"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Os momentos indescritíveis da minha vida – Vinte anos de “Mellon Collie and the Infinite Sadness”

A música era estranha. Não tinha jeito de balada e tampouco soava como um rock barulhento. Começava com uma batida marcante, e seguia em frente com guitarra e baixo dialogando como se fossem um só. A voz do cantor não ajudava quanto ao julgamento: um pouco estridente e nada convencional, cantava sobre coisas aparentemente desconexas. “Shakedown 1979, cool kids never have the time / On a live wire right up off the street / You and I should meet.”

Meus conhecimentos de língua inglesa não ajudavam; minha cultura musical também não. Ainda assim, a canção, o clipe e o clima de “1979”, da banda americana Smashing Pumpkins, levaram-me diretamente ao disco “Mellon Collie and the Infinite Sadness”, que completou 20 anos de existência anteontem, 24 de outubro. Duas décadas depois, ele continua sendo um dos discos da minha vida.

Na época, tinha 17 anos. O som “grunge” de bandas como Nirvana e Alice in Chains, as viagens psicodélicas do The Doors e o punk do Sex Pistols e de seu irmão mais novo – e pop –, Green Day, faziam a minha cabeça. Gostava de todos eles, mas entendia que seria difícil juntar todas aquelas características que tanto me agradavam numa única banda. De alguma forma, no álbum em questão, o Pumpkins conseguiu chegar perto.

Nas 28 músicas de “Mellon Collie and the Infinite Sadness”, álbum duplo produzido por Flood, Alan Moulder e Billy Corgan, este último, cantor, guitarrista e gênio do quarteto, os tiros vão para todas as direções, quase sempre acertando na mosca. O guitarrista James Iha, a baixista D’arcy Wretzky e o baterista Jimmy Charberlin se juntam a Corgan na criação de uma sonoridade ora grandiosa e graciosa, ora crua e suja. Riffs de guitarra matadores – “Zero” e “Bullet With the Buterfly Wings” – lado a lado com orquestrações e sutilezas sonoras lindíssimas – “Tonight, Tonight” e “Thirty-Three”. O clássico, o novo e o agora, tudo ao mesmo tempo.

A banda fazia o que desse na telha. Podia soar doce, quase como se estivesse defendendo uma canção de ninar, caso de “Farewell and Goodnight”; por outro lado, sabia ser assustadora quando queria. “And into the eyes of the Jackyl I say ka-boom / Now we begin descent, to where we've never been / There is no going back, this wasn't meant to last / This is a hell on earth, we are meant to serve / And she will never learn / Bye bye, baby goodbye”, grita Corgan em “X.Y.U”, uma das faixas mais fortes do disco.

Falar sobre força num álbum como “Mellon Collie” é dizer o óbvio. Quase tudo gravado nessa obra é fruto da obstinação e do brilhantismo de Corgan. Numa época em que o punk voltava a ditar as regras, graças a bandas como Nirvana e Green Day, ele ousou abrir o disco com um instrumental voltado ao piano, seguido de uma das canções mais bonitas da banda... E da década. “Tonight, Tonight” é majestosa. Quatro minutos e quartoze segundos de beleza musical e lírica. Primeiro, as cordas aparecem, penetrando por cada fresta do coração – do mais sensível ao mais fechado; depois, um dedilhado e o som da bateria marcam o ritmo, servindo de base para a voz de Corgan arrebentar de vez o nosso peito. “Time is never time at all / You can never ever leave without leaving a piece of youth / And our lives are forever changed / We will never be the same / The more you change the less you feel”.

Era um prato cheio para qualquer jovem roqueiro mais aberto a outras batidas, outras vibrações. Bonito e pesado; rock e pop. Tinha raízes no Heavy Metal e no Hard Rock, mas também abraçava o Rock Alternativo, o Indie e a Psicodelia. Nas gravações de covers e versões ao vivo, uma pista da sonoridade do grupo. Eles iam de Alice Cooper a Joy Division; de The Cars a David Bowie; de Missing Persons a Blondie. Na teoria, parece soar difícil, mas na prática, descia fácil. Continua descendo.

Os solos de guitarra de Corgan e Iha eram um caso à parte. Eu, que já não tinha saco para Steve Vai, Iron Maiden e similares, identificava-me completamente com as microfonias e explosões sonoras da dupla. Era o antissolo, o exorcismo dos demônios pessoais de Corgan vazando das letras para o instrumental. Punk sem ser punk. Faça você mesmo com 10 em vez de 3 acordes.

“Mellon Collie” foi o grande momento do Pumpkins, mesmo que o disco anterior, “Siamese Dream”, seja tão bom quanto o álbum duplo. Depois, eles ainda surpreenderam com um álbum que misturava eletrônica leve e violões, “Adore”, já sem o mestre das baquetas Charberlin e o brilhantismo de outrora. Lançaram mais dois trabalhos, pararam de tocar, voltaram com outros discos e, ao que parece, continuam na ativa – apenas com Corgan oriundo da formação original.

Pela televisão, assisti ao show que o Pumpkins fez em março deste ano, em São Paulo, no Lollapalooza Brasil. Foi legal ver o conjunto com novos membros e canções, mas ainda empolgando o público. Gostei de saber que eles continuam por aí, e até pensei em conferir um show da banda. Mesmo assim, admito: nada mais tocante do que o começo de “Tonight, Tonight”... Mesmo que vinte anos depois.

 
"Mellon Collie": perfeição em todos os detalhes... Inclusive na capa


Por Hugo Oliveira


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