"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

sábado, 28 de julho de 2012

O fim não tem fim


“Às vezes quero crer, mas não consigo
É tudo uma total insensatez
Aí pergunto a Deus: escute, amigo
Se foi pra desfazer, por que é que fez?”

Quando mais novo, muito me inquietavam estes versos de Vinicius. Quantas angústias infantis, adolescentes não foram embaladas/alimentadas por esta ideia?

E a cada término de relacionamento, com todas as dores, frustrações e, principalmente, o vazio decorrentes, não consigo deixar de pensar nisso. Independente da duração do envolvimento, sejam seis meses ou seis anos, é grande o investimento. Outra pessoa passa a ocupar tal espaço em seu dia-a-dia, que mesmo quando não se está junto, não se sente totalmente só. Por isso, a primeira porrada é sempre um vazio a princípio impreenchível. Seu time pode estar jogando, seus discos mais importantes sucedem-se antes de chegar à metade, suas cervejas preferidas parecem fora do ponto. Nada está no seu lugar.

As pessoas falam que só o tempo. As canções também: “tudo passa, tudo passará”; “as coisas quase sempre acabam”, difícil é a espera. Até quando queremos acreditar que é a decisão certa, inevitável lembrar de quando tudo funcionava e cada momento relembrado é uma pontada de dor. Cada relacionamento desfeito deixa para sempre essa cicatriz, estranha tatuagem, linha tão sensível que passa a não incomodar, depois de um tempo só a sentimos se a procurarmos, tateando o lugar específico, visível apenas para quem sentiu.

Os discos ou canções que marcam cada fim? Tenho as mais diversas recordações. Seja de um relacionamento duradouro, antes do término definitivo, naquele momento angustiante em que os dois sabem que não há mais jeito e tentam se convencer do contrário, procuram buscar força para continuar. Numa dessas, na madrugada silenciosa, entre lágrimas compartilhadas, ao fundo apenas o som de um karaokê ao longe, sem ninguém cantar, apenas a melodia de uma triste canção de Roberto, “De tanto amor”, como se a falta da voz, a letra apenas na imaginação, representasse a falta que um faria na vida do outro durante muito tempo ainda. Brega, eu sei. Como todo amor, como todo fim de amor.

O fim veio meses depois e foi bater mesmo junto com uma audição desesperadora do Blue, da Joni Mitchell. Outros discos já fizeram papel semelhante em diferentes ocasiões, no fundo quase todas iguais: Out of Season, O, Changing Horses, Blood on the tracks, claro. Mas a maneira fantasmagórica que as palavras, a sonoridade, a sensibilidade contida no Blue anunciaram o fim continua imbatível na minha memória, provavelmente a exagerar os fatos, como quase sempre.

É fácil, nesses momentos, agarrar-se aos versos mais desacreditados: “não acredito mais no fogo ingênuo da paixão (...) nessa estrada, só quem pode me seguir sou eu”; “ah, se tu soubesses como machuca, não amaria mais ninguém”; “sozinho eu vou ficar melhor”. No entanto, cedo ou tarde, arde no peito “o segredo dos mares por navegar”, e o sujeito, enganado pelo “espinho disfarçado de rosa”, pela “enganosa euforia do vinho”, regressa, tonto de sede, para mais um amor, rumo a mais um fim.

Daí não mais me inquietarem tanto os versos de Vinicius hoje em dia. Para cada grande ou pequena dor advinda de um final, fica o brilho de tanta beleza vivida, os momentos de ternura compartilhados que servem de guia, luz e esperança ao coração e corpo muitas vezes cansados. Fica, acima de tudo, a gratidão.

“Tenho o que ficou
E tenho sorte até demais
Como sei que tens também.”


Por Ricardo Pereira

4 comentários:

  1. Queria muito escrever um comentário do tipo "um dia vou escrever igual a esse cara". Infelizmente, não posso. Tino é gênio da raça.

    Hugo Oliveira

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    1. Que isso, Hugão!! Aí tb não! rs

      Por isso é bom ter amigos hehe

      Abraço!

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