"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A agonia de Dexter


Nunca fui fã incondicional de Dexter. Apesar de gostar da série desde seu início, algumas soluções encontradas nos desfechos das temporadas me traziam certo desconforto. Era como se, num passe de mágica, tudo colaborasse para que o (anti) herói se safasse dos crimes cometidos e dos que o perseguiam. Para isso, os roteiristas abusavam de coincidências ou lances de sorte absurdos.

Mas relevava, pois Dexter é um grande personagem. Serial killer com espírito “justiceiro”, possuía um código de ética para matar: a vítima deveria merecer e ele só concretizaria seu ritual após se assegurar de que o alvo se enquadrava em seus parâmetros. Mas nunca foi movido apenas por justiça, tinha prazer em assassinar e só assim encontrava paz de espírito.

O que torna tudo mais interessante é acompanhar as tentativas de Dexter de parecer “normal”. A série é conduzida por uma narração feita pelo protagonista, através da qual temos acesso a seus pensamentos, desejos e reais motivações. E, assim, somos conduzidos a presenciar um cara desajustado procurando parecer o mais ajustado possível ao mundo. E, pra melhorar, Dexter trabalha numa delegacia de homicídios!

Há ainda trauma de infância, relações familiares confusas e interessantes personagens secundários que sustentam a trama. Deb, a irmã passional, detetive/tenente dedicada e desbocada; a misteriosa La Guerta; o carismático Batista, o desconfiado Doakes. Ingredientes mais do que suficientes para proporcionar duas primeiras temporadas excelentes, uma terceira boa e a quarta irretocável, com o melhor vilão (Trinity, interpretado pelo excelente Arthur Mitchell) e um final destruidor.

A partir daí é que as coisas desandam. A quarta temporada havia deixado excelente gancho e o mesmo é desperdiçado em uma temporada pífia, que indicava os rumos lamentáveis em que a série se encontra atualmente. Para começar, pouco a pouco, os personagens começam a ser descaracterizados, como se a cada temporada que começasse muito do que acompanhamos antes não tivesse mais importância: o que vai importar é o que vai ser contado nos próximos doze episódios.

E para isso, abdicaram de dois princípios básicos de qualquer boa narrativa: coerência e verossimilhança. E, assim, nas últimas três temporadas, situações esdrúxulas vão se sucedendo, personagens inúteis entram e saem da trama de qualquer maneira e a narração da série por Dexter tornou-se redundante e, muitas vezes, idiotizante, como a duvidar da inteligência do espectador, em explicações tatibitate desnecessárias.

O razoável sexto ano da série havia deixado em seu final uma esperança de que as coisas poderiam ser revertidas, mas a confusa sétima temporada enterrou (o mais adequado talvez fosse jogou ao mar) qualquer boa expectativa para a continuidade. Deb, que pouco a pouco foi se tornando uma de minhas personagens preferidas do seriado, apagou-se quase completamente e Dexter passou do prazo de validade.

Continuo assistindo pelo carinho desenvolvido no decorrer da série e para saber de que forma vão concluir a história que acompanho por tanto tempo. Mas, a cada um dos últimos episódios assistidos, a sensação era de presenciar o seriado enrolado em plástico, nauseado, esperando a estocada final que o redimisse dos pecados recentes.


Por Ricardo Pereira

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