"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Bolsos furados


Dias estranhos têm me encontrado e, com isso, fui parando de escrever e acabo acostumando com o silêncio. Tenho procurado levar a vida agindo da maneira mais ‘correta’ possível. Para parte das situações, é fácil levar do modo que considero ideal, porém alguns hábitos estão tão arraigados, tão amalgamados à minha personalidade que é difícil mudar de uma hora pra outra.

Eu, normalmente tão urbano, ando numa fase ‘do campo’. Praticamente toda semana, o Amora, o Romaria ou o Renato Teixeira e Pena Branca e Xavantinho em Tatuí andam me chamando. Fora a vontade de andar com o pé no chão, sentir o vento no rosto, deveria estar relendo qualquer Guimarães Rosa...

Mas ando com Mar Morto, que acabou me levando ao maravilhoso Canções Praieiras, do Caymmi. Estou enfeitiçado com o cantar vigoroso e a simplicidade mágica daquelas canções. Por conta da leitura do ótimo Os sonhos não envelhecem, livro do Márcio Borges sobre o Clube da Esquina, vi-me perdendo certo preconceito que tinha pela obra de Milton Nascimento. Se Lô Borges já era admirado por aqui, passei a gostar ainda mais. E discos como Minas e Geraes do Milton, venceram qualquer resistência que poderia ter. Em qualquer outra fase da minha vida, o Minas sairia ganhando na minha preferência. Mas, talvez pela fase rural, o Geraes tem ocupado espaço maior no momento.

Com relação ao trabalho, ando lutando contra a resistência dos alunos à literatura e, vez ou outra, consigo bons momentos. Esta semana, passei O primo Basílio pra uma turma e foi prazerosos vê-los envolvidos com a história, torcendo ou se indignando, uns com a Luisa, outros com a Juliana. E, ainda que por meio cinematográfico, foi interessante acompanhar suas reações.

Ando arredio, como vez ou outra fico, sem muita paciência pra maioria das pessoas, preferindo ficar comigo mesmo ou com os mais próximos. Não sei como as pessoas conseguem fingir simpatia com tanta facilidade num processo idiotizante de socialização motivado pelo medo da solidão.

Vontade de me alongar em desabafos sobre o egoísmo e a falta de consideração nas relações amorosas, mas por já me antecipar ridículo, recolho-me às trivialidades...

Desfiz meu perfil no facebook por motivos pessoais, e esta decisão mostrou-se um grande acerto. Livrei-me de imensa quantidade de besteira e egolatria desmedida despejada no mundinho virtual e ganhei tempo que desperdiçava nessa brincadeira.

Vou procurar retomar meu ritmo de escrita neste diário cada vez mais fechado em si mesmo.  E despeço-me com as Reticências de Pessoa:

"Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na ação.
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;

Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!

 
Vou fazer as malas para o Definitivo,
Organizar Álvaro de Campos,

E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem — um antes de ontem que é sempre...

Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.

Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir...

Produtos românticos, nós todos...

E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.

Assim se faz a literatura...

Santos Deuses, assim até se faz a vida!

 
Os outros também são românticos,
Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,

Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar,

Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,

Os outros também são eu.

Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente,

Rodinha dentada na relojoaria da economia política,

Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios,

A tua voz chega-me como uma chamada a parte nenhuma, como o silêncio da vida...

Olho dos papéis que estou pensando em arrumar para a janela,

Por onde não vi a vendedeira que ouvi por ela,

E o meu sorriso, que ainda não acabara, inclui uma crítica metafisica.

Descri de todos os deuses diante de uma secretária por arrumar, 

Fitei de frente todos os destinos pela distração de ouvir apregoando,

E o meu cansaço é um barco velho que apodrece na praia deserta, 

E com esta imagem de qualquer outro poeta fecho a secretária e o poema...

Como um deus, não arrumei nem uma coisa nem outra...



Por Ricardo Pereira

Um comentário:

  1. Eu também odeio esse fingimento em pró do social. Uma pena você ter se desfeito do Facebook. É realmente insuportável o egocentrismo daquilo. Mas como é minha fonte diária de música (também), eu não consigo me desfazer. Mas acabo bloqueando várias pessoas, porque não conseguem postar outra coisa a não ser fotos delas e colocar frases de efeito nas legendas.

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