"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Confidência do botafoguense

Há exatos 20 anos, o Botafogo  era campeão brasileiro. Nunca, nem antes, nem depois, fui tão feliz quanto logo após o apito final daquela nervosa partida. E isso não tem a ver apenas com futebol...

O Ricardo de 1995 era virgem de tudo. Pouco saía de casa, aficionado por música e literatura, apenas iniciava sua jornada pelos clássicos e até entendia o que vinha expresso ali, mas não vivera nada nem perto do que lia ou ouvia. Paixões apenas platônicas, completaria 15 anos três dias depois do final do campeonato sem nunca ter vivenciado nenhum momento com alguma menina – o que chamam hoje de “ficar”. Tudo que vivia estava restrito aos limites do seu quarto, dos minutos contidos em suas canções preferidas, nas páginas de seus livros e, principalmente, em sua imaginação.

Aquele Botafogo de 95 foi a primeira grande experiência mundana, embora sagrada, a que se entregou. O futebol já proporcionara importantes lições de vida, seja através da seleção brasileira (quando ela ainda importava) ou mesmo de outras equipes do Botafogo. Mas nunca como naquele ano, nunca como com aquela equipe.

De certa forma, aquele Botafogo me ensinou o que é o amor. Ângela já cantava, “amar é sofrer...”, e com aquele time eu aprendi antes do que com qualquer mulher, o poder do sofrimento, da espera, da incerteza, mas também da recompensa, do merecimento, do êxtase. Após o apito final naquele 17 de dezembro de 1995, caí no choro, senti um alívio e estremecimento radiantes, meu padrinho me ligou de longe, a família parecia não acreditar nas minhas reações. Terá sido meu primeiro grande êxtase sexual? Compartilhado daquela forma?

Com aquela equipe aprendi a valorizar a simplicidade e a humildade. Ainda que Túlio, o artilheiro improvável, fosse falastrão e otimista demais (para os padrões alvinegros, nem se fala), a equipe era centrada, forte e correta; lutou contra o ego inflado e sempre alimentado pela imprensa de um flamengo no ano do centenário e com um Santos que foi para o segundo jogo da final já se achando vitorioso, como para cumprir tabela, tendo comemorado a derrota na primeira partida, apenas esperando para celebrar.

Além das partidas memoráveis - algumas delas consegui acompanhar do estádio, com meu amigo de colégio e de Botafogo, Rafael Magalhães, que faleceu tão novo e que, espero, possa ler esse texto esteja onde estiver), minha grande lembrança está na semana das finais em que pouco dormi, ouvindo o noticiário esportivo até meia noite e depois imaginando como seria a decisão, o hino ecoando na minha cabeça, como na expectativa do primeiro grande amor vivenciado.

Possuía, claro, idolatria pelo Túlio, mas eram dois outros sujeitos que eu admirava e tomava como exemplo: o capitão Wilson Gottardo, impecável nos jogos decisivos e, principalmente, Sérgio Manoel: minha alma adolescente se enchia de orgulho ao ver tal caráter vestindo a camisa do meu clube, era um adulto como ele que eu gostaria de ser nos próximos anos.


Há exatos vinte anos tive meu maior momento, uma referência, uma ruptura. Depois disso, tudo passou rápido demais. Mudei de cidade, fiz novos amigos, perdi um ídolo da juventude menos de um ano depois, com o que tive que aprender a lidar com a morte, ‘aprendi a beber, deixei o cabelo crescer...’, vivi grandes amores, sofri outros também, aprendi muito com meus amigos e familiares, assisti a grandes shows que às vezes me fizeram sentir próximo ao que senti em 95, o próprio Botafogo me proporcionou grandes alegrias e tristezas avassaladoras (2007, achei que você poderia ser outro 95 e por isso mesmo nunca te superei...). Mas nada, nada do que eu tenha vivido igualou em intensidade e resplandecência em minha alma e no meu coração o que eu vivi naquele 17 de dezembro de 1995. Quem sabe quando vier um filho ou outra geração alvinegra como aquela...


A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de 95, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança alvinegra.
(...)
Hoje sou professor de literatura
O Botafogo de 95 é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!


Por Ricardo Pereira

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