"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Vazio e Momento


Este fim-de-semana, assisti a um filme que não me sai da cabeça: Gosto de Cereja (Ta’m e Guillas, 1997), do diretor iraniano Abbas Kiarostami. Nem sei se me sinto à vontade para recomendá-lo, imagino que muitos achariam chato, cansativo. O que, é claro, não invalida uma obra, como vem defendendo Hermano Vianna.

A trama é de grande simplicidade. Badii, um homem de meia idade, circula de carro em uma desértica Teheran procurando alguém que o ajude em seu intuito: pretende suicidar-se e quer a garantia de ser enterrado pela manhã ou resgatado caso ainda esteja vivo. Nisso se resume o enredo, nem ao menos temos acesso aos motivos que o levam a querer despedir-se da vida. Importa a busca por quem o ajude em seu objetivo.

E, assim, somos levados a acompanhar as reações dos candidatos à tão insólita proposta, caronas temporárias nas angústias do protagonista. Um jovem e assustado soldado; um seminarista cujos princípios religiosos o impedem de compactuar com o plano de Badii; e, por fim, o senhor Bagheri, velho taxidermista turco que, com uma mistura de sapiência e simplicidade, discursa longamente em defesa da vida, a partir de uma tentativa de suicídio que não levou em frente graças ao gosto de amoras, à vivência da natureza. Nesse ponto específico não pude deixar de pensar em Riobaldo.

Apesar da forte carga temática, o filme não resvala em sentimentalismos. Ao contrário, o tempo todo predomina a razão, representada pela aridez da paisagem e pelos olhares e silêncios do protagonista. Inclusive nos momentos primorosos que expressam a angústia da possível morte vindoura, como as vezes em que o homem se pega a observar as aves sobrevoando cadáveres de animais, ou quando, agachado no meio de uma obra, as sombras das pedras desabando simulam magistralmente seu próprio sepultamento.

Há um epílogo desnecessário, com uma cena dos bastidores da filmagem em um clima de leveza antitético ao que fora mostrado até então. Causa certa estranheza, mas não diminui os efeitos de uma obra de grande impacto reflexivo.

Maybe you did. Maybe you walk. / Maybe I drive to get off, baby.
 Por Ricardo Pereira

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