Minha formação musical foi desde cedo pelas vias do rock n’ roll e da MPB, nunca fui próximo do rap/hip-hop. Quando novo acompanhei mais como curiosidade os primórdios do funk carioca, tanto que conheço grande parte dos ‘crássicos’ dos anos 90 que as festas vivem resgatando atualmente. A primeira lembrança que tenho de rap foi com os Racionais. Aos 12, 13 anos eu ainda ouvia rádio e no meio da programação pop-rock me deparei com “Fim de semana no parque” e “Um homem na estrada”, foi impactante. Esta última, inclusive, é dos melhores raps que já ouvi. Sobre uma batida seca, uma guitarra soul, sample do Tim Maia, um narrador raivoso cospe uma crônica crua, realista e poderosa sobre a violência urbana. Eu, “playboyzinho”, fechado em casa, cujo ideal de vida era ser o John Lennon, tive “acesso” a um mundo diferente, uma das primeiras portas abertas para o ‘mundo real’. Lembro de gravar numa fitinha e ouvir direto essas duas com meu irmão.
Logo depois me interessei pelos dois primeiros discos do Gabriel, o Pensador. Álbuns que não ouço mais hoje, mas considero muito bons, ouvi bastante na época e não gosto muito do caminho que ele seguiu após o terceiro disco. Anos mais tarde voltei ao Racionais quando “todo mundo” ouviu o Sobrevivendo no Inferno, mas nunca mais nenhum representante do rap nacional despertou meu interesse.
Até conhecer o Nó na orelha, álbum do Criolo, lançado este ano. Li em algum lugar e baixei sem grandes expectativas. E estou há uns dois meses ouvindo este que é um dos discos do ano até agora e pode expandir as fronteiras do rap nacional, por seu potencial para conquistar adeptos do estilo e encantar quem não costuma ser seu público alvo, como é o meu caso.
Fui fisgado de cara pela abrangência musical. O que de começo parece um defeito do disco, a falta de coerência/linearidade, mostra-se, com as sucessivas audições, o grande trunfo do mesmo. Criolo se aventura em estilos diversos como o samba, dub, balada e é cantor e não apenas rapper em grande parte das canções. De cara, fiquei encantado com a primeira, a algo afro “Bogotá”. A segunda – e uma das minhas preferidas –, a grooveada “Subirusdoistiozin”, é um retrato da periferia a partir do encadeamento de imagens a partir das quais formamos nosso próprio enquadramento.
O grande destaque do disco nas primeiras audições é, sem dúvida, “Não existe amor em SP”, balada melancólica, de grande lirismo e intensidade. Gosto muito também da deliciosamente brega “Freguês da meia noite”, do bonito samba “Linha de frente”, que fecha o disco apresentando a “Turma da Mônica do asfalto”, e dos joguinhos com rima em –ex de “Grajauex”.
Criolo consegue misturar linguagens musicais e referências líricas de contextos culturais a princípio distanciados. Durante o disco, cita, entre outros, Manuel Bandeira, Chico, Caetano e Cartola sem soar pedante ou forçado, aproximando-os de Fela Kuti ou Sabotage. E suas letras e interpretação possuem um enfoque diferente do Racionais, por exemplo, ao abordar sim a vida da periferia, porém de uma forma menos violenta e estereotipada.
Recomendo o disco (disponibilizado pra download aqui) a ouvintes adeptos da boa música, independente de estilos ou preconceitos. Quem se inclui nessa categoria pode vir a gostar desse Nó na orelha, que busca sua coerência em uma encantadora falta de coesão musical.
Por Ricardo Pereira
Já tinha ouvido "não existe amor em SP", e acredito que não há que more aqui e não concorde com a letra. Principalmente, aqueles que não são naturais daqui.
ResponderExcluir"Os bares estão cheios de almas tão vazias, A ganância vibra, a vaidade excita" Muito real!
beijos
Me fez curiosa e como curiosa sou, ja estou baixando! rs
ResponderExcluirÉ, Grazi, é uma bela música mesmo!
ResponderExcluirNão vai se arrepender, Mariana, quase certeza. rs
Beijos pra vocês
Muito bom o disco!!!! Assim que vc me passou o link por email eu já sabia que iria gostar, como todos os discos que costuma me indicar, mas não esperava que fosse gostar tanto.
ResponderExcluirMais uma vez, valeu a dica!!!!!
Abs!
Grande Tino.
ResponderExcluirEsse disco merecia mesmo um texto seu.
Aprovadíssimo. Ótima dica, como sempre.
Abração