"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Quase memória (por influência do meu pai)


Adquiri o Quase memória, quase romance de Carlos Heitor Cony, aos 45 do segundo tempo da minha visita à bienal do livro do ano passado. Ia saindo de um estande, já na hora do retorno, quando o avistei escondidinho, como um brinde a me chamar. Já simpatizante da escrita de Cony e com a vaga lembrança de alguma boa recomendação ou crítica lida, trouxe o livro comigo.

Com todo meu tempo de leitura disponível dedicado à monumental biografia de Dostoievski, foram se acumulando os pequenos romances a serem lidos. Há mais ou menos dois meses, resolvi dar uma pausa na pesquisa sobre o grande mestre russo para arejar minha cabeça com um pouco de ficção.

Quase memória não estava agendado para o momento. Emprestei-o então a meu pai, e, há duas semanas recebi uma ligação. Era o pai, emocionado como poucas vezes o vi, ao terminar a leitura, recomendando que eu lesse assim que pudesse. E foi assim, como um embrulho inesperado no tempo e no espaço, que o livro me chegou às mãos, furando a fila das leituras previstas.

Neste livro, Cony nos apresenta a seu pai, Ernesto Cony Filho, dez anos após sua morte. E que personagem encontramos nas páginas de Quase memória! Através de um bom gancho narrativo oriundo de um sonho do autor, vamos conhecendo aos poucos as excentricidades, virtudes e defeitos do pai, enquanto acompanhamos as deliciosas histórias narradas com o frescor e simplicidade característicos da pena de Carlos Heitor Cony.

E, à medida que avançamos as páginas, vamos nos afeiçoando ao Cony pai e, como num espelho, compreendemos o que o filho narrador sentiu em cada momento daqueles. Dessa forma, o leitor é levado irreversivelmente a pensar na relação que mantém (ou manteve) com o pai.

Foi assim que, noite adentro em meio à leitura, tive que parar por instantes, pois fui tomado da necessidade urgente de ouvir Beatles. E, enquanto emendava o Magical Mistery Tour e o Revolver, como um vistoso balão a ganhar os céus, minha memória foi passeando suavemente por momentos marcantes vividos com meu pai – felizmente ainda presente e com muitas histórias ainda por fazer -, desde o seu Antonio jovem gravando coletâneas em fitas cassete às vistas de um encantado Ricardo ainda pequeno; ele me apresentando à mitologia dos Fab Four, iniciando-me em um politeísmo rock n’ roll cada vez mais presente em minha vida; nossa proximidade enquanto me ensinava a dirigir; suas grandes histórias da papelaria Casa Nova e, depois, já na Maktub; as leituras, gestos, parecenças e divergências compartilhados... Memórias vívidas e escorregadias como o mantra de um acorde de ‘Tomorrow never knows’.

Pus-me então a pensar na curiosidade de justamente este livro, após quase um ano parado na minha estante, ter sido lido primeiro por meu pai e recomendado por ele. Coincidência? Não de acordo com Ernesto Cony. Como um balão lançado por mãos dedicadas, que voa aos céus e retorna para onde nasceu, ou um livro assinado pelo pai que é encontrado pelo filho, anos depois, abandonado em um sebo, as coisas acontecem de forma pré-determinada, porque tinham que acontecer. Afinal, “não existem coincidências, logo, as semelhanças, por serem coincidências, também não existem”. 

Por Ricardo Pereira

10 comentários:

  1. É por essa e por outras, que as vezes sinto a mesma necessidade urgente de ouvir Wilco, Radiohead, António Zambujo etc...

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Vez ou outra vc lembra do episódio da pintura das telhas pelo seu pai muito doido ao som dos Titãs. Após essa leitura, muito tempo depois fica mais fácil compreender o que passou na cabeça do Ricardo menino naquele momento, para que vc não mais esquecesse.
    Mais que foi hilário foi, sem dúvidas. Bjs.

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  4. Essa dos Titãs foi demais! rs

    Há várias outras que pensei em escrever (quebrando a cama com Mario Bros., show do Macca, filme do Doors...), mas ia acabar virando outro livro... hehe

    Bjs

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