Rendi-me ao Netflix no começo deste ano. Vários amigos já
haviam dado a dica, mas a ausência de uma internet minimamente potente
inviabilizava a assinatura. Resolvido o problema, hora de mergulhar no catálogo
de filmes, séries e documentários que o serviço disponibiliza a seus
associados.
Uma das primeiras escolhas foi o Joe Strummer: The Future
is Unwritten, documentário de 2007 dirigido por Julian Temple. Strummer,
vocalista, guitarrista e líder do grupo punk inglês The Clash, é o foco do filme,
que oferece em pouco mais de duas horas um resumo da trajetória de um dos
músicos de rock mais importantes de todos os tempos.
A forma de apresentação do documentário é simples, porém
criativa. Vários amigos e personalidades influenciadas pelo músico, reunidos em
volta de uma fogueira, presenteiam-nos com elogios, críticas e lembranças a
respeito de Strummer, enquanto a voz do próprio oferece uma narração no estilo
de um programa de rádio. Imagens e vídeos do cantor em todas as fases de sua
vida são disponibilizados, enriquecendo ainda mais o filme.
A relação complicada com o pai, a adolescência quase hippie,
as primeiras aventuras musicais, a ascensão e a queda do The Clash e anos
posteriores à saída do conjunto são retratados com destaque ao longo do
documentário. Mais do que uma obra sobre o músico, a película retrata
igualmente o homem por trás do ídolo. Assim como qualquer ser humano, Strummer
acerta e erra ao longo de sua caminhada, demonstrando que a jornada é
imprevisível. E não está escrita.
Strummer levou a utopia de mudar o mundo com a música às
últimas consequências. Enquanto seus pares estavam mais interessados em chocar
através de jogadas de marketing geniais – Sex Pistols – ou de uma inaptidão
musical e de um revisionismo travestidos de qualidades – Ramones –, à frente do
Clash ele era político até não poder mais, urgente, perigoso. Os shows ao vivo
do conjunto eram famosos pela entrega de seus integrantes. A banda era uma verdadeira
gangue no palco, preparada para lutar. Um round
e pronto: o público era nocauteado positivamente.
Ainda assim, não existe lutador invencível. A fama, o uso de
drogas e as diferenças musicais e pessoais entre os membros do quarteto foram
minando a união do grupo, que jogou a toalha já sem a formação original,
durante a turnê que divulgava o fraco Cut
The Crap (1985). Por um tempo, Strummer viveu fora da cena musical. O
retorno se deu aos poucos, e o processo não foi fácil. Primeiro, gravou um
álbum solo que foi mal recebido pela crítica e pelo público; depois, fundou um
projeto intitulado Joe Strummer & The Mescaleros, que lançou bons discos,
mesmo não alcançando a glória de suas antigas obras. A movimentação o deixou
mais feliz, colocando-o de volta ao ringue. O guerreiro, pouco a pouco, voltou
à forma.
Morte ou glória. Este era o título de uma de suas mais
antológicas canções, oriunda de um disco que figura em qualquer lista séria de
melhores de todos os tempos, London
Calling (1979). Joe Strummer não estava brincando quando escreveu a música,
mas ao final da vida, remodelou a letra dela através de sua própria experiência.
Em 2002, o músico sofreu um ataque do coração por conta de um problema
congênito – e desconhecido por ele. Tinha apenas 50 anos. Uma grande perda para
familiares, amigos e fãs.
Joe morreu, mas a glória de se manter fiel às convicções e
às paixões seguiu com ele até o final da vida. As últimas imagens do músico
mostram não um jovem senhor, mas um menino, feliz em poder fazer aquilo que
mais gostava.
Vai ver que o punk
rock era sobre isso: felicidade e engajamento.
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