Ele sempre fora dramático e impressionável. Quando criança, constantemente sentia medo, quando seu pai se atrasava um pouco do trabalho, que ele não chegasse. As piores situações passavam por sua cabeça, os mais variados tipos possíveis de mortes, confusões, imprevistos. Isso ia crescendo e o angustiando, até seu pai aparecer no portão.
Anos depois, voltando da praia com seu afilhado, resultado talvez de umas cervejas a mais, não viu um carro vindo ao atravessar a rua e foi contido pela mãozinha do menino, que o puxou de volta para a calçada. Por essa situação banal, passou muitos anos imaginando o inferno que seria a vida sem o seu afilhado, talvez perdido por uma imprudência sua.
Mais tarde, Ela apareceu. Um namoro perfeito para alimentar sua melancolia e dramaticidade: um relacionamento à distância, pontuado por cartas melodramáticas em que ambos esmiuçavam cada encontro, aumentando a saudade e que tão bem combinavam com as canções que ele ouvia sozinho, a sete cidades de distância.
Uma vez, com a relação já estável e consolidada, os dois conversavam ao telefone, na véspera de um encontro, antecipando como seria bom estarem juntos novamente, e a ligação caiu, o telefone ficou mudo. Ele tentou ligar diversas vezes, o telefone chamava e nada... Esperou que ela retornasse o telefonema, os minutos, horas passavam e só o silêncio enervante do seu pequeno apartamento. Sua mente não perdeu tempo e produziu as piores circunstâncias. Quase não dormiu, e, no dia seguinte, tentou ligar seguidamente, chegando ao exagero de conseguir o telefone do prédio dela, ligar para uma vizinha ver o que havia acontecido. “Não há ninguém lá, chamei várias vezes...”
Foi a senha para a viagem mais tensa da sua vida, a certeza de que o pior havia acontecido o aterrorizava. A chegada no apartamento, três toques na campainha, a demora em atender, abuso de clichês cinematográficos, de repente Ela abre a porta e ele nunca esquecerá esta cena, sua beleza, seu sorriso e, mais do que qualquer coisa, o imenso alívio da constatação de que ela estava ali, viva, bem.
Mais um salto temporal, dessa vez maior. O tempo destrói tudo, não seria diferente com eles, irreversível. Nunca se desligaram completamente, e-mails, telefonemas esporádicos, raros – e excelentes – encontros, um respeito, carinho e orgulho do que construíram, mesmo que a vida os tivesse condenado à distância.
Um dia, num momento em que as circunstâncias os aproximaram, aconteceu novamente. Uma mensagem pela metade, a promessa de se falarem mais tarde, silêncio. Mensagem, telefonemas, e-mail, nada... Algo acontecera com ela, ele tinha certeza e essa certeza vinha do fato de Ele saber que provavelmente nada acontecera. Em sua mente doentia, se na época de namoro ele pensou o tempo todo no pior e não houvera nada, dessa vez, o fato de ele saber que ela devia estar bem era o indicativo de que, sim, algo de ruim estava acontecendo.
Essa noite, ele conseguiu dormir. Mas a manhã trouxe angústia e preocupação, não conseguia contato. Um relacionamento entre eles a essa altura da vida era algo improvável, mas a possibilidade de que ela não existisse mais nesse mundo o angustiava, o entristecia. Eram amigos, mas como ex-namorados, há sempre um ciúme presente. Ainda assim, o que ele mais desejava era uma mensagem, um e-mail, um telefonema dizendo que ela estava com alguém, feliz, divertindo-se, mas viva e bem.
A mensagem veio, não com esse conteúdo, apenas para informar que estava tudo bem. Mais uma vez, alívio imenso. No entanto, sem sua presença e beleza por perto. Mas a constatação de o mundo ser um lugar melhor para se viver com ela presente, de, mesmo nunca mais havendo nada entre eles, o simples fato de ela existir trazer mais sentido a sua vida, fez com que Ele pensasse que isso talvez fosse o que as pessoas tanto procuram e costumam chamar de Amor.
Por Ricardo Pereira