelente canção de Gustavo Kaly, do extraordinário refrão:

“Eu lhe prometo que trarei boas notícias quando eu voltar
Se eu não voltar, as boas notícias estarão lá
Se pelo acaso as boas notícias não encontrar você
Daí fudeu, daí fudeu...”

Mais Wander Wildner, impossível...


Por Ricardo Pereira

The boys are back in town

Já estava na hora de aparecer por aqui, certo? Felizmente, apesar de ter me ausentado, Ricardo tomou as rédeas do blog e escreveu ótimos textos, como sempre.

Agora é a minha vez. Quer dizer, não agora, neste momento. Por enquanto seguem uns vídeos para lembrar do grande Jim Morrison, que há 40 anos deixava este plano - sempre quis escrever "este plano" - para uma nova viagem.

This is the trip... The best part, I really like.

Para ficar mais interessante... Só versões!


"People are strange" - Echo & The Bunnymen


"Love me to times" - Joan Jett


"Peace frog" - Smash Mouth


"The Crystal ship" - George Winston


"Break on through" - Stone Temple Pilots


"The end" - Nico

Para finalizar, a música que toca no final do filme, "The severed garden", que deixa um nó na garganta até hoje. E sempre vai deixar.



Por Hugo Oliveira

sábado, 9 de julho de 2011

Como se fosse a primeira vez

Essa semana, o Xexéo (de cujos textos gosto cada vez menos) escreveu falando sobre o quanto os filmes do Woody Allen que ele gosta menos parecem melhores quando vistos depois de algum tempo. Talvez inspirado nisso, ontem decidi rever o Você vai encontrar o homem de seus sonhos, penúltimo filme do diretor e um filme fraco se comparado à filmografia recente dele. Aos clássicos então, nem se fala...

Mas ontem o filme até que me agradou um pouco mais. Não chegou a me fazer mudar de opinião, é realmente um filme menor, mas possui lá seus momentos. Roy, o escritor fracassado, que na primeira vez que assisti não me despertou empatia alguma, dessa vez funcionou melhor. A Naomi Watts está linda demais e sua personagem é a que possui mais humanidade entre todos do filme, o restante está muito caricatural. O final também me pareceu melhor dessa vez, talvez o fato de assistir com pouca expectativa tenha ajudado também.

Com relação a expectativas, já falei aqui que ando, nos últimos tempos, adepto das releituras. É muito bom redescobrir livros e filmes que foram marcantes. Mas o que eu queria mesmo era uma espécie de ‘Brilho eterno de uma mente sem lembranças da arte’. Poder apagar as lembranças de determinadas obras para ter novamente a sensação de descobri-las, de estar em contato com elas pela primeira vez.

Do Allen mesmo, gosto tanto de Manhattan, que resolvi vivê-lo – e o que ganhei disso foi saber como Tracy volta de Londres... – e assisti várias vezes, mas gostaria de sentir de novo como recebi aquilo da primeira vez. Lembro, na minha adolescência, do encanto que senti ao terminar o último parágrafo de livros como Cem Anos de Solidão ou Memórias Póstumas de Brás Cubas. Nesses momentos senti algo que disco nenhum no mundo jamais me fez sentir – e quem me conhece sabe o quanto os discos são importantes para mim.

As releituras são fantásticas e extremamente prazerosas. Recentemente fiz minhas melhores leituras até agora de Os Irmãos Karamazov e de Dom Casmurro, além do Rosa que volto sempre. Elas têm inclusive, por já sabermos o enredo, a vantagem de percebermos melhor o quanto esses caras são até mais geniais do que pareceram na primeira leitura.

Mas ainda assim gostaria de poder ler cada um deles e assistir vários filmes que adoro como se estivesse em contato com eles pela primeira vez. O jeito é me contentar com as releituras e procurar novos primeiros prazeres.


 Por Ricardo Pereira

Não mais

Estagnação – esta seria sua bandeira, sua pátria, sua palavra de ordem. Sobreviver e cumprir seu ciclo apenas. Já vinha fazendo isso há algum tempo, agora seria consciente. Possuía um emprego estável e burocrático, que lhe permitia pouco contato com as pessoas. Nos momentos em que necessitava do convívio social, optava por uma educação e cortesia extremas, que disfarçavam sua aversão às pessoas.

Envolver-se o mínimo possível. No campo sentimental, já havia meio caminho andado. Seu último relacionamento deixara uma cicatriz que o impedia de qualquer envolvimento amoroso mais profundo. Havia sido uma bonita história, intensa, apaixonada demais, mas os danos de um fim abrupto emudeceram sua alma e seus sentidos.

Passara os primeiros meses esperando que ela voltasse arrependida. Houve dias em que acordava com a certeza de sua aparição. A segunda etapa, mais prolongada, foi esperar que ela aparecesse para se desculpar, colocou em seu íntimo que precisava disso para prosseguir. Só aconteceu quando já não mais esperava. E não houve nada da beleza redentora que fantasiara inspirado nos romances que pateticamente foram os falsos profetas de toda a sua vida. Foi frio, distante e triste, apenas.

Não ficara o amor, nem as boas lembranças, tampouco a saudade. Um amargo arrependimento, somente. Fantasiava constantemente voltar no tempo para um instante antes de tudo começar e fugir, ainda que ridícula e precipitadamente. Não sendo possível, tratava de proteger o presente e salvaguardar o futuro.

Vivia seu dia-a-dia esperando ansioso um fim-de-semana que só lhe trazia vazio e frustração. Não obstante, permanecia íntegro em seu projeto de fuga de levar a vida evitando-a. Sem grandes emoções, sem grandes objetivos, e com o mínimo de dor possível.


Por Ricardo Pereira

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Apenas um incômodo


Já tive orkut, tenho facebook, nunca tive saco para o twitter. Penso que as redes sociais têm suas vantagens, recados rápidos, compartilhamento de notícias ou discos interessantes, recomendação de filmes, e servem também para manter contato com amigos distantes. Mas algo que me enche o saco é que no facebook ‘todo mundo’ é foda, quer ser bonito, inteligente e descolado. Falam do que não gostam ou nem conhecem, fingem ser o que não são para ostentar uma imagem encantadora. E tome simulação e frases de efeito!

Pode ser ataque de ranzinzice, ontem uma amiga disse que alguns textos aqui parecem de um velho e outros dão a impressão de eu ser, segundo as palavras dela, “um Ian Curtis nascido em Bangu e enterrado em Angra”. Posso não ser o sujeito mais descontraído do mundo, não consigo me comportar como se a vida fosse uma micareta, mas nem me identifico com o eu - lírico triste que ela identificou por aqui não.

Tenho sim minhas idiossincrasias, principalmente no que se refere a músicas, livros, filmes. Obsessões com ordem cronológica, ouvir as faixas de um disco na ordem em que foram escolhidas, esse tipo de coisas. E isso talvez corrobore a visão da velhice textual percebido por minha amiga. Hoje, por exemplo, já ia esquecendo de comprar o jornal de toda sexta para ler o Dapieve, cheguei em casa e resolvi ler na internet mesmo. Mas mal comecei e, quando vi que a coluna era sobre o último Woody Allen, tive que sair pra comprar o jornal. É essa obsessão pelo objeto que me faz ainda comprar CDs, livros e DVDs e sempre preferir o jornal a ler online.

É o tipo de comportamento bem idiota, reconheço. Mas até valeu a pena, vi hoje que estão sendo lançados dois livros do Rubem Fonseca: Axilas e outras histórias indecorosas, de contos e José, uma espécie de livro de memórias não necessariamente biográfico, em que Fonseca se aproveita ironicamente da curiosidade exagerada que as pessoas têm sobre ele. Ao menos foi isso que eu entendi.

Mas voltando. Sei que ontem fiquei com a referida conversa na cabeça e lembrei de outra amiga, da época do Ensino Médio. Éramos afastados e nos aproximamos mais para o final do 3º ano, e ela uma vez se disse surpreendida por me conhecer como eu era, tinha uma imagem de um cara deprimido, pra baixo... Não sei de onde as pessoas tiram isso. Talvez pelo fato de eu não ser afeito a grandes exaltações, exceto quando o assunto é futebol, claro. Posso ganhar na loteria, um vale-cds de um milhão ou o Radiohead tocando no meu aniversário que vou ficar feliz demais, mas não demonstrarei efusivamente. Às vezes preciso até ficar repetindo o quanto fiquei contente, pois as pessoas tendem a não acreditar.

E essa autoanálise inútil começou pelo fato de mais uma vez eu sentir vergonha pelos outros no facebook. Ou foi pela conversa de ontem? Não importa, gostaria que as pessoas fosse apenas 10% do que afetam nas redes sociais para iludirem os outros. E se enganarem também, claro.

Queria ver tirar essa onda na vida real...

Por Ricardo Pereira

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Men of a certain age

Ontem estreou, na Warner, a segunda temporada de ‘Men of a certain age’, das melhores séries em atividade e que foi bem importante para o meu ano passado, em sua primeira jornada. A série conta basicamente as desventuras de três melhores amigos na faixa dos quase cinquenta: Joe, Terry e Owen, interpretados respectivamente por Ray Romano, Scott Bakula e Andre Braugher.

Para os que estão acostumados com as séries atuais extremamente frenéticas, com milhões de coisas ao mesmo tempo, ou com as metidas a engraçadinhas recheadas de um humor de gosto duvidoso, é provável que ‘Men of a certain age’ seja uma decepção. Simplesmente, porque estes ficarão com a sensação de que “não acontece nada”. E foi justamente por isso que me encantei, a proposta realista, um recorte da existência desses três caras que já foram, há muito, contaminados pelo mundo e procuram beleza e continuidade nos percalços da vida.

E mesmo estando pelo menos uns vinte anos atrás dos personagens, a série me proporcionou, desde seu começo, uma grande identificação. Passei parte da primeira temporada me encontrando e a meus amigos na personalidade dos três. E parte dessa identificação vem do fato de eu ser bastante nostálgico e a série lidar muito com a nostalgia, desde a abertura meio ‘Anos Incríveis’ ao som de Beach Boys, ao fato de, vez ou outra, um dos três amigos apanhar do passado ou ter que lidar com a constatação que o tempo tratou de encaminhar a vida de uma forma diferente do que se esperava.

O primeiro episódio da segunda temporada me aproximou ainda mais de um desses personagens, da forma de lidar com determinadas circunstâncias. Ontem cheguei em casa extenuado física e mentalmente, e foi um grande prazer e alívio poder me reconhecer e de repente entender um pouco do que sinto, ainda que através de personagens de ficção. 

O grande espelho que é o mundo ousaria refletir os seus sinais
 Por Ricardo Pereira

domingo, 3 de julho de 2011

Saque dela

E finalmente me apaixonei de novo... “Finalmente arrumou uma mulher e vai parar de derramar melancolia em nós?” – posso imaginar os leitores pensando. Não, ainda não, longe disso. Minha paixão repentina é por uma alemã de 21 anos, Sabine Lisicki.

A conheci há quase duas semanas, uma manhã de quinta, feriado. Esperava o jogo do Federer em Wimbledon, estava passando o jogo da alemã contra a chinesa Na Li, atual campeã de Roland Garros. Fiquei lendo o jornal enquanto esperava e de vez em quando dava uma olhada no jogo, fiquei sabendo que Lisicki fora convidada para o torneio, havia saído de uma contusão há pouco tempo. E, à medida que o tempo passava, dava mais atenção ao jogo do que ao jornal, até largar as notícias completamente. Sem me dar conta, fui me envolvendo com a entrega, a garra e a disposição da alemã, que acabou por vencer o jogo e, muito emocionada, chegou a chorar após a vitória.

E foi nesse momento que tive a certeza de estar apaixonado. Sabe aqueles momentos em que você lembra sempre e tem a convicção de que foi justamente ali que sua vida estava arruinada? Então, o meu foi nesse momento em que Lisicki não contia o choro de emoção por sua vitória.

Acabei tendo a oportunidade de, por acaso, estar em casa no horário de outros jogos dela e acompanhar, por exemplo, o jogaço de quartas de final contra a francesa Bartoli, em que a alemã tinha a chance de fechar o jogo, sacando em 5-4 e desperdiçou levando o jogo para o tie-break, quando finalmente venceu. Nesse jogo torcia e vibrava a cada ponto, e me encantava com o lindo sorriso de Lisicki ao acertar bolas difíceis.

E para quem acha que passei a torcer por causa dos atributos físicos da tenista, a maior prova em contrário foi a semifinal, o jogo em que torci como se ela carregasse a estrela solitária em seu peito, contra a musa Sharapova. Infelizmente, desse jogo, Lisicki não passou... Mas se não conquistou Wimbledon, ganhou meu coração. Ok, nem tanto, mas minha torcida e admiração sim, é verdade.

Aber du lächelst wie die
Und ich habe Zeit und Ort verloren
Ich bin damit einverstanden.
 Por Ricardo Pereira

É Campeão!


Acho que não torcia tanto por um tenista desde o Guga... Djokovic Campeão de Wimbledon 2011, ensinando o nadal como é que se faz!

Por Ricardo Pereira