"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Cumplicidade silenciosa


Um homem dirigindo um caminhão. Esta é a primeira cena de “À beira do caminho”, novo filme do diretor Breno Silveira. Ele está sozinho na estrada. Não há diálogos, palavras soltas ao vento ou pensamentos altos. O silêncio só é quebrado pela canção “A distância”, de Roberto Carlos, que começa a tocar dentro da cabine.

Nunca mais você ouviu falar de mim
Mas eu continuei a ter você
Em toda esta saudade que ficou...
Tanto tempo já passou e eu não te esqueci

Nem precisa chegar ao refrão. Temos alguém com um coração partido. Uma história mal resolvida. Pausa na música: um pneu do veículo acaba furando. É necessário fazer uma parada para consertá-lo. Ao visualizar a peça que deve ser trocada, o homem ouve um barulho na carroceria. Lá dentro, um menino que viajava escondido é descoberto. Ele revela que só queria uma carona para São Paulo, na intenção de encontrar o pai que ele não conhece.

Prontinho. O encontro inusitado entre o motorista João – João Miguel – e o menino Duda – Vinicius Nascimento –, “dois fodidos”, é tudo que o espectador precisa para embarcar numa viagem tocante, de pouco mais de 1h30. No trajeto, nada de explosões, tiroteios ou efeitos especiais mirabolantes. Apenas um homem e um garoto numa cabine, espremidos entre a culpa do primeiro e a esperança que o segundo carrega. Em algum momento alguém vai ter que descer.

Não existem grandes mistérios relacionados ao longa. As pistas sobre o que aconteceu e o que está por vir na vida da improvável dupla vão sendo apresentadas de forma simples... Como se o filme pudesse ser resumido numa frase de parachoque de caminhão. “Espere o melhor, prepare-se para o pior, aceite o que vier”. Um lugar comum inescapável. E absolutamente crível.

O que faz “À beira do caminho” entrar diretamente na lista de grandes filmes brasileiros de 2012 é a interpretação dos protagonistas. Despidos de maiores afetações e tons exagerados, os atores criam, cena após cena, uma cumplicidade silenciosa. E emocionante. Cada informação oferecida através da película alimenta nossa relação com os personagens. E chegamos ao final querendo mais, desejando abraçá-los, viajar ao lado deles ouvindo “O portão”, clássico do “Rei” que demarca o término de uma história. E o começo de outra.

Enquanto houver vida, haverá sorrisos e lágrimas, redenção e remorso. Os livros, as experiências, os conselhos, o amadurecimento, a religião, nada, nenhum deles poderá nos proteger.

Porque viver é mesmo desenhar sem borracha.



Por Hugo Oliveira

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