É muito fácil falar mal do vocalista da banda Capital
Inicial, Dinho Ouro Preto. Com ou sem razão.
Cantor e compositor de um dos conjuntos mais famosos do
chamado “Rock de Brasília”, que estourou no país inteiro através de nomes como
Legião Urbana e Plebe Rude, nos anos 80, Dinho e seu grupo lançaram algumas boas
canções e muitas faixas dispensáveis, ao longo de discos sempre marcados pela
irregularidade.
Um ótimo motivo para detoná-lo, certo? Afinal, nada mais
justo do que criticar um músico pela ausência de qualidade ou falta de
relevância relativa ao trabalho apresentado.
Dinho sabia que nunca ia escrever ou cantar da mesma forma
como Renato Russo, seu grande ídolo, fazia. Poderia, junto com sua banda, até
exigir um empate técnico no quesito “conjunto da obra”, em relação ao
companheiro de geração Plebe Rude. Mas o quarteto que criou “Até quando
esperar?” perdeu a virgindade musical com “O concreto já rachou”, um mini-LP
destruidor, onde quase todas as faixas eram acima da média.
Medalha de bronze, cara. Ao menos, por enquanto.
Quatro discos depois de “Capital Inicial”, de 1986, Dinho
resolveu sair do grupo que lhe deu fama e grana. A banda continuou com um novo
vocalista, mas nada aconteceu. Dinho lançou dois álbuns solos – o segundo,
“Dinho Ouro Preto”, foi até elogiado pela crítica –, mas também não foi além.
Quando parecia que a história do conjunto havia chegado ao
fim, eis que a banda volta com a formação original, grava um bom disco autoral
– “Atrás dos olhos”, de 1999 – e, em seguida, lança um acústico com o selo MTV
que emplaca pelo menos meia dúzia de músicas.
Só faltava os caras tocarem num Rock in Rio da vida e saírem de lá
consagrados como responsáveis por um dos melhores shows da noite. E foi o que
aconteceu.
O Capital Inicial é hoje um dos conjuntos de rock/pop mais
famosos do país. A banda toca em tudo quanto é canto, renovou o público e
conseguiu lançar discos melhores do que aqueles produzidos em meados dos
80/começo dos 90 – embora a fonte pareça estar secando.
Agora, aos 46 anos, o cantor que sempre disse que só sabia
tocar rock, que ia envelhecer fazendo esse tipo de música, resolveu gravar um
novo disco solo lotado de versões internacionais de clássicos e algumas
novidades incensadas do estilo. Tudo bem para você, caro leitor?
Seria desonesto generalizar, mas, para gente como eu, que
respira música pop, err, “séria”, que acaba de voltar de um show do Morrissey e
que está sofrendo com um ingresso do festival Coachella na mão, sem poder ir ao
evento por causa da falta de grana, a resposta automática é não.
Foi o primeiro pensamento que me veio à cabeça quando Ricardo,
a outra mente por trás deste blog – aliás, a mais atuante por esses dias –,
enviou uma mensagem, via celular, falando que “There Is A Light That Never Goes
Out”, dos Smiths, não ficou horrorosa na voz do Dinho, mas “Hallelujah”,
clássico de Leonard Cohen imortalizado na voz do cantor Jeff Buckley, havia
ficado “tenebrosa”.
Eu ri muito e, automaticamente, visualizei o álbum como uma
grande merda. Mesmo sem ter escutado. Aí,
bateu uma coceirinha na mente, lá no fundo da consciência. “Porra, vai
esculachar sem ter escutado?”. Resolvi encarar a missão.
“Black Heart” tem doze canções. É um disco de um cara que
cresceu ouvindo rock, tocando esse tipo de música simples e apaixonante. Dinho
poderia ter gravado um álbum com clássicos da MPB, na intenção de soar mais
adulto e brasileiro. Mas não. Registrou faixas que parecem falar muito de onde
ele veio e para onde está indo. Ainda assim, também soa como um músico querendo
provar para todo mundo que é “do rock”, que está ligado com o que aconteceu e
acontece no cenário.
“Steady As She Goes”, da banda americana Raconteurs, e “Time
Is Running Out”, do trio inglês Muse, ganharam versões muito fracas. São
justamente as canções mais atuais do repertório que o cantor escolheu. A
primeira não consegue reproduzir um tiquinho da tensão que a original
carregava. Uma música morta, do começo ao fim; já a segunda, se transformou num
indie brega de fundo de quintal, com direito a refrão com cara de coro de
igreja ruim. Detalhe: em ambas, um backing vocal contribui para o (des)
serviço.
“Hallelujah”, canção do cantor e compositor Leonard Cohen
que ficou famosa na voz de Jeff Buckley, também surge como outra bola fora do
trabalho. Música simples, mas de grande carga emocional, ela aparece em arranjo
ligeiramente diferente, com um violão mais presente e uma percussão marcando a
faixa. Nem a bonitinha intervenção instrumental no refrão – parece um violão,
um banjo, algo do tipo – consegue salvar a faixa da ausência de uma
interpretação mais emocionada, feita com o coração... Mesmo que negro.
A simplicidade e o respeito ajudam o cantor em dois
momentos: “Hard Sun”, de Eddie Vedder, e “(Are You) The One That I’ve Been
Waiting For?”, de Nick Cave, são simpáticas, bem parecidas com as originais,
sem grandes ousadias ou retrocessos.
“Suspicious Mind”, que Mark James parece ter criado
exclusivamente para a voz de Elvis Presley, pode até ter perdido em explosão,
mas ganhou um arranjo mais sutil e interessante, com uma boa quebra de ritmo no
meio. “There Is A Light That Never Goes
Out”, dos Smiths, aparece numa velocidade mais acelerada do que a original, com
Dinho cantando com vontade, mas fazendo firulas vocais suspeitas, quase
desnecessárias. A dramaticidade da voz de Morrissey e das cordas presentes na
canção original – boladas por Johnny Marr – faz falta.
A primeira música de trabalho do disco, “Nothing Compares 2
U”, gerada através do cantor Prince, mas adotada pela cantora irlandesa Sinéad
O’Connor, ganhou um groovezinho chulé, mas nada que possa arranhar o brilho da
interpretação mais famosa, que foi defendida com um dos vídeos mais singelos e
arrebatadores dos anos 90. Talvez este seja o grande problema do disco – mais
do que o instrumental sem grandes momentos e a voz mediana de Dinho: a
incapacidade do álbum em chamar a atenção do ouvinte médio do Capital para os
originais das canções escolhidas, muitas, peças fundamentais no caminho traçado
pelo vocalista e sua banda.
Restou escrever sobre as quatro melhores faixas de “Black
Heart”. “Lovesong”, do The Cure, uma das influências primárias do Capital
Inicial, ficou ótima. Gravada com tesão, instrumentos e voz para cima, com a
urgência que a música merece. “Love Will Tear Us Apart”, do Joy Division – o
“pós-punk” supremo –, surpreende pela criatividade. A simplicidade é mantida,
mas em compensação, Dinho e os músicos que gravaram o álbum não economizam no
bom gosto. Não tem a ‘dor’ e o espírito torturado da gravação original? Ótimo:
sinal que ao menos nessa canção o vocalista conseguiu oferecer algo de novo.
Outros tempos, certo?
“Dancing Barefoot”, da cantora pré-punk Patti Smith, ganhou
uma roupagem mais encorpada... E acordes iniciais que lembram “Island Of The
Sun”, do conjunto power pop americano Weezer. O órgão de churrascaria caiu bem
na faixa, assim como o backing vocal, que finalmente marcou um gol, aos 45 do
segundo tempo e chorado. A versão para “Being Boring”, movida a violões, também
ficou bonita, prontinha para o momento “celulares ligados” durante os shows que
o vocalista deverá realizar para divulgar o álbum.
Dinho parece ser um cara legal. Um quase tiozão com boas
intenções e influências roqueiras relevantes. Se o objetivo do cantor era
homenagear as bandas e os cantores que fizeram – e fazem – sua cabeça, ele
conseguiu. Por outro lado, para nós, ouvintes, é um resultado abaixo do
esperado.
E a gente costuma criar expectativas em relação às pessoas
legais, certo?
Não foi dessa vez... Mas foi divertido.
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Que país é esse? Ninguém se mobiliza para ouvir o álbum do cara? É a porra do Brasil! |
Por Hugo Oliveira