Ele e a mulher se arrumam e seguem para a residência de um amigo
que estava fazendo aniversário. Chegam ao local e já sentem o clima de alegria.
Ele bebe suas doses de uísque e, junto com a esposa, janta um delicioso bacalhau.
“Só vou embora se você me expulsar!”, diz em tom de brincadeira ao
aniversariante. Às 4h, madrugada de segunda para terça-feira, um táxi é
acionado e o produtor, ator e compositor Luiz Carlos Miele, de 77 anos, volta
para casa com a mulher... Feliz, satisfeito e pronto para morrer de um mal
súbito, um dia depois.
Mais do que lamentar a morte de um importante nome da
cultura e do entretenimento, a notícia fez com que eu refletisse sobre a vida
que quero levar até quando o destino, deus, a natureza ou, seja lá o que for, permitir.
A grama do vizinho é sempre mais verde, e seguimos romantizando certas
trajetórias, baseando-nos principalmente no distanciamento que temos delas. Mesmo
assim, acredito que Miele, o homem que transitou entre nomes da MPB e do show business brasileiro, entrou e saiu
de cena harmoniosamente, num fim digno de palmas.
Diferente dos shows, a vida não tem espaço para ‘bis!’ ou
‘mais um!’. Ela é um espetáculo de única apresentação, de climas, gêneros e sentimentos diferentes, 25% ensaio e 75%
improviso; um filme impossível de se prever o final, onde somos protagonistas
e, ao mesmo tempo, espectadores. O que é mais importante? Uma caminhada digna
ou um desfecho tranquilo? Não sei a resposta, mas gostaria de ter direito aos
dois. Se possível, com um The End à
Miele.
Muita gente quer viver até os 100 anos, e o avanço da
ciência e da medicina vai tornar essa sonhada ‘marca’ ainda mais alcançável...
Mas não sem alguns efeitos adversos. Consegue imaginar a festinha de
aniversário? Doce não pode por conta do diabetes; salgado também não, já que a
pressão arterial requer cuidados; bebidas alcoólicas nem pensar; música alta
está fora de cogitação, motivada pela audição ruim; baixa frequência de amigos,
já convocados pela dona morte. Um século de vida. Comemoração estranha, viu?
Talvez eu esteja exagerando. Trinta linhas para dizer o
óbvio: quero viver bem e terminar minha passagem por aqui da melhor maneira
possível. Sem prorrogação de dor e tristeza; sem deixar de fazer as coisas que
gosto ou perder aqueles por quem tenho afeto e consideração. Partir após uma
noitada com meus amigos, familiares e minha esposa. No dia seguinte,
lembrando-me das conversas e gargalhadas memoráveis, da música gostosa que
tocava no som e das promessas de encontros futuros, um súbito aperto no peito.
Súbito e nada mal.
Miele: a vida como um show; a morte como um grand finale |
Por Hugo Oliveira
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