"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Acima da chuva

Ao invés de aproveitar as “férias” para adiantar novas leituras, conhecer discos e filmes pendentes, acabo, quase sem querer, encontrando antigas paixões.

Estava relendo o excelente capítulo sobre montagem do Conversas com Woody Allen e me deu vontade de assistir novamente A Outra, um filme que nunca esteve entre meus preferidos do diretor. E não por ser um drama, Interiores, por exemplo, é top 5 dos filmes dele fácil pra mim. Por algum motivo, A Outra não bateu tão forte da primeira vez a que assisti.

Nesse reencontro, porém, o filme cresceu bastante. Conta a história de Marion (Gena Rowlands), uma mulher “que não se permite sentir, então o resultado é que ela tem esta vida fria e intelectual, alienando todos a sua volta”. Em determinado momento, Marion aluga um apartamento para escrever seu novo livro e, por causa de um defeito no duto de calefação, consegue ouvir as sessões de um psiquiatra vizinho. E através das angústias de uma das pacientes, uma mulher grávida, passa a repensar sua vida, seus relacionamentos, e refletir sobre suas próprias angústias e medo de se entregar aos sentimentos.

É um filme lento, cheio de sutilezas e de diálogos que causam desconforto, de tão reais. Em um sonho motivado por uma das sessões, a protagonista conversa com um ex-marido que havia sido seu professor e foi encontrado morto anos após o divórcio, por uma mistura de álcool e remédios, não se sabe se suicídio ou não. Nesse acerto de contas póstumo, seu ex-marido argumenta que pagou o preço de não ter resistido à tentação, lamenta-se de tê-la feito o adorar e arremata: "Inevitavelmente, chega uma hora quando o pupilo aprende tudo o que necessita. Então o que parecia uma constante de trocas de ideias e opiniões se torna sufocante. Isso foi o que escreveram na minha certidão de óbito. ‘Sufocação’”.

Gosto da reflexão final sobre se a memória é algo que se tem ou algo que se perde, e de um diálogo seco e certeiro de uma cena de fim de relacionamento:

“- Sinto pena de você, porque na sua maneira você tem sido tão solitário quanto eu.
 - Fomos solitários?
 - Ao menos eu admito”.


Ontem, estava indo dormir e ao dar aquela última passada de canais, vi que ia começar Carne Trêmula, o Almodóvar de que mais gosto. Pensei em dar uma olhadinha só e, obviamente, acabei assistindo ao filme inteiro.

Se não me engano, foi a terceira vez que assisti e fiquei tão mexido quanto das duas primeiras. É um filme mais ‘masculino’ em relação à maioria dos filmes do diretor espanhol e trata prioritariamente de sentimentos movidos pela culpa. O que não faltam são grandes momentos, conduzidos pelo sempre ótimo Javier Barden. Gosto particularmente de uma cena de amor extremamente lírica e bem feita em que os corpos se integram como se fossem um só, e, no final, a personagem Elena termina abraçada às pernas do amante. Pernas que são o que lhe fazem falta no marido paraplégico.

Elena é uma mulher intrigante, extremamente sedutora e refém de suas culpas. Procura agir com sinceridade total e é um exemplo de como, muitas vezes, a verdade pode ser cruel e machucar tanto quanto a mentira. Curiosamente, nesta terceira vez, o final do filme me incomodou e mexeu comigo mais do que nas vezes anteriores.

São dois filmes de linguagens cinematográficas diferentes, mas com alguns pontos em comum. A começar por serem filmes doloridos e angustiantes e também por deixarem, após todo o tipo de tempestade, uma brecha de esperança em seus desfechos.

Se for para encontrar antigas paixões que sejam como estas. Encontros estimulantes e com mágoas circunscritas à ficção. Essas, pelo menos, valem a pena.

This is not about love
 Por Ricardo Pereira

Um comentário:

  1. Vou assistir este filme do Woody! ele sempre tem umas sacadas bacanas!!
    beijos

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