"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

domingo, 17 de junho de 2012

These Days

Por estes dias, não vou poder postar nada por aqui... A não ser canções. Lá vai a primeira delas. "These days", da cantora Nico. Uma belezura doce e tristonha. Frase: "These days I seem to think about/How all the changes came about my ways". Por Hugo Oliveira

sábado, 16 de junho de 2012

O renascimento do Smashing Pumpkins



Nos últimos tempos, venho ouvindo Smashing Pumpkins com uma frequência que não acontecia há um tempo considerável. Eles são, sem dúvidas, das bandas mais importantes da minha formação, não só musical, mas talvez pessoal. Hoje percebo que cresci procurando não apenas apreciar, mas “viver” as canções de minhas bandas preferidas. O que nem sempre foi bom negócio... A sonoridade da banda e, principalmente, as letras de Billy Corgan sempre funcionaram como reflexo, espelho sujo, mostrando e refletindo uma visão melancólica, acinzentada da vida.

Recentemente, adquiri as reedições dos dois primeiros álbuns – Gish e Siamese Dream -, ambas lindíssimas, com excelente trabalho de remasterização e tudo que um fã poderia querer: um disco de extras, dvd com um show da época de lançamento do disco e livreto com letras, fotos, texto e comentários faixa-a-faixa, ou seja, item indispensável. Os dois álbuns “envelheceram” muito bem, principalmente Siamese Dream, o primeiro “clássico” da banda. O dvd que acompanha este disco emociona. É um show de 1993, no Metro, local emblemático para a banda, em que os Pumpkins parecem estar naquele momento mágico, um passo antes do reconhecimento, em que teriam suas vidas mudadas e mudariam a vida de tanta gente.

Apesar de um passado glorioso, já não esperava mais muita coisa da banda hoje em dia. Billy Corgan me parecia perdido como único integrante original na formação atual após Zeitgeist, um álbum indigno da discografia deles – apenas duas faixas destacam-se: “Tarantula” e “7 Shades of Black”, de resto, irrelevância -, e shows frustrantes. Porém, há duas semanas, fui surpreendido positivamente com a apresentação deles no Rock in Rio Lisboa. Um concerto vigoroso, com grande repertório, banda afiada, sem inventar muito. Ao assistir, pensei que era o tipo de show que gostaria de assistir, além dos hits, em “X.Y.U.” e “Muzzle”, reconheci no palco a banda que aprendi a amar, mesmo sentindo falta de James Iha e Jimmy Chamberlin.

E a impressão de que o Smashing Pumpkins ainda pode ser relevante nos anos 10, ter algo a dizer, foi confirmada com o lançamento, esta semana, de um novo álbum. Oceania é um disco coeso e retoma as características que permeiam os melhores momentos da banda. Começa com duas boas canções, “Quasar” e “Panopticon”, duas porradas rock n’ roll e possui grandes momentos como “Violet Rays”, “Pale Horse” e “The Chimera”, além da grandiosa faixa título, um épico como os dos bons tempos. Há certa obsessão por sintetizadores, o que funciona bem em “Pinwheels” e “Wildflower” e não tão bem em “One Diamond, One Heart”. Mas pode-se afirmar que mesmo a faixa menos inspirada de Oceania é melhor do que qualquer coisa do Zeitgeist.

No final das contas, uma agradável surpresa esta volta à boa forma de Billy Corgan. Por enquanto, fica a torcida para que a mesma se mantenha, e a ansiedade pelo relançamento de Mellon Collie and the Infinite Sadness em versão deluxe. Esse sim, clássico maior dos Pumpkins e um dos discos da minha vida.


Por Ricardo Pereira

sexta-feira, 1 de junho de 2012

"Everybody Dies" - avaliando o fim de House



Mês passado, após oito temporadas, House chegou ao fim. Foi uma série que acompanhei do começo ao fim com grande interesse. Não tem a ‘mágica’ ou emociona como Lost; está longe de ter o 100% de aproveitamento de Sopranos, muito menos o peso nostálgico de Wonder Years, mas tem em seu protagonista um personagem interessantíssimo, complexo e que virou ícone mundial.

Eu, que nunca suportei séries ‘de hospital’ como ER, por exemplo, fiquei aficionado por House. Isso se deu não pelos casos médicos apresentados a cada episódio e sim pela arrogância, cinismo, egoísmo, sarcasmo e misantropia do genial especialista em diagnósticos Gregory House, interpretado magistralmente por Hugh Laurie.

Curioso que com uma visão tão pesada e negativa da vida, o doutor House tenha alcançado tanta popularidade. Muito se deve ao caráter investigativo da série e ao aprofundamento humano que vai ocorrendo no decorrer das temporadas. Ainda que um ou outro caso médico tenha me interessado, o que me manteve preso por tanto tempo à série foi a relação entre o problemático protagonista e seu melhor (único) amigo, James Wilson (Robert Sean Leonard), a diretora do hospital, Cuddy (Lisa Edelstein) e os membros de sua equipe: Foreman (Omar Epps), Chase (Jesse Spencer), “Thirteen” (Olivia Wilde), Taub (Peter Jacobson), Cameron (Jeniffer Morrison), entre outros. Todos com seus problemas pessoais e tendo que lidar com as excentricidades e armadilhas de Gregory House.

Pessoalmente, durante um tempo, a série pode ter me feito mal. Deixei-me influenciar demais pelo negativismo e pela postura de House e passei a me comportar muitas vezes com uma arrogância e desprezo pelas regras exagerados, com o botão de ‘foda-se’ ligado por mais tempo do que deveria. Ao menos, é o que pensam alguns amigos.

Verdade que a série deveria ter durado menos, alongou-se demais em uma fórmula que acabou se desgastando. O fino do programa está nas três primeiras temporadas, ainda que meu episódio preferido seja a dobradinha “House’s Head”/”Wilson’s Heart” que fecha a quarta temporada de forma devastadora, e um dos melhores seja o de abertura da sexta, “Broken”, praticamente um filme, com direito a abertura de Radiohead.

Após uma sétima temporada fraca, a última alternou bons e maus momentos. A expectativa para como a série acabaria era muito grande, e o final foi dividido em quatro episódios. Daí que achei os três que antecedem o último, “The C-Word”/”Post Mortem”/”Holding On” muito bons, intensos e emocionantes na medida certa, como parte dos grandes momentos do seriado. Mas o derradeiro, “Everybody Dies”, não me satisfez. Simplesmente porque acostumei com finais de temporadas angustiantes, dolorosos e esperava - e penso que a série e o personagem mereciam - um final mais amargo.

Mas assim como em Lost, o que vale é a travessia. E nesse aspecto, ainda que se estendendo um pouco mais do que deveria, House passa com louvor. Foi uma baita série, com um grande personagem, a quem vez ou outra fatalmente acabarei retornando.


Por Ricardo Pereira

O menino e o poeta

            Poema do menino Jesus

Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão 
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que ele as criou, do que duvido." -
"Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?

                          Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)
 
 
Por Ricardo Pereira