"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Camiñando y Cantando

Há uns meses, meu primo estava aqui em casa, passamos o dia conversando, tomando umas cervejas e ouvindo música. Passamos por muita coisa, Ben Kweller, Beatles, Doors, Stones, Strokes, Weezer, Radiohead, Hermanos... Em determinado momento, coloquei um disco do Wander Wildner e, mal começou, meu primo chiou: “Com tanta coisa boa aqui, me recuso a ouvir isso!”. Parecido aconteceu esses dias quando meu irmão veio assistir a um jogo aqui e coloquei algumas músicas do último disco do Wander, Camiñando y Cantando, no intervalo. Ao dizer que estava ouvindo direto, meu irmão perguntou se era sério isso.

Esses dois episódios recentes ilustram certa resistência que mesmo pessoas abertas musicalmente têm pelas canções de Wander Wildner. Entendo a razão, a simplicidade e ‘tosqueira’, as amarras do chamado “punk-brega” afastam parte dos ouvintes. Eu sempre tive grande afeição por pérolas como “Eu não consigo ser alegre o tempo inteiro”, “Eu tenho uma camisa escrita eu te amo” ou a maravilhosa “Mantra das possibilidades”, ainda assim, gostei mais de seu último álbum do que de qualquer outro de sua carreira.

O que era considerado tosco e brega por muitos agora agrega um lirismo e melancolia que tornam o disco irresistível. Camiñando y Cantando é um álbum de viagem. Gravado após passagens do cantor pelo Uruguai, Argentina e Alemanha, o disco carrega esse clima na sonoridade mais folk, em que as guitarras de outrora dão lugar a bonitos violões, e em versos como “No walkman eu tenho carga pra seis horas e Johnny Cash” ou “Vou levantar as âncoras, abrir as trancas, sentir que o mundo é o que sou. Seguir o trilho do coração, ir para onde ele for.”

É também um conjunto de canções mais reflexivo do que sua obra anterior. E isso fica perceptível desde a primeira faixa, “As coisas mudam”, em que o cantor carrega na melancolia ao cantar a transitoriedade da vida. É um disco mais de intérprete, a maioria das músicas é de outros compositores, apesar disso todas possuem o DNA de Wander Wildner, como podemos perceber nas excelentes versões de “Viajei de Trem”, do Sérgio Sampaio e de uma “A palo seco” tão ou mais ‘sangrenta’ do que a original de Belchior. O verso sobre a maior identificação com o tango argentino do que ao blues, aliás, vem bem a calhar, pois o álbum possui um clima portenho, com três canções cantadas no espanhol peculiar do cantor e outras no clima “tango punk abolerado” como definido em “Calles de Buenos Aires”.

Além dessas, gosto bastante da romântica (brega alguns dirão...) “A razão do meu viver”; da linda “Dani”, de Jimi Joe, em que o eu - lírico questiona em uma metafísica wildneriana: “E quando o espírito se libertar, quem tomará conta dos gatos?” e de “Boas Notícias”, excelente canção de Gustavo Kaly, do extraordinário refrão:

“Eu lhe prometo que trarei boas notícias quando eu voltar
Se eu não voltar, as boas notícias estarão lá
Se pelo acaso as boas notícias não encontrar você
Daí fudeu, daí fudeu...”

Mais Wander Wildner, impossível...


Por Ricardo Pereira

Nenhum comentário:

Postar um comentário