"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

sábado, 5 de maio de 2012

Yankee Hotel Foxtrot - 10 anos



Mês passado comemorou-se dez anos de Yankee Hotel Foxtrot, disco mais importante do Wilco e melhor álbum da primeira década do século. Foi através dele que conheci a banda, provavelmente a que mais ouço atualmente. Conheci através da clássica história de seu lançamento: recusado pela gravadora, o disco foi lançado pela internet e, com o sucesso, outro selo da mesma gravadora que os dispensou, contratou a banda e o disco saiu como eles queriam. Ou seja, a gravadora pagou duas vezes pelo mesmo produto... Sobre este episódio, recomendo o excelente documentário I am trying to break your heart.

Yankee Hotel Foxtrot é um álbum sobre a dificuldade de comunicação, tema tão caro no mundo atual. Foi uma quebra com relação à sonoridade dos lançamentos anteriores da banda, enquanto os dois primeiros têm os pés fincados no alt. country, o terceiro, SummerTeeth, envereda pelos anos sessenta em pops perfeitos. Em YHF, estranhamento é a palavra de ordem. Enquanto as canções têm por tema à incomunicabilidade dos relacionamentos, as músicas são recheadas de ruídos e microfonias ilustrando o mesmo efeito no desenvolvimento das melodias.

E assim começa a primeira canção, “I am trying to break your heart”. Entre ruídos, sons esparsos e um violão conduzindo a melodia, Jeff Tweedy com a voz ébria, cansada, canta uma letra dolorida, em que se assume bêbado e, de certa forma, as canções são condicionadas pelo discurso ‘chapado’ em que pensamentos e fragmentos são expostos em meio à lentidão e melancolia. A segunda, “Kamera”, é mais pop, relembrando o disco anterior, mas possui discurso igualmente soturno. Um homem dirigindo em meio à escuridão, caminhando em uma guerra de memórias distorcidas, apela: “phone my family, tell them I’m lost on the sidewalk” e complementa: “no, it’s not ok”.

“Radio Cure” foi a primeira canção do álbum por que me apaixonei. É climática e retoma o estranhamento, com um violão dedilhado e uma letra declamada com voz entediada, possui efeitos “sujando” a canção e enriquecendo o discurso, aparentemente de um amante que não vê a correspondência de seu amor da forma que gostaria e, com a mente cheia, confusa, vê-se cada vez mais distante da pessoa amada. E o refrão, primeiro sussurrado, depois mais intenso, num desafi(n)o quase gritado, arrebata:
“distance has no way of making love
understandable”.

“War on war” aparece com bons violões conduzindo e um teclado “animadinho” contrapondo-se à interpretação de Tweedy e à letra que crava certeira:
“you have to lose
you have to learn how to die
if you wanna wanna be alive”.

“Jesus, etc,”, um dos hits do álbum, é daquelas pérolas pop perfeitas, com tudo no lugar: o cravo,  violino e uma letra repleta de imagens belas e melancólicas.

“Ashes of american flags” é provavelmente minha preferida. Aqui, a livre associação de ideias atinge o ápice, emocionando até nos versos aparentemente indecifráveis. Contém também o que poderia ser uma síntese do meu relacionamento com a arte:
“I wonder why
we listen to poets
when nobody gives a fuck”.

“Heavy metal drummer”, o outro hit, é uma viagem ao passado de ensaios chapados na adolescência, tocando covers do Kiss. Insere-se no eixo temático do álbum as resgatar o sentimento de evasão tipicamente romântico, de se refugiar nos prazeres do passado para não pensar nos tormentos da vida presente.

“I’m the man who loves you” é uma desajeitada tentativa de declaração de amor. O eu-lírico, reconhecendo sua incapacidade de verbalizar o que sente, desejava poder segurar as mãos de sua garota e que, com isso, ela pudesse saber seus sentimentos. A seguinte, “Pot kettle back” mantém o discurso da incomunicabilidade. Aqui, o receptor é confuso, absorto em si mesmo, e o emissor deseja uma varinha mágica, pois “cada momento chega um pouco tarde demais”. No entanto, reconhece que também possui uma parcela de culpa, afinal: “I myself have found a real rival in myself”.

E chegamos às duas peças melancólicas que encerram Yankee Hotel Foxtrot. “Poor places” retrata um sujeio sentindo-se oprimido, fechado em um lugar quente, precisando sair e encontrar alguém. Há também o sentimento egoísta de indiferença tão corriqueiro atualmente: “they cried all over overseas and it makes no difference to me”.  E em meio a microfonias, a faixa encerra com uma voz feminina repetindo o nome do álbum como um código de rádio.

O disco chega ao final com a belíssima “Reservations”, dos acachapantes versos iniciais: “how can I convince you it’s me I don’t like / not be so indifferent to the look in your eyes” e, em que o mesmo tipo de voz que perpassa todo o álbum, angustiada, sem saber como chegar ao outro, que sempre “chega tão perto e se afasta”, declara:
“I’ve got reservations
about
so many things
but
not about you”.

E, de forma serena, encerra-se um dos grandes discos da minha vida. Que conheci na época da faculdade quando trabalhava à noite em uma biblioteca pouco frequentada no meu horário. Então ouvia sem parar e sentia que aqueles sons, aquelas palavras expressavam muito das minhas dúvidas, indefinições de então quanto ao futuro. E, tanto tempo depois, sinto que estas onze canções continuam a reverberar com a mesma intensidade por aqui e tenho certeza que assim permanecerão, acompanhando meus passos como ondas de rádio oriundas de uma estação de (des)inteligência emocional.

Por Ricardo Pereira

3 comentários:

  1. Muito legal o texto!
    E a banda também!!!!

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  2. Valeu, Paulo!

    Feliz mesmo que tenha sido "contaminado" pelo Wilco hehe

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  3. Muito boa resenha do disco. Vou ouvi-lo em breve. Ultimamente estou louca pelo Wilco também.

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