"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

sábado, 6 de agosto de 2011

As nossas melhores lembranças

A saudade é um sentimento retratado de diversas formas artisticamente. Em letras de música, por exemplo, gosto muito de ‘Costumes’, do Roberto Carlos, em que são detalhados momentos cotidianos da vida de um ex-casal e do quanto eles fazem falta depois do fim: “de repente ser livre até me assusta / me aceitar sem você, certas vezes me custa / como posso esquecer dos costumes, se nem mesmo esqueci de você.” Minha canção preferida sobre saudade talvez seja ‘Pedaço de Mim’, do Chico. Em um dilacerante dueto com Zizi Possi, Chico define a saudade comparando-a “a uma fisgada no membro que já perdi”, à dor causada por “um barco que aos poucos descreve um arco e evita atracar no cais” ou “a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”. Há também a bela tradução deste sentimento em um verso de ‘Vento no Litoral’, da Legião Urbana: “Aonde está você agora além de aqui dentro de mim?”.

Quando em decorrência da morte, a saudade machuca pela certeza de não mais poder estar com a pessoa querida, ao menos neste mundo. Ontem, conversando com um amigo que perdeu a mãe há pouco tempo, ouvi dele o quanto sente a falta dela com alguma frequência. Minha mãe, que perdeu o pai há mais de quarenta anos, costuma dizer o quanto, mesmo depois de tanto tempo, pega-se pensando nele e imaginando o quanto ele curtiria momentos que hoje ela vive. Há uns dois anos, pessoas queridas de irmãos meus se foram e pude conviver de perto com a dor deles por uma ausência irremediável.

Outro tipo de saudade angustiante é a que sentimos por pessoas que já se foram de nossas vidas, mas vez por outra as encontramos e sentimos ainda mais a falta delas, pela ausência do que já foram. É difícil lidar com as mudanças, sejam positivas ou negativas, busca-se sempre o passado. Às vezes sentimos saudades enormes de um ex-amor e quando conseguimos estar com ele, saímos desapontados, pois não encontramos a pessoa amada, esta não mais existe, apenas nas lembranças e na nostalgia. E muitas vezes a falta que sentimos não é só dela, mas do que éramos num passado agora idealizado. Sobre este tipo de saudade, há um poema de Mário Quintana de que gosto muito:

“É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.”

Tive um longo relacionamento em que a saudade era parte fundamental, pois morávamos em cidades diferentes. E quando não estávamos mais juntos, cheguei a sentir saudades de sentir saudades. Com outra namorada, tive um momento de sentir saudade antecipada, um sentimento decorrente de um futuro que sabíamos, mas escondíamos para viver o presente, não permitir os dois juntos por muito tempo. Era um final de domingo de um fim-de-semana perfeito, em uma época do auge da paixão. Estávamos deitados abraçados e de repente ela começou a chorar. Ao tentar entender, entre soluços e frases entrecortadas, pude perceber a angústia de saber que, por algumas diferenças nossas no modo de levar a vida, o que de tão bonito vivíamos fatalmente não chegaria muito longe. Ali, ela sentia saudade antecipada do que vivíamos então. Vislumbrou, no momento presente, a falta que um dia sentiríamos daqueles dias, um sopro de realidade em um mundo de encantamento.

E para terminar este texto sobre um sentimento tão dolorido e angustiante, deixo meu poema preferido sobre a saudade, de Pablo Neruda:

“Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.”


Por Ricardo Pereira

5 comentários:

  1. A saudade é um boa forma de termos certeza de que vivemos aquilo e que de alguma forma, foi importante pra nós.

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  2. Texto muito bonito, poemas e canções também.
    Ainda não tenho esse sentimento com tanta frequência, às vezes, são sentimentos mais angustiantes. Talvez porque eu ainda tenho vinte anos.

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  3. Saudade é uma forma de amor! é a boa lembrança das coisas e pessoas!! existe aquela saudade que chamo de "saudade calma"...você sente a falta mas isso não se torna angustiante, pelo contrário, preenche o coração de amor e você segue a vida com aquela saudade, sem sofrer! gosto tanto quando sinto assim!

    beijos

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  4. Mari, Grazi, até entendo o tipo de saudades que vocês estão falando, mas nem gosto de sentir saudades não, só de amigos, e mesmo assim quando tenho certeza de um encontro próximo... rs

    Mayra, obrigado, e espero que não precise sentir as saudades 'ruins' que cito no texto, em nenhuma faixa de idade.

    E anônimo (a), como não se identificou, há cerca de 87% de chances de eu também sentir saudades suas... rs

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