Uma das histórias mais engraçadas da minha infância aconteceu em 86, no dia da exibição do último capítulo da novela Roque Santeiro. Eu, então com cinco anos de idade, não perdia um capítulo da novela, assim como praticamente o Brasil inteiro, e fiquei inconsolável com o fim da trama. Ao acabar o último episódio, desatei a chorar e minha mãe teve que ligar para minha madrinha, que fingiu ser funcionária da Globo e me garantiu que Roque Santeiro voltaria. Só aí sosseguei.
Depois disso, a novela repetiu duas vezes e em ambas não pude assistir. A primeira reexibição foi em 91, e a segunda em 2000, uma fase complicada de muitas mudanças para mim e em um horário impossível de ver. Mas agora que o Canal Viva começou a passar, não perco de forma alguma.
Ontem assisti ao primeiro capítulo e comecei a entender o encantamento do menino Ricardo pelo programa. Primeiro, a qualidade da trama de Dias Gomes, em uma época em que as novelas eram relevantes e não apenas repetições manjadas para agradar o público. A história da cidade de Asa Branca e de seus deliciosos personagens é irresistível e não procurava apenas divertir. Há ali a crítica à corrupção e ao coronelismo – a cena em que somos apresentados a Sinhôzinho Malta é primorosa - e à exploração do fanatismo, pois a cidade é sustentada pelo mito em torno de Roque Santeiro.
Há também uma coleção de personagens hoje clássicos e presentes no inconsciente coletivo nacional, como Malta; a viúva Porcina; dona Pombinha; o professor/lobisomem Astromar Junqueira; Matilde, a dona da boate; Zé das Medalhas; o próprio Roque Santeiro e muitos outros. Personagens estes interpretados por nomes como Lima e Regina Duarte, Yoná Magalhães, José Wilker, Ary Fontoura, Paulo Gracindo e Armando Bógus, dando show de interpretação em alguns de seus trabalhos mais marcantes.
Além do texto e interpretações fantásticos, a trilha sonora é muito boa e me fez viajar no tempo. Na época, as trilhas eram feitas em função dos personagens e da trama. Daí que, mesmo que algumas delas sejam datadas ou soem bregas mesmo hoje, canções como “Isso aqui tá bom demais”, com Dominguinhos e Chico; “Mistérios da meia-noite”, com Zé Ramalho; “Sem Pecado e Sem Juízo”, com a Baby Consuelo; “Dona” (Roupa Nova); “De volta pro aconchego” (Elba Ramalho), e a canção título da novela, com Sá & Guarabira, nos trazem instantaneamente aos personagens e à fictícia Asa Branca.
E mais do que isso, conseguiram me trazer, por instantes, minha infância: um período da minha vida de que tenho poucas lembranças efetivas, apenas flashes ou uma e outra recordação. O horário não é convidativo – de segunda a sexta, meia noite e quinze – mas vale a pena perder algumas horas de sono para assistir a uma novela de uma época em que as mesmas eram relevantes e impactantes.
“Tô certo ou tô errado?” |
Por Ricardo Pereira
Cara, deixa eu te falar uma coisa: consegui, por um minuto, sentir o cheiro da casa da minha vó materna, onde morava na época da novela. Uma sensação de segurança e de "lar doce lar" lembrar dessa novela, que também foi marcante para mim. Ótimo texto. Adorei.
ResponderExcluirPô, obrigado, Hugão! Feliz que tenha gostado. Fiquei bastante mexido ao "encontrar" com o primeiro capítulo ontem, espero conseguir continuar assistindo mesmo quando as aulas voltarem...
ResponderExcluirTá certo. Certíssimo!
ResponderExcluirque graça! aos 5 anos chorar porque acabou a novela rs :) ...e não qualquer novela, como o próprio texto diz! bjs
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