Nunca imaginou que o mundo seria fácil. De Riobaldo a Raskólnikov, Holden Caulfield a Baltasar, o recado foi entregue das mais diversas maneiras. Ainda assim, a vivência da solidão extrapolava o que até então era mera fantasia. Mais do que em qualquer outra época, questionar os porquês de seguir em frente agora flertava sedutora e perigosamente com o desespero.
Havia seus pais. Tantos planos, tantos cuidados, acompanharam nascimento, ensinaram a andar, falar, viram crescer... Não, não podia deixar que eles passassem pela dor mais dilacerante, aquela que nem o tempo pode amenizar, que é a ausência de um filho. Ainda assim, como prosseguir? A espera por novos trabalhos de seus escritores, cineastas, músicos preferidos era um alento para sua existência bolorenta, mas já não bastava como outrora.
Possuía amigos de cuja fidelidade e carinho não se podia duvidar. Todos de personalidade mais fácil e que, por isso, conseguiram, de uma forma ou de outra, formar laços pessoais ou profissionais que tornavam a vida aparentemente mais aceitável. Pessoas que se preocupavam e seriam capazes de sacrificar a si próprios, se necessário fosse, por sua felicidade, para que voltasse a crer na vida.
Voltar? E será que um dia este inepto rapaz, se é que ainda podemos o chamar assim, pelo adiantado de sua idade, alimentou algum objetivo maior? Ou viveu pedaço de plástico boiando em água serena, esperando que a maré, o vento ou outro evento fosse responsável por sua mobilidade? Até se encontrar como neste momento, em um período de anti-ressaca vazante, fiapo ensebado preso frágil e vacilante na umidade porosa da primeira faixa de areia.
E de que forma fazer-se o seu próprio período de cheia? Se ao seu redor, pessoas vazias e fúteis o tornam cada vez menos homem, mais espuma, fechado em um território tão seu, cada vez mais solitário e arredio. Um espaço inóspito, pouco atraente a novos visitantes, onde apenas frequentadores de longa data se atrevem a caminhar em meio ao desnível de um solo irregular e escorregadio. Labirinto de esquinas intermináveis levando a becos e travessas sem saída ou solução, cujo único guia possível é um vento quente, torto, sem tino ou direção.
"Possuía amigos de cuja fidelidade e carinho não se podia duvidar. Todos de personalidade mais fácil e que, por isso, conseguiram, de uma forma ou de outra, formar laços pessoais ou profissionais que tornavam a vida aparentemente mais aceitável. Pessoas que se preocupavam e seriam capazes de sacrificar a si próprios, se necessário fosse, por sua felicidade, para que voltasse a crer na vida".
ResponderExcluir"Ou viveu pedaço de plástico boiando em água serena, esperando que a maré, o vento ou outro evento fosse responsável por sua mobilidade". Adorei. Com um desfecho inacabado como nós... Inacabados. (Mas lembrando Belchior, que venha o novo tembém!)
ResponderExcluirOi, Norielem, feliz que tenha gostado, obrigado. E Belchior, é aquilo né?, sabe tudo rs
ResponderExcluirBjs
"E de que forma fazer-se o seu próprio período de cheia? Se ao seu redor, pessoas vazias e fúteis o tornam cada vez menos homem, mais espuma, fechado em um território tão seu, cada vez mais solitário e arredio."
ResponderExcluirTamanha é a profundidade destas palavras que nelas me perco, me acho, me perco novamente e me ponho e me procurar... Brilhante!
Quem me indicou seu texto foi a Eugênia. Adorei!
Lindo, Ricardo!
ResponderExcluirMichelle Tavares
Oi Edward, obrigado, cara. Às vezes me aventuro por textos ficcionais, por enquanto textos curtos. Há esses aqui que pode gostar tb:
ResponderExcluirhttp://aboutthepassion.blogspot.com/2010/11/como-se-o-mar.html
http://aboutthepassion.blogspot.com/2011/03/feito-agua-parada.html
Mas é tudo muito experimental ainda.
Valeu, Michelle, obrigado!
Belas metáforas. Um texto muito melancólico e lindo (adoro as coisas melancólicas, hehe).
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