Só ao me organizar para listar os melhores discos do ano
percebi que talvez, fora os três primeiros dessa lista, eu tenha me dedicado
mais aos lançamentos internacionais do que aos brasileiros. Discos muito
elogiados pela crítica e que poderiam me interessar, como o da Roberta Sá; o Carbono, do Lenine; o Estratosférica, da Gal ou Estado de Poesia, do Chico César, não
foram sequer ouvidos. Outros como o da Tulipa
ou o Euforia, do Pélico, não bateram por aqui como lançamentos anteriores
dos mesmos artistas. E ainda há os que ouvi apenas uma ou duas vezes, gostei
bem e, se houvesse tempo para me dedicar mais um pouco, fatalmente entrariam nessa
lista, como o do Boogarins, o De baile
solto, do Siba e O Labirinto e o Desmantelo, do Lirinha.
01 Trovões a me atingir,
Jair Naves
Jair Naves é, provavelmente, meu compositor
preferido de rock n’ roll atualmente no Brasil. Em seu segundo álbum solo, se
há um “amansamento” sonoro (positivo, as canções aparecem mais variadas e bem
trabalhadas), lírica e emocionalmente é o álbum mais intenso lançado por Jair
até agora. Se no claustrofóbico álbum anterior os sentimentos negativos
predominavam, aqui há uma possibilidade de luz no fim do túnel, a redenção pelo
amor. Romantismo soando bem em português, passando longe de parecer brega ou
piegas.
02 Desterro e Carnaval
– Rogério Skylab
No terceiro, e melhor, volume de sua trilogia
dos carnavais, Skylab, tal qual Brás Cubas, joga seu cadáver e o que sobrou de
sua alma no fundo da tradição musical brasileira, com seus maneirismos e
impostações, sua temática e suas idiossincrasias. E, mais do que em qualquer
outro momento de sua carreira, emociona e pode encantar o ouvinte que se dispõe
a ouvir sem procurar rir a qualquer custo. É um álbum que alterna momentos
simples com outros reflexivos e filosóficos e, certamente, o que mais ouvi em
2015.
03 Fortaleza,
Cidadão Instigado
Seis anos é tempo demais para esperar por um
novo lançamento do Cidadão Instigado, melhor e mais importante banda desse
país. Uma banda que deveria ser mais ouvida. Em Fortaleza, aparecem mais “tradicionais” do que nunca, com seus ecos
regionais e progressivos, a sensacional guitarra de Catatau e seus versos
simples e certeiros em canções indignadas, nostálgicas e belíssimas.
04 Meus Lados B,
Erasmo Carlos
Erasmo se juntou a uma banda jovem e sensacional
para dar novo gás a canções “esquecidas” de sua discografia, músicas com todo
potencial a hit (vocês ainda lembram o que é isso?), mas que, por um motivo ou
outro, não “chegaram lá”. Bem, azar o das paradas. O show resultou em um CD e
DVD antológicos, com um Erasmo em forma e se ele canta que “está dez anos
atrasado”, o que dirá de seu parceiro mais recorrente?
05 Por um pouco de
veneno, Carlos Careqa
Para muitos, o que vou afirmar agora é uma
heresia, mas preciso confessar: gosto mais das versões do Careqa do que das
originais do Tom Waits. Sete anos depois do primeiro álbum com versões do
cantor norte-americano, o extraordinário À
espera de Tom, aparece esse segundo lote de transposições, não apenas para
o português, mas para a realidade brasileira do universo errático e por vezes
soturno de Waits. Um trabalho genial, de parte a parte.
06 Pedaço Duma Asa,
Mariana Aydar
Em outro que merecia ser mais ouvido e com mais
atenção, Mariana Aydar enfileira os “sambas tristes” de Nuno Ramos, em um disco
de grande delicadeza, que mostra algumas canções já conhecidas pelas gravações
do favorito da casa Romulo Fróes e que aqui aparecem com abordagem distinta e
igualmente bela.
07 Conversas com
Toshiro, Rodrigo Campos
A estreia, São
Mateus não é um lugar assim tão longe, continua imbatível. No entanto,
Rodrigo Campos mantém o nível do bom Bahia
Fantástica. Mas aqui a viagem é pelo Oriente. E em meio a referências
cinematográficas, literárias e sexuais com grande carga oriental, a sonoridade
é brasileiríssima, do que de melhor produzimos aqui atualmente e que,
infelizmente, não alcança o “grande
público”.
08 A mulher do fim do
mundo, Elza Soares
Impossível ficar impassível a esse retorno de
Elza Soares às composições inéditas. Elza se cercou da geração paulista dominante
na MPB recente (Romulo Fróes, Rodrigo Campos, Clima, Nuno Ramos, Kiko Dinucci
etc) e apresenta um disco forte, contundente, com momentos arrepiantes.
09 Uma temporada fora
de mim, Hélio Flanders
Em sua estreia solo, o vocalista do Vanguart se
entrega ao Romantismo de uma forma tão profunda que, ao contrário por exemplo
do que acontece com o Jair Naves, flerta sim com certo sentimentalismo excessivo,
resvalando em certa “cafonice”. Mas não importa, é um risco que todo romântico
precisa correr. Em meio às baladas e citações de tango (!) do álbum, ouvimos o que poderia ser a definição desse conjunto de canções: “eu não vim nessa terra pra não morrer de amor”.
10 Frou Frou, Bárbara
Eugênia
Se podemos encontrar resquícios bregas na lírica
de Hélio Flanders, em Bárbara Eugênia encontramos na sonoridade. E, mais uma
vez, a cantora acerta em um disquinho delicioso tal qual seu antecessor, É o que temos. Ela tem o dom de casar
dramaticidade e sensualidade de forma tão leve e natural, que aos poucos
sentimo-nos íntimos das canções.
11 Derivacivilização,
Ian Ramil
Filho direto do estupendo Antes que tu conte outra, disco mais recente da Apanhador Só, Derivacivilização apresenta arranjos e
sonoridade por vezes inusitados em um discurso forte, intenso, denso e
tumultuado. Após o estranhamento inicial, vale a insistência.
12 Ventre, Ventre
Estreia da banda carioca, surpreende por soar
urgente e às vezes agressivo, mas muito bem produzido e com composições cheias
de pequenos detalhes que fazem a diferença e ótimas soluções. Lembra por vezes
o Radiohead pré Kid A, e não há
nenhum demérito nisso. Tivesse eu menos dez anos, perigava tornar-se minha
banda preferida.
Por Ricardo Pereira