"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Para o pé do Fado, mais longe que os deuses

Angra dos Reis, 05 de dezembro de 2012

E aí, como anda a vida?

Senti vontade de escrever uma daquelas nossas cartas intermináveis e aqui estou. A dificuldade maior é que tínhamos uma espécie de fórmula pré-definida em que começavamos as missivas a comentar ou simplesmente rememorar os últimos encontros. E, agora, encontros recentes não há.

Andei pensando bastante em você recentemente por conta de conversas com amigos sobre a passagem do tempo e como cada um lida com isso. Por enquanto, envelhecer não tem sido tão difícil, até gosto mais do Ricardo dos trinta do que daquele dos vinte. Uma ou outra má circunstância se faz perceber, mas nada que me traga aflição... ainda.

Devido a problemas recentes por que passei e que não cabe detalhar aqui, andei pensando sobre as vantagens e desvantagens de estar bem ou mal. John Lennon já 'dizia': "No one I think is in my tree, I mean, it must be high or low." É por aí. Quando não estou bem, costumo ver a maioria das pessoas acima do que sou. Já quando estou melhor, como recentemente, meu ego costuma extrapolar a realidade, trazendo uma auto-suficiência que corteja muitas vezes desnecessariamente a arrogância.

Há que se buscar o equilíbrio. O que nem sempre é fácil, pois as boas fases vêm acompanhadas também de doses maiores de álcool, o que, convenhamos, não ajuda a me posicionar realisticamente quanto ao mundo ao meu redor.

Sigo acreditando em que possa haver relacionamentos bonitos, que valham a pena, ainda que mesmo um olhar menos atento teime em me fazer reconsiderar esta possibilidade. Observo casais e suas fragilidades, fissuras entranhadas de forma tão visível ao olhar externo e aparentemente invisíveis internamente. Ou perceptíveis e fingidamente ignoradas, vai saber...

... o que fica, muitas vezes, é uma imagem - idealizada, reconheço - de que com a gente era diferente, um bloco maciço e seguro de amor e infalibilidade. E, por falar em idealização, ando me curando desse mal, o que talvez, mesmo que tardiamente, torne-me mais suscetível ao encantamento e à realização. A conferir.

Esses dias, conheci uma pessoa e me encantei, senti-me atraído, ainda que daquele deslumbramento inicial e por isso tênue se não desenvolvido. Nada aconteceu, ela está em um relacionamento, sendo que, nesse momento, à distância: encontram-se a treze horas um do outro. Tentei me aproveitar dessa brecha, ainda que sem ser invasivo, pelo fato de ter realmente tido vontade de conhecê-la melhor. Daí que um amigo me criticou, acusando-me veladamente de 'canalhice', que deveria procurar me colocar do outro lado. E, não vou negar, isso não me fez bem, por um momento me vi agindo contra o que sempre acreditei. Embora a curiosidade e vontade digam sim; por ora, abraço, desconfiado de que posso estar errado, o não.

Recentemente, uma pessoa querida afirmou que via em nós, daqui alguns anos, O amor nos tempos do cólera. Achei bonita a imagem, lembrei de quando te dei esse livro, no dia em que comprei o primeiro do Strokes, que... (digressiono...) E, mesmo não acreditando nisso, pelo tanto que deixamos passar, por termos mantido o amor, mas transformado a paixão em amizade, e também pela chegada de sobrinhos (não de meus irmãos ainda, mas como se fossem), andei pensando em como vai ser estranho o dia em que você me der a notícia de que está esperando um filho. A seus amores, já me acostumei; como, certamente, acostumou-se aos meus. Mas nunca havia imaginado você mãe do filho de outro alguém.

Então, me diga, viver é ou não é muito perigoso?

Espero que esteja feliz,

       a noite, enfim, não veio para nos preservar jovens.

E por querer dizer o indizível, garrafas ao mar!

once upon a time
Por Ricardo Pereira

Um comentário:

  1. Que maravilhoso texto. Sério, muito bonito, muito mesmo. Viver é realmente perigoso, ainda mais nesses sentidos, tão profundos.

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