Dias estranhos têm me encontrado
e, com isso, fui parando de escrever e acabo acostumando com o silêncio. Tenho
procurado levar a vida agindo da maneira mais ‘correta’ possível. Para parte
das situações, é fácil levar do modo que considero ideal, porém alguns hábitos
estão tão arraigados, tão amalgamados à minha personalidade que é difícil mudar
de uma hora pra outra.
Eu, normalmente tão urbano, ando
numa fase ‘do campo’. Praticamente toda semana, o Amora, o Romaria ou o Renato
Teixeira e Pena Branca e Xavantinho em Tatuí andam me chamando. Fora a vontade
de andar com o pé no chão, sentir o vento no rosto, deveria estar relendo
qualquer Guimarães Rosa...
Mas ando com Mar Morto, que
acabou me levando ao maravilhoso Canções Praieiras, do Caymmi. Estou
enfeitiçado com o cantar vigoroso e a simplicidade mágica daquelas canções. Por
conta da leitura do ótimo Os sonhos não
envelhecem, livro do Márcio Borges sobre o Clube da Esquina, vi-me perdendo certo
preconceito que tinha pela obra de Milton Nascimento. Se Lô Borges já era admirado por
aqui, passei a gostar ainda mais. E discos como Minas e Geraes do Milton,
venceram qualquer resistência que poderia ter. Em qualquer outra fase da minha
vida, o Minas sairia ganhando na minha preferência. Mas, talvez pela fase
rural, o Geraes tem ocupado espaço maior no momento.
Com relação ao trabalho, ando
lutando contra a resistência dos alunos à literatura e, vez ou outra, consigo
bons momentos. Esta semana, passei O primo Basílio pra uma turma e foi
prazerosos vê-los envolvidos com a história, torcendo ou se indignando, uns com
a Luisa, outros com a Juliana. E, ainda que por meio cinematográfico, foi
interessante acompanhar suas reações.
Ando arredio, como vez ou outra
fico, sem muita paciência pra maioria das pessoas, preferindo ficar comigo
mesmo ou com os mais próximos. Não sei como as pessoas conseguem fingir
simpatia com tanta facilidade num processo idiotizante de socialização motivado pelo medo da solidão.
Vontade de me alongar em
desabafos sobre o egoísmo e a falta de consideração nas relações amorosas, mas
por já me antecipar ridículo, recolho-me às trivialidades...
Desfiz meu perfil no facebook por
motivos pessoais, e esta decisão mostrou-se um grande acerto. Livrei-me de
imensa quantidade de besteira e egolatria desmedida despejada no mundinho
virtual e ganhei tempo que desperdiçava nessa brincadeira.
Vou procurar retomar meu ritmo de
escrita neste diário cada vez mais fechado em si mesmo. E despeço-me com as Reticências de Pessoa:
"Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na ação.
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!
Vou fazer as malas para o Definitivo, Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!
Organizar Álvaro de Campos,
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem — um antes de ontem que é sempre...
Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir...
Produtos românticos, nós todos...
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.
Assim se faz a literatura...
Santos Deuses, assim até se faz a vida!
Os outros também são românticos,
Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,
Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar,
Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,
Os outros também são eu.
Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente,
Rodinha dentada na relojoaria da economia política,
Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios,
A tua voz chega-me como uma chamada a parte nenhuma, como o silêncio da vida...
Olho dos papéis que estou pensando em arrumar para a janela,
Por onde não vi a vendedeira que ouvi por ela,
E o meu sorriso, que ainda não acabara, inclui uma crítica metafisica.
Descri de todos os deuses diante de uma secretária por arrumar,
Fitei de frente todos os destinos pela distração de ouvir apregoando,
E o meu cansaço é um barco velho que apodrece na praia deserta,
E com esta imagem de qualquer outro poeta fecho a secretária e o poema...
Como um deus, não arrumei nem uma coisa nem outra...
Por Ricardo Pereira