"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Alumbramento


Sempre tive a nostalgia como companheira. Desde minha infância, sentindo saudades de uma época que não vivi ao assistir a Anos Incríveis ou ouvindo os discos de meu pai. Agora dei para ter nostalgia das séries a que venho assistindo. Sopranos bateu forte e deixou um vazio, sinto saudades dos personagens, até sonho com eles. Esta semana acabei Six Feet Under e, pelo visto, vai acontecer o mesmo. Acabei, durante o seriado, me apaixonado pela Claire, mas gostaria de alguém como a Maggie para casar, mas isso é outra história...


Quero a cumplicidade do Henrique na época de alojamento, pizza “à moda” em dias de jogo, sua companhia nos shows do Caetano ou do António Zambujo; ouvir o Paul McCartney cantando “The long and winding road” abraçado com meu pai num Engenhão quase onírico; cantar “Sem Fantasia” com minha mãe – eu, Chico, ela, Bethânia –, compartilhando vinhos e intimidades; levar Sofia ao Maracanã pela primeira vez e ver seu botafoguismo aflorando.

Quero, em dias de ensino fundamental, sentar ao lado do Rodrigo ‘Mosquito’ no colégio, descobrindo que a diferença de personalidades não é impedimento para aproximação e amizade; viver novamente ao menos uma das várias despedidas da minha turma da oitava série, despedindo-me de Bangu sem saber o que Angra me reservava; encontrar Alexandra, minha Winnie Cooper - primeiro amor de cartas, saudades e distância - na rodoviária de Campo Grande e sentir o afeto oriundo de outra vida em seu sorriso.

Quero andar pelo condomínio com o Rodrigo, alma alvinegra que se foi tão cedo, descobrindo nossas parecenças e angústias infantis; falar besteira e ‘não fazer nada’ com Maycon, Nelsinho, André em dias que pareciam tão mais longos; beber meu primeiro uísque com Gláucio e me sentir andando nas nuvens.

Quero tocar “Meu amigo Pedro” no aniversário do Pedro Henrique, dar sorte em decisões do Vasco contra times de camisa azul ao lado dele e de seu pai; estar com o Rodrigo no lançamento do Bloco do Eu Sozinho num Canecão pela metade; conhecer o Hugo através do gosto compartilhado por Doors e Smiths e, bem mais tarde, tentar aprender a virar adulto vivendo fases parecidas; apresentar Sérgio Sampaio ao Marcel e poder viver ao menos um dos dias da fase louca que será sempre recordada; estar no show do R.E.M. no Rock in Rio com Virgílio, grande botafoguense; discutir a diferença entre tristeza e melancolia com Cecel, quando ambos ainda tínhamos cabelo; virar a noite com Schrit rindo de vídeos engraçados; estar com o Cadu no show do Nervoso, discutindo pré-requisitos jovemguardistas para melhor aproveitamento do espetáculo; ouvir o Roma executar o hit “Celulite” em um violino imaginário; ir para a festa do peão com o Matheus sem saber onde ficar; fugir com o Rodrigo de algum evento no colégio de Garatucaia enquanto nos conhecíamos e aprendíamos a lecionar; trocar confidências com a Carol em um bar no Bracuhy, enquanto percebia ela se transformar em grande amiga; fazer propagandas insanas com a Mariana num bar ou enxergar o que só nós víamos num buraco no muro do Aquidabã; estar com a Nina e a Liana em conversas intermináveis.

Quero sair do cinema em Juiz de Fora com a Isabella sentindo o mundo só nosso e acreditando pela primeira vez no “pra sempre”; ler Baudelaire para a Bárbara no meu quarto do alojamento em um romance de filme; compartilhar com a Camila um vinho de grande simbologia para meus pais em uma bonita noite em Resende; deixar a segurança do meu mundo por uma paixão arrebatadora pela Amanda; viver um dia dos namorados perfeito com a Hortencia, compartilhando o carinho e cumplicidade do meu provável relacionamento mais maduro.

Quero um dia de garrafas de vinho, grandes canções e a confirmação de uma conexão que independe de distância com a Ingrid; encontrar Lívia e Daniel num show do Pato Fu e começar daí uma bela amizade; quero sair sem rumo com Marcella, minha irmã de loucuras e depois ouvir as repreensões da Patrícia, mãe de nós dois; estar com a Rosane na mesa em frente à faculdade ouvindo sua história de amor pela internet que acabou virando casamento; chegar à noite no alojamento e ficar no corredor conversando com o Ramon por muito tempo sobre o Botafogo; acompanhar as maluquices da Renata; beber com o Leo em silêncio numa quinta-feira, dia da morte de George Harrison e, depois, já embriagados, cantar suas canções com um misto de dor e emoção.

Quero chegar na casa do Fábio, assistir a vários Woody Allens e tirar dali o substrato de nossas reflexões, queixas e divertimentos; dividir segredos com a Luisa, sair com ela do show do Moptop bebendo de bar em bar Botafogo a dentro; ir ao cinema com a Juliana, perder a primeira sessão, então aproveitar para que os dois primos mais fechados se aproximassem; ouvir minha madrinha Eugênia falar sobre a vida, discos e livros; conhecer melhor Acílio, meu padrinho, trabalhando com ele em pesquisas; ir ao show do Skank com Renato e perceber, orgulhoso, seu crescimento; voltar do trailer de madrugada com a Giane, minha segunda mãe, ou sentar em frente sua casa, bebendo cerveja e cantando Roberto Carlos na altura; receber o abraço de criança do Junior não querendo que eu vá embora; ver o Joaquim nascendo.

Quero chorar bêbado ouvindo Fagner no meu aniversário, sentindo-me só rodeado de pessoas queridas; assistir ao final da terceira temporada de Lost sem saber o que me esperava; travar conhecimento da obra de Saramago via Levantado do Chão enquanto minha namorada de então fazia uma prova de concurso; sentir minha alma em fogo ao terminar o último parágrafo de Cem anos de solidão; ouvir o John Lennon cantando alguma coisa, qualquer coisa; descobrir o Radiohead falar por mim, mesmo quando não há palavras.

Quero assistir a uma aula de Literatura Portuguesa da Mônica Figueiredo; emocionar uma turma com o que me emociona; comprar o jornal sexta para ler uma coluna do Dapieve; conhecer Riobaldo e me embrenhar irreversivelmente no sertão roseano.

Quero um texto sentimental, sem a mínima ambição literária, me fazendo reviver por segundos em flashes ininterruptos grandes momentos da minha vida.

Quero o mundo e quero agora.

Quero poder sentir todas estas sensações de uma só vez nos meus últimos sete segundos de vida. E ao chegar ao outro lado, caso outro lado exista, quero ser recebido pela Jade; conhecer meu avô Valter; abraçar minha avó Maria e conversar longamente com seu Joaquim; assistir a futebol com Otávio; beber cerveja com tio Rui e tia Terezinha; conhecer melhor tia Nice e, se me for permitido, secar uma garrafa de uísque num bar celestial discutindo amenidades e a eternidade com Vinicius de Moraes. 


Por Ricardo Pereira

7 comentários:

  1. Quero ver o Botafogo campeão de 95, com Túlio (o Maravilha) e Donizete (o Pantera) tão afinados quanto Lennon e McCartney...

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    1. Sem dúvida, um dos texto mais emocionantes da história do blog! Parabéns Ricardo pelos momentos aqui compartilhados.
      Um abração

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    2. Essa de 95 ficou no rascunho! Mas tá lá de certa forma, depois de pronto vi o quanto há de Botafogo, Beatles e Lost rs

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    3. Obrigado, cara. Foi difícil selecionar poucos momentos nossos, dava pra encher outro texto desses!

      Abraço!

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  2. "Emocionante" não traduz o real significado desse teu último texto Tim Lopes. O mais foda, é que ele convida o leitor pra fazer uma reflexão sobre a sua própria nostalgia, a gente dá muito valor pra os nossos fracassos e no meio do caminho acabamos esquecendo que fomos coadjuvantes e protagonistas de vários highlight da nossa própria vida.

    É sempre bom saber, que a dor de uma ferida antiga sempre é capaz de gerar algo belo!

    Só séries, tô vendo Mad Men e é a sua cara!
    Grande abraço amigo!
    K

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  3. Sem palavras, Tino. Lindo texto. Me emocionei forte. Abraço, amigo.

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    1. Valeu Rodrigo, muito bom isso que você falou sobre fracasso/sucesso. Feliz que tenha servido de reflexão por aí!

      Obrigado, Cadu!!

      Saudades dos dois!

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