"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Bowie vive (e nós também)

David Bowie entrou na minha vida através da inesquecível levada de bateria na introdução de “Five Years”, canção que abre o disco The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spider From Mars (1972). 

Quando ingressei na faculdade de jornalismo, em 2002, os primeiros amigos que fiz no curso, Wagner Fester e Roberto Lestinge, indicaram com certa urgência a necessidade de conhecer o trabalho do inglês que, desde o final dos anos 60, vem deixando suas marcas não somente na música pop, mas na cultura mundial.

Eu morava em Campo Grande, no Rio de Janeiro, na época do curso de comunicação. Estudava em Ipanema. Pegava trem e ônibus para chegar ao campus. Uma hora e meia para ir e umas duas para voltar. Mesmo com todas as dificuldades, os primeiros dias no Rio foram fascinantes. Livrarias, lojas de disco, pontos turísticos que só via pela televisão... Era um paraíso para um garoto que cresceu em Angra dos Reis e que só saiu da cidade aos 23 anos.

Um dos lugares que costumava frequentar religiosamente era uma banca que vendia CD’s importados na Uruguaiana, um grande camelódromo no centro da cidade. Num belo dia, indo para a faculdade, resolvi dar uma parada estratégica para saber se alguma novidade havia pintado. Dito e feito: uma edição dupla comemorativa dos 30 anos do álbum Ziggy Stardust estava disponível. Tremi nas bases. A capa, as músicas, o encarte grosso e as canções extras fizeram com que eu retornasse a Campo Grande para desfalcar uma parte da grana que meus pais enviaram a mim, investindo-a na compra do disco. Naquele dia eu não fui à aula.

Assim que cheguei da rua, sentei no sofá e dei inicio ao ritual. Rasguei o plástico do disco com cuidado. Folheei o encarte e peguei o CD que continha o álbum remasterizado. Coloquei no Discman e pronto, fui capturado instantaneamente. “Five Years”, “Ziggy Stardust”, “Lady Stardust”, “Hang On to Yourself”, “Moonage Daydream”, “Suffragette City”, “Starman”, “Rock’n’Roll Suicide”… Canções lindas, criativas e fáceis, no melhor sentido possível. Estava convertido. E eu sabia que era para sempre.

Depois vieram outros discos. Diamond Dogs (1974), que ainda tinha muito da fase Glam e, ao mesmo tempo, acrescentava sonoridades diferentes, como o soul poderoso de “1984”, segue como um dos prediletos; Low (1977), um álbum quase inclassificável, também merece devoção. Logo eu, que nunca fui muito chegado a discos ditos difíceis, apaixonei-me de cara pelas faixas do CD. O que dizer, por exemplo, de uma canção como “Warszawa”, trilha sonora do mundo acabando e renascendo logo em seguida? Estupefação e beleza em doses cavalares.

Hunk Dory, Aladdin Sane, Pin Ups, Heroes, Station to Station, Young Americans e The Next Day – este último, presente do grande amigo Ricardo Pereira, companheiro de blog – completam a minha coleção particular, que ainda carece de títulos importantes como Scary Monsters (and Super Creeps), Lodger, Space Oddity, The Man Who Sold the World e Let’s Dance e o próprio Black Star, lançado dois dias antes da morte do artista.

A cultura pop tem uma grande dívida com Bowie. Punk, New Wave, No Wave, Post-punk, nada disso existiria sem ele. Bandas como Suede e até mesmo The Smiths, por exemplo, não teriam a mesma sonoridade brilhante; Lou Reed e Iggy Pop não lançariam discos tão essenciais quanto aqueles que, de alguma forma, têm a mão do camaleão.  Até o movimento gay precisa prestar reverência ao alienígena andrógino, pela declaração, mesmo que baseada numa jogada de marketing, de que ele era bissexual.

Eu também terei que pagar o que devo a Bowie, pelas maravilhosas músicas criadas por ele e seus parceiros. Vou efetuar o pagamento bem devagarzinho, parcelado, através da compra dos discos que ainda não tenho. Assim, mesmo que ele já não esteja entre nós de corpo presente, cada nova aquisição será saboreada como um disco inédito.

Assim, seguirei envelhecendo com a certeza de que Bowie ainda está por aqui, e que a qualquer momento, eu e o Marcel, sentados na cama da nossa mãe, vamos ouvir o Diamond Dogs e pirar.

Don’t think you knew you were in this song, “blódah”.

Turn and face the strange



Por Hugo Oliveira (para Marcel Oliveira)

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